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14/04/2006 - 03h51

Questões de vida e morte

da BBC Brasil

Morrer é a única coisa que se pode esperar com certeza da vida. O resto é conversa. De preferência, conversa entre bons amigos num botequim ao menos razoável.

Devem raciocinar assim os companheiros do bairro de Calton, em Glasgow, na Escócia, que preferem se reunir para discutir coisas mais importantes que nossa breve permanência na Terra.

Futebol, mulher, música, filme antigo. O papo é firme num bar com o bucólico nome de Cottage, onde a turma ainda de pé vive – vive – erguendo o copo de cerveja para os amigões que tão cedo desta vida já se foram: Jimmy, Swifty, Davy e mais, muitos mais. A população local já batizou essa geração que pediu o boné quadriculado e partiu na horizontal de “a geração ausente”.

No Cottage, uma coisa nunca é assunto de mesa ou, como é mais do feitio deles, de pé no balcão: morrer. Talvez porque a expectativa média de vida – nesse bairro e nessa cidade – seja de 53,9 anos.

Eles não discutiriam abandonar este vale de lágrimas (bêbado passa a maior parte de seu curto tempo entre nós vivendo lugares-comuns), mas sim essas importantes insignificâncias que bêbado gosta de discutir: por que é que as pessoas que lidam com estatísticas escrevem “53,9”. Que história é essa de “vírgula nove”? perguntaria Swifty. Davy, que tinha primário e era tido como o mais lido da turma, explicaria, com a paciência babosa dos bebuns, que o “vírgula nove” significa meses.

Jimmy discordaria opinando que eram horas, isso sim. Alguém sóbrio, e de passagem, opinaria que se trata apenas de percentagem. E, logo depois, Davy cairia duro para trás.

Quem sobrasse de pé, teria três missões: primeiro, conferir se Davy estava vivo; segundo, ligar para a ambulância e, terceiro, resolver esse negócio de “ponto nove”, ao menos em respeito à memória de Davy, que, ao que parece, bateu mesmo com as dez.

Operação “Viver Mais”

No Iraque, após dez anos de sanções, guerra, homens e carros-bomba, além do danado do “fogo amigo” da coalizão do bem, a expectativa é de 67,49. Não adianta discutir se a “vírgula quarenta e nove” é para meses, dias ou minutos.

Quem é vivo, arredonda. O que significa que os iraquianos, sunitas ou xiitas, insurgentes ou submissos, vivem mais que a população média do bairro de Calton, em Glasgow. Em compensação, na Libéria a expectativa é de 38,9 e, lá embaixo na lanterninha, está a Suazilândia, com 32,5. E 32, no caso, são anos mesmo, e não meses ou dias.

No Irã, os homens gozam (até os americanos discordarem) da expectativa de 69,96. Curiosamente, há um fator de misoginia nesses dados todos: dizem respeito apenas aos homens. As mulheres, para os compiladores, que se virem, ou melhor, já se viraram e, conforme rezam as lendas populares, vivem sempre mais que os homens.

Lembremos de outros que estão na alça de mira dos americanos, com essa mania deles de ficarem, ou saírem por aí, vivendo mais que 60 anos: os coreanos do norte, com 71,37, e a Faixa de Gaza (quem diria, hem?), com 70,5.

Quem tem a maior expectativa de vida? Andorra. 80,6. O que daria um slogan modesto mas veraz para o departamento de turismo do simpático paisete: “Não morra, vá para Andorra”.

Auri-verde expectativas

Sim, sim, perguntamos nós, brasileiros, com nossa impaciência habitual, mas e o Brasil nisso tudo? Qual a nossa expectativa de vida?

Bem, segundo o banco de dados das Nações Unidas, ela não é tão boa quanto as da Coréia do Norte e do Irã, mas ganha do Iraque, da Libéria e da Suazilândia: 68,1, em 2005. Segundo ainda projeções, supostamente realistas, da ONU, em 2015 atingiremos os 70,9. Mais um tiquinho até do que a Faixa de Gaza, nesta Páscoa.

Viva nós, conforme se diz.
 

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