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10/04/2006 - 06h25

Caspa, cáspite!

da BBC Brasil

Descobriu-se, aqui no Reino Unido, que a publicidade pode ser enganosa. O caminho marítimo, aéreo e por terra para as Índias, eles já conheciam.

Mas a Advertising Standards Authority, órgão que supervisiona o correto andamento de anúncios e comerciais, puxou as orelhas da Procter & Gamble e da Saatchi & Saatchi, respectivamente fabricantes e anunciantes do xampu “Head and Shoulders” (cabeça e ombros), por dizer, em suas peças promocionais, que “acaba com 100% de flocos” e também que “deixa seu cabelo 100% livre de caspa”.

A autoridade que zela pela veracidade publicitária não pode ir além disso: puxar as orelhas.

Agora, que cria caso, lá isso cria. Menos de um dia depois do parecer, todos os jornais lá estavam aproveitando a pauta. Principalmente os jornais, que não veiculam anúncio de xampu anti-caspa.

A televisão e as revistas (que são inúmeras) mantiveram, como diria a agência em questão, um silêncio 100% respeitoso.

Só nos dois no salão

Há detalhes interessantes na conclusão da Advertising Standards. Igualmente curiosos os padrões dos fabricantes, a Procter & Gamble.

O critério para o extermínio de flocos, ou escamas, de caspa não é o mesmo que nós, pessoas menos exigentes, para não dizer escrupulosas, adotaríamos.

Os fabricantes, aliados à agência publicitária (afinal, trabalham juntos), afirmam que a caspa – minha caspa, vossa caspa, se a tiveres, madame, o que é pouco provável –, após o uso regular do xampu “Head and Shoulders”, torna-se invisível a cerca de 50cm de distância.

Ou seja, qualquer pessoa que não se aproxime muito de nós (eu vos trouxe de novo para bem perto de mim, madame, sempre com o devido respeito) não notará os pequeninos flocos semelhantes à neve que adornam nossos ombros comuns – eu de terno escuro; você, doce amiga, de tailleur bege.

Seria necessário que o interessado, o enxerido, o voyeur, ficasse quase que colado a nós, como se satisfazendo uma tara inconfessável.

Neste caso, estamos transcendendo o terreno, ou chuveiro, da saúde e estética de cabelos e couro cabeludo, com o perdão da – não digo má, mas vulgar – palavra.

Nós: no espelho, nas telas

Se nos olharmos bem de perto no espelho -, eu aqui, você no seu perfumado boudoir ou sala de banhos -, observaremos que lá está ela, lá continua ela: a maldita caspa!

Isso segundo a Advertising Agency, que insiste em nos acompanhar, a mim e a você, em nossa intimidade.

O mesmo vigilante órgão acrescenta que, a se julgar pelos anúncios e comerciais, que mostram em extremo close-up o escalpo do usuário (para evitar o termo “couro cabeludo”), este apresenta-se totalmente livre de flocos e escamas graças ao xampu em questão.

Ou seja, livres da caspa. O indivíduo (ele lá, ela lá) caspento ou casposo terá deixado de sê-lo graças ao miraculoso produto.

Cabelos macios e sedosos, livres de quaisquer impurezas ou máculas em sua deliciosa e, digamos logo, erotizante estética.

Vivemos num mundo mau, enganoso. Tudo está à venda. Cremes que embelezam, pílulas que curam tudo, moças que prometem uma noite inesquecível de prazeres.

Já fui publicitário. Enganei milhares com minhas palavras sedutoras, minha Remington mentirosa.

Muitos foram à liquidação da casa de eletrodomésticos, crentes de que iriam encontrar incomparáveis pechinchas.

Outros chegaram ao menos a visitar o suposto confortável apartamento numa rua tranqüila da lagoa Rodrigo de Freitas.

Pobres coitados. Depois, arrependido, passei a dedicar-me apenas à poesia, onde labutei durante alguns anos.

Morro, no entanto, de inveja do melhor slogan que, embutido, trazia sua irresistível mensagem de vendas: “Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal”.

Quantos medicamentos poderiam afirmar o mesmo hoje em dia? Que são melhores? (Melhores que o quê?) E que não fazem mal?
 

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