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05/07/2005 - 10h39

Filme árabe sobre homossexualismo promete polêmica

PAULO CABRAL
da BBC Brasil

O filme Edifício Yacoubian, que está sendo produzido no Egito com um orçamento de cerca de US 6,7 milhões (quase R$ 16 milhões), já ostenta o título de mais caro da história do cinema árabe. E quando o filme for lançado, no ano que vem, também deve ser um sério candidato à lista do mais polêmicos.

Com base em um livro de sucesso --que tem personagens e situações fictícias ambientados em um prédio famoso e que de fato existe no Cairo--, o diretor Marwan Hamid vai trazer para as telas figuras controvertidas e grandes tabus.

Há uma universitária-prostituta, um escritor gay que namora um policial casado, um porteiro viciado em haxixe e um político corrupto, todos residentes do Edifício Yacoubian. Com tudo isso, o simples fato de o roteiro ter conseguido passar pela censura já foi o suficiente para atrair a atenção sobre ele.

Como o Egito é o maior produtor e exportador de cinema e TV do mundo árabe, é possível que a obra acabe sendo exibida em outros países do Oriente Médio. Certamente, no entanto, ele não vai conseguir atravessar tantas fronteiras quanto as centenas de comédias, novelas e séries de TV --em geral inocentes com ocasionais e sutis duplos sentidos-- que o Egito manda todo os anos para o resto do mundo árabe.

O ator Khaled Sawy --que interpreta o escritor homossexual que protagoniza a história-- diz que os produtores também estavam conscientes de que certos limites não poderiam ser ultrapassados se quisessem ver o filme nas telas.

Censura

"Infelizmente é verdade que temos censura. Quando estamos produzindo uma obra de arte, sabemos que há um teto que não pode ser ultrapassado", diz Sawy.

No caso do fime Edifício Yacoubian os produtores perceberam que mostrar cenas muito explícitas de corpos se tocando e de beijos --principalmente entre dois homens-- ultrapassaria em muito o teto, não só da censura como também da sensibilidade do público egípcio.

"Nós estamos mostrando neste filme o amor homossexual completo, de uma maneira nunca antes exposta no cinema árabe. Mas o que queremos mostrar é todo o lado do sentimento e do amor e não necessariamente dois homens na cama", diz Sawy.

O ator diz que o filme pretende mostrar coisas novas para um público pouco acostumado a elas, mas sem deixá-lo "enojado".

"Queremos que as pessoas assistam ao filme e saiam de lá pensando. Não queremos que ninguém saia do cinema no meio do filme fisicamente chocado com o que viu", disse.

Homossexualismo

Os homens árabes se beijam, andam de mãos e braços dados, dormem sem problemas em uma cama com outro homem e têm uma série de outros comportamentos públicos que --como sempre advertem guias de turismo para Ocidentais viajando a países árabes-- não devem ser confundidos com sinais de homossexualismo.

Os homossexuais, em quase todos os países árabes, vivem nas sombras e praticamente não se ouve falar de defesa dos direitos de gays nestes países. Uma exceção é o Líbano, onde foi fundada há dois anos a Helen, a primeira associação aberta de gays e lésbicas do mundo árabe.

"O homossexualismo é reprimido em todos os países árabes mas em diferentes graus. Pode ir da pena de morte na Arábia Saudita a uma relativa tolerância no Líbano e no Marrocos", disse a presidente da Helen, Ghassan Makaren.

"Nossa luta ainda é para que os gays sejam aceitos como membros normais da sociedade. No Ocidente também é muito importante a luta pelos direitos de gays, mas nós estamos em uma fase muito anterior", diz.

No caso do Egito não há uma definição específica de homossexualismo como um crime, mas há diversos caminhos que as autoridades podem usar (ofensa religiosa ou atentado ao pudor, por exemplo) se quiserem punir um gay.

Religião

Os líderes da religião islâmica condenam claramente o homossexualismo, mas os gays muçulmanos também sabem citar algumas passagens de textos religiosos que poderiam dar uma chancela de aprovação ao comportamento.

"O Alcorão nos conta que havia em Medina uma casta de efeminados que cantava para o profeta (Maomé)", diz Makaren. Mas para o xeque Abdel Nasser Khatib --líder religioso muçulmano no Vale do Bekka, no Líbano-- as instruções no livro sagrado são claras: sexo é só para reprodução.

"Deus criou o sexo para que um homem e uma mulher possam continuar juntos a gerar vida. Qualquer coisa que se desvie deste caminho é errada e não é normal", diz o xeque. O religioso acredita que as leis muito liberais no Ocidente estão causando "grandes danos à sociedade".

Política
Mas para o ativista do programa de direitos dos gays e lésbicas da Human Rights Watch, Scott Long, a repressão tem bases mais políticas do que religiosas.

"O Estado policial quer controlar todos os aspectos da vida do cidadão, inclusive seu comportamento sexual", diz.

Long acredita que a situação dos gays só vai melhorar quando as liberdades individuais de modo geral forem ampliadas nos países árabes. O ativista já leu o livro Edifício Yacoubian e diz que, no papel, os personagens são "razoavelmente" realistas, sem grandes estereótipos.

"Espero que isto seja levado para a tela do cinema. O cinema egípcio não é tão conservador assim e já havia tratado de temas controvertidos antes, mas nunca com tanta abertura quanto deve ter Edifício Yacoubian", disse.

"O simples fato de um filme desse estar sendo produzido já mostra que houve algum avanço."
 

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