Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
20/06/2005 - 11h47

Botero mostra com arte a sua revolta com os EUA

VALQUÍRIA REY
da BBC Brasil, em Roma

O horror e o drama das torturas sofridas pelos prisioneiros iraquianos na prisão de Abu Ghraib não saem da cabeça do artista plástico colombiano Fernando Botero.

"Estou obcecado pelo tema porque é uma coisa monstruosa, inaceitável", disse Botero à BBC Brasil sobre uma série de 50 trabalhos que fez sobre o tema.

A obsessão pelo tema acabou gerando muitos quadros que, de acordo com ele, podem se transformar em testemunhas da história, a exemplo do que ocorreu com Guernica, de Picasso.

Alguns quadros estarão expostos até 25 de setembro no Palácio de Veneza, no centro de Roma, como parte integrante da retrospectiva inédita de 170 obras do artista Fernando Botero --os últimos 15 anos.

Há sete meses, desde que viu as primeiras imagens dos abusos sofridos pelos prisioneiros iraquianos, Botero não consegue parar de produzir pinturas e desenhos que têm transformado a crueldade e a dor das vítimas em expressão artística.

"Os americanos, que se apresentam como exemplo de compaixão e civilização, estão recorrendo a métodos não pertencentes a esta época, mas à Idade Média, de barbárie total."

Conhecido por suas esculturas e pinturas de personagens corpulentos, Botero não abandonou as figuras "volumosas" nesta série sobre Abu Ghraib.

Mas, desta vez, os personagens coloridos não têm vez. Seus trabalhos são mais escuros. O cômico dá lugar ao sinistro. As cores alegres são trocadas por tons de cinza, marrom, ocre e magenta.

Esta não é a primeira vez que Botero abandona os temas mais leves para tratar da violência em sua obra.

Bogotá

No ano passado, ele doou ao Museu Nacional de Bogotá uma coleção sobre o conflito armado interno na Colômbia, com 50 telas mostrando massacres, atentados terroristas, pistoleiros, seqüestrados e deslocados.

Botero, que é considerado o pintor contemporâneo mais conhecido do mundo, diz que não há qualquer semelhança entre a violência de seu país e a praticada pelos soldados americanos no Iraque.

"A violência colombiana é resultado do subdesenvolvimento e da injustiça social. É cometida, em geral, por pessoas muito humildes e pouco preparadas na vida", afirmou o pintor e escultor de 73 anos.

"Com relação aos Estados Unidos, falamos de uma violência feita pelo maior Exército do mundo, que utiliza uma perversidade e técnica de monstruosidade total."

Botero diz que não pretende fazer negócio com a dor dos iraquianos.

A exemplo do que ocorreu com a série colombiana, os trabalhos sobre a prisão iraquiana não estarão à venda e serão doados a um museu.

Sem impacto

O artista colombiano confessa que a série sobre Abu Ghraib é uma crítica ao governo e ao Exército dos Estados Unidos. Mas, de acordo com ele, não terá qualquer impacto no mundo político.

Segundo Botero, a arte não tem capacidade de causar mudanças. No entanto, pode adquirir importância ao longo do tempo e se transformar em testemunha da história, dos crimes cometidos no passado.

Ao citar o exemplo clássico da obra de Picasso, que retratou o bombardeio dos alemães contra Guernica, durante a Guerra Civil Espanhola, Botero espera que seus trabalhos continuem sendo destacados mesmo depois dos jornais não falarem mais sobre tortura no Iraque.

No entanto, o artista colombiano não pensa em se tornar o pintor das tragédias.

"A violência na Colômbia e no Iraque me atingem profundamente por diferentes razões", diz.

"Outros problemas que ocorrem no mundo também me preocupam. Mas isso não quer dizer que agora vou fazer quadros sobre a fome no Sudão".

Brasil

O professor colombiano Juan Pablo Muñoz, de férias na Itália, ficou feliz ao descobrir que Botero produziu uma série de obras retratando os abusos no Iraque.

"Ele está acostumado a retratar a violência da Colômbia. É a pessoa certa para mostrar o que está ocorrendo no Iraque", diz. "É uma mostra muito crítica a respeito dos americanos e à guerra que levam a cabo. As torturas são suficientemente fortes para serem mostradas".

Stefano Macchi, advogado aposentado, acredita ser muito importante o fato de um artista de fama internacional como Botero estar mostrando para o mundo, por meio da arte, os abusos cometidos pelo Exército dos Estados Unidos.

"A política americana precisa ser condenada", afirma. "Ela está se aproximando à técnica de governo do nazismo".

Depois de Roma, a série sobre Abu Ghraib estará exposta em Stuttgart, Atenas e Washington.

Botero ainda lembra com muitas saudades das duas grandes exposições que fez na década passada no Museu de Arte de São Paulo e no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

O pintor e escultor colombiano diz ter esperança de poder retornar um dia com um novo grupo de obras, pela importância que tem o Brasil no mundo. Segundo ele, ainda não retornou devido à ausência de convites.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página