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19/12/2005 - 19h52

Análise: Morales enfrentará oposição dos EUA e das petrolíferas

JAMES PAINTER
da BBC Brasil

Por qualquer parâmetro, a vitória de Evo Morales, se confirmada oficialmente, será histórica. A Bolívia é o país latino-americano com o mais elevado número de pessoas –em torno de 65%- que se definem como indígenas.

Porém, o país nunca teve um presidente indígena. Morales será também um dos poucos indígenas a se tornar presidente na América Latina nos últimos 200 anos.

Ainda mais importante para a estabilidade política da Bolívia, ele será o primeiro presidente boliviano a ganhar com uma maioria tão expressiva desde que o país retomou a democracia em 1982.

Isso deverá dar a Morales um forte mandato para implementar seu programa de reformas e também tornar o país mais governável após vários anos de instabilidade.

Obstáculos

Alguns analistas já estão dizendo que uma das razões para a inesperada elevada votação recebida por Morales é que muitos bolivianos prefeririam vê-lo no poder do que organizando protestos e bloqueios nas rodovias contra o governo.

Contudo, ele enfrentará inúmeros obstáculos.

Seu programa de mudança, ao menos como ele o explicitou antes das eleições, certamente é radical e provável a gerar oposição por parte de Washington, do setor privado boliviano, particularmente no leste do país, e de muitas companhias de gás e petróleo que têm investido centenas de milhões de dólares no país.

Morales tem repetido freqüentemente que apóia a legalização da coca, matéria-prima para a produção de cocaína, mas não a própria cocaína.

Isso provavelmente o colocará em rota de colisão com Washington, que tem gasto milhões de dólares nos últimos 20 anos tentando levar a Bolívia, o terceiro maior produtor mundial de coca, a erradicar a maior parte de seu cultivo da planta.

Morales diz que deseja usar a produção de coca para fins industriais e medicinais, mas promete “tolerância zero” para a cocaína.

Cocaleros

É muito improvável que ele continue implementando quaisquer formas de combate às plantações de coca apoiadas pelos Estados Unidos, uma vez que uma de suas mais importantes bases de apoio são os produtores de coca.

O próprio Morales foi forçado a migrar da região das montanhas para cultivar coca.

Se, como alguns analistas baseados em Washington prevêem, o cultivo de coca crescer expressivamente, Washington poderá “desclassificar” a Bolívia como um país que colabora com os Estados Unidos na luta contra as drogas.

Isso, por sua vez, poderia significar a perda de milhões de dólares de ajuda de Washington e mesmo de instituições financeiras internacionais.

Planos para o gás

Diferentemente de sua alma gêmea ideológica, o presidente venezuelano Hugo Chávez, Morales não poderá contar com vastas reservas de dinheiro obtido na venda de petróleo.

A Bolívia continua sendo o país mais pobre da América do Sul. Embora o país tenha uma grande reserva de gás natural –a segunda maior da América Latina e a sexta no mundo- até o momento ela não tem sido usada para tirar a Bolívia da pobreza.

Um importante elemento a ser observado é o que Morales fará para o setor de gás e petróleo.

Ele tem falado freqüentemente em nacionalizar o setor, mas a maioria dos analistas concorda que isso provavelmente não signifique expropriação, mas renegociação de contratos com companhias petrolíferas, impostos mais elevados para essas empresas e maior controle estatal sobre os níveis de produção e preço.

As companhias, que incluem Total, British Gas e Repsol, poderão decidir não investir quaisquer novos recursos no país.

Elas também poderiam defender sanções internacionais contra a Bolívia.

Ambas as situações significariam um atraso nos investimentos das petrolíferas, que são muito necessários no país.

Direitos para os indígenas

Finalmente, muitos dos seguidores de Morales querem uma nova Assembléia Constituinte para dar mais direitos à maioria indígena.

Não é claro se ele terá a maioria de dois terços no Congresso, necessária para aprovar seu programa de reformas.

Morales pode ter várias semanas para respirar, mas os setores mais radicalizados da esquerda boliviana poderão sair às ruas se acharem que ele não está sendo suficientemente radical.

Portanto, a Bolívia provavelmente deve enfrentar momentos difíceis.

E ainda que Morales seja mais parecido com Chávez em sua ideologia e atitudes, a realidade do poder pode forçá-lo a se comportar como o pragmático presidente Lula do Brasil.
 

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