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24/06/2005 - 09h13

Crise brasileira preocupa esquerda sul-americana

MARCIA CARMO
da BBC Brasil, em Buenos Aires

A crise política brasileira tem sido destaque nos principais jornais e emissoras de rádio da Argentina, do Chile, do Uruguai e da Bolívia, entre outros vizinhos. Desta vez, a preocupação não é com os efeitos econômicos que podem ser gerados, mas sim com os reflexos no destino político da América do Sul.

Os integrantes dos partidos de esquerda ou de centro-esquerda, que viram a chegada do presidente Lula ao poder como um modelo, temem que as denúncias de corrupção, no Brasil, influenciem e prejudiquem o crescimento desta linha política na região.

"A chegada do presidente Lula ao poder ocorreu no momento em que uma espécie de onda de centro-esquerda atingiu os principais países da região. O medo agora é que os leitores, até agora os mais bem informados, comecem a questionar a capacidade da centro-esquerda de governar um país", disse o cientista político chileno Guillermo Holzmann, professor da Universidade do Chile. "Ou de que comecem a perguntar: então será que todos os políticos são iguais?"

País de 15 milhões de habitantes, com estabilidade econômica, mas ainda lutando contra as diferenças sociais, o Chile realiza eleições presidenciais em dezembro deste ano. A expectativa, segundo pesquisas de opinião, é de que o presidente Ricardo Lagos passe o cargo à sucessora do mesmo partido, Michelle Bachelet, no que seria o quarto mandato da Concertación --coalizão de centro-esquerda.

Para Holzmann, o Chile tem demonstrado ser uma exceção nessa onda política que inclui ainda a posse, em março passado, de Tabaré Vázquez, da Frente Ampla, no Uruguai, Néstor Kirchner, da linha mais à esquerda do peronismo (Partido Justicialista), na Argentina, e a perspectiva de que na Bolívia seja eleito, até o fim do ano, político da mesma linha política.

Espanto

De Montevidéu, no Uruguai, o professor de sociologia e cientista político Miguel Serna, da Faculdade de Sociologia, da Universidade da República, disse que a crise política brasileira gera "preocupação e espanto". Principalmente, afirma, diante da possibilidade de envolvimento do Partido dos Trabalhadores ou de seus integrantes no suposto esquema de pagamento de mesada, denunciado pelo deputado Roberto Jefferson, do PTB.

"O caso atinge em cheio o discurso clássico da esquerda sobre a administração pública. A outra razão para estarmos ligados no assunto é a desconfiança que o episódio provoca na estabilidade democrática brasileira. As denúncias de corrupção afetam o governo, o PT e o Congresso Nacional", afirma.

Miguel Serna concorda com o professor chileno, ao dizer que a preocupação agora é se o papel dos governos progressistas na região será afetado pelo fato de Lula, um operário que chegou ao poder, ter uma administração acusada de corrupção.

"Argentina, Uruguai e Brasil têm linhas políticas e discursos de transparência muito parecidos. E a tendência natural é ficar atento ao que ocorre no outro país com mesma linha política."

Miguel Serna disse ainda que há uma expectativa sobre até que ponto esses episódios não afetarão os resultados nas próximas eleições presidenciais, no Brasil, em 2006. "A impressão é de que o clima pré-eleitoral está sendo antecipado e o desfecho ainda é imprevisível, mas sabemos que episódios assim (de denúncias de corrupção) contribuem para o descrédito na classe política", destacou.

Na Argentina, as notícias sobre possíveis casos de corrupção, envolvendo o governo e o PT, já viraram assunto nos salões de cabelereiros e nos cafés. Talvez pelo destaque recebido na imprensa, muitas vezes como se o episódio fizesse parte do cotidiano do país vizinho.

Nesta quinta-feira, por exemplo, os três principais jornais argentinos --La Nación, Clarin e Pagina 12-- voltaram a dedicar espaço para os novos capítulos da crise brasileira.

"Decisão judicial contra ex-prefeita de São Paulo complica ainda mais o PT", foi o título da principal matéria internacional do Clarin, que ocupou duas páginas, em referência à decisão da Justiça que impede que Marta Suplicy seja candidata até 2008.

"Aberta outra investigação no Brasil", informa o La Nación, sobre a determinação para a reabertura da investigação no Congresso sobre a "máfia dos bingos". Já o Pagina 12 enfatiza: "Escandalosa sessão no Brasil com insultos e golpes em torno da corrupção" --referência à sessão realizada na quarta-feira no Congresso Nacional.

Na Argentina, alguns analistas especulam que o presidente Kirchner, crítico da relação que o governo brasileiro traçou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), também pode estar entendendo que o momento político brasileiro confirma sua aversão a esta postura econômica e a alianças com partidos mais à direita. Isso ocorre quando faltam apenas quatro meses para as eleições legislativas, em outubro, na Argentina.

Apesar de tudo isso, o analista argentino Roberto Bacman, do instituto CEOP(Centro de Estudos de Opiniao Pública), acha que a opinião pública ainda não está preocupada com a crise no Brasil.

"Os argentinos mantêm as preocupações de sempre com o Brasil: futebol e a disputa da liderança política na região. Mas o que tira o sono deles está na pauta interna: o medo dos fantasmas do desemprego e da inflação. Bacman ressalvou que a percepção da opinião pública poderá mudar, caso a imprensa mantenha por mais tempo o destaque que vem dando ao que ocorre na política brasileira. E, principalmente, se a crise brasileira afetar a economia do país e, conseqüentemente, a deles.
 

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