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10/03/2006 - 07h08

Ivan Lessa: Governar é vestir bons ternos

da BBC Brasil

No metiê jornalístico que acompanhou a vitoriosa viagem do presidente Lula a estas margens, onde passou como um barbudo cometa brilhante, deixando atrás de si um rastro de estrelas, corre à boca pequena, e até mesmo larga, quer dizer, de Jean Harlow a Sofia Loren, que diversos assessores de nosso líder, aproveitando a estada em Londres, deixaram-se perder por algumas horas pelos alfaiates chiquérrimos de Savile Row.

Ora, até aí morreu Tancredo Neves no Hospital das Clínicas. Sendo do bolso deles (que forro terão?), tudo bem, nada demais. Parafraseando a célebre frase de Washington Luís, em 1926, “governar é vestir-se bem”.

Acabou-se esta história de frasquinho de caspa para espalhar nos ombros, conforme fazia Jânio Quadros, quando em campanha, ou até mesmo de “terninho safári”, quando de seus 8 meses de presidência.

Jânio, anglófilo desde a tenra idade de 35 anos, uma vez em estado de renúncia, cansou-se de vir a Londres para mandar fazer seus ternos em Savile Row. (Teria ele respondido “fi-lo porque qui-lo”, quando perguntado sobre a origem do terno cinzento listrado?)

O terno azul-marinho que Lula ostentou (esse o verbo justo), e não casaca, ou essas frescuras, pegou “bem paca”, expressão que eles mesmos usam nos meios anglo-aristocráticos. Consta que mais de um nobre tenha perguntado a um assessor, ou ministro brasileiro, pelo nome e endereço do alfaiate presidencial. Um sinal de que Savile Row não é mais a pequena monarquia exclusiva dos reis do corte e costura para homens.

Ascensão e glória de uma rua

Savile Row, que fica no bairro de Westminster, bem no miolo de Londres, é o centro exclusivo da alfaiataria “bespoke”, para usar de um termo técnico de bons antecedentes.

“Bespoke” é nosso muito conhecido “feito sob medida”, embora vá um pouco mais longe, pois atende a especificações precisas do cliente. A roupa, para empregar um vulgarismo, é moldada, por assim dizer, em cima do corpo do freguês, pois quem usou um terno “bespoke” de Savile Row, como certos produtos tradicionais, não aceita imitações.

A origem de “bespoke” está no ato de “speak”, ou falar, pelo tecido escolhido (caxemira, linho irlandês, por aí) para virar, em mãos mágicas, veste, traje, terno. Savile Row lá está desde 1695, como tudo que é inglês. 1695 foi o ano que não acabou, parafraseando o título do excelente livro de nosso bom Zuenir Ventura. Guerra dos 30 anos, dos 100 anos, de 1914, de 1939, tudo isso remonta a 1695.

Acontece que o que é bom, antigo e de qualidade comprovada, vive sempre sob ameaça. Agora, os donos das terras em que se encontram esses reis da tesoura, ricos anônimos e oportunistas, querem se aproveitar (dormiam desde 1695) de seu patrimônio e aumentar violentamente o equivalente ao nosso conhecido imposto predial.

Estão, pois, os mestres de Savile Row com o ganha-pão-de-ló por um fio. Fio “bespoke”, mas fio. Esperemos que a revoada de assessores (ministros, entre eles?) tenha dado novo alento ao espírito daqueles que talham essas elegantíssimas estátuas têxteis que correm o mundo, em carruagens, limusines blindadas ou jatos particulares.
 

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