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18/04/2006 - 14h22

Papa mudou menos a Igreja do que o esperado

PETER GOULD
da BBC Brasil

Poucas eleições papais foram tão aguardadas quanto as do conclave de 2005.

Cerca de 1 bilhão de católicos ao redor do mundo estavam ansiosos para saber quem sucederia João Paulo 2º e qual seria o impacto do sucessor na Igreja.

Um ano depois da escolha de Bento 16, católicos e não-católicos ainda não conhecem o papa completamente.

Seu estilo certamente é bastante diferente do seu antecessor e seu primeiro ano de papado foi bastante tranqüilo.

A imagem do ‘Darth Vader’

Os sinos do vaticano tocaram para receber a eleição do papa no dia 19 de abril do ano passado. Milhares de fiéis festejaram intensamente.

Mas outros ficaram preocupados por causa de sua reputação. Como cardeal, Joseph Ratzinger foi um guardião da doutrina da Igreja e acusado de silenciar aqueles que divergiam.

John Allen, correspondente do vaticano para o National Catholic Reporter, diz que Ratzinger era visto como uma figura semelhante à de Darth Vader, o sombrio personagem de “Guerra nas Estrelas”.

“Muita gente esperava que se Ratzinger fosse eleito numa terça-feira, na quarta os padres estariam rezando as missas em latim com as costas para os fiéis, ao mesmo tempo que dissidentes e liberais seriam colocados de lado dentro do mundo católico”, diz o correspondente da publicação semanal norte-americana.

Contudo, como Allen aponta, o que mais chama a atenção é como o papa passou o seu primeiro ano sem tomar nenhuma atitude radical.

“Certamente houve momentos mais duros, mas no geral ele não adotou a linha dura que se esperava dele. Nenhum teólogo foi publicamente censurado, não houve mudanças maciças de pessoal nem nenhuma alteração profunda em liturgias ou doutrinas”, diz. O novo pontífice produziu a sua primeira encíclica falando sobre amor e caridade, mas afastando a hipótese de “homens com tendências homossexuais” de se tornarem padres.

Ele também ordenou novos bispos e cardeais, mas tudo sugerindo uma transição suave.

Para o padre Thomas Reese, um jesuíta especialista em assuntos do Vaticano, diz que Bento 16 teve um prolongado período de ‘lua de mel’, contrariando as expectativas.

“Esquerda e direita esperavam que ele fosse ser duro com dissidentes, apontando o dedo para todo mundo, numa mistura de grande inquisidor e um professor rigoroso”, diz Reese.

“Se esperava que ele tomasse atitudes rapidamente como um novo primeiro-ministro ou presidente, cujos 100 primeiros dias determinam quais as diretrizes de seu governo”.

“Mas papas não agem assim. João Paulo II levou sete anos para substituir o primeiro escalão do Vaticano”, adiciona o padre Reese.

Antenado com a moda

Até aqui, sob Bento 16, não houve nenhuma caça às bruxas e na verdade tudo parece seguir o mesmo ritmo de sempre.

Um dos pontos que mais se comentou sobre as atitudes do novo papa é o gosto dele por sapatos Prada e óculos escuros Gucci.

A novidade deixou alguns católicos se perguntando para onde o novo papado está indo.

“De uma certa forma, o papa tem sido quase invisível”, diz Lavinia Byrne, uma ex-freira que escreve sobre assuntos da Igreja.

“Estou bastante desapontada porque imaginava que ele fosse ser mais interessante e animado. Até agora, sabemos quem assina suas roupas e qual marca de óculos que ele prefere, mas pouco sobre as suas ideias.”

“Se diz que ele está gostando de ser papa e usar roupas de grife, mas ele não disse nada e fez muito pouco. Passado um ano, é o caso de se fazer uma reflexão”, diz Byrne.

Opção polêmica

Uma das poucas mudanças que Bento 16 fez se revelou uma escolha polêmica.

O arcebispo Michael Fitzgerald, um especialista em Islã e no mundo árabe, perdeu seu cargo de chefe do departamento responsável pela comunicação com outras religiões e agora é núncio papal no Egito.

“Esta foi a pior decisão do Papa até aqui”, diz o padre Reese, para quem o arcebispo foi relegado à uma posição inferior.

“Ele é o mais experiente homem do Vaticano em relações com os muçulmanos. Você tem de dar ouvidos a alguém assim e não colocá-lo de lado”, diz Reese.

“Se o Vaticano diz algo inadequado sobre o Islã, pessoas podem morrer na África, igrejas podem ser queimadas na Indonésia e sabe-se lá o que acontece no Oriente Médio”.

As relações com a Igreja Ortodoxa também são uma área delicada.

Após a queda do comunismo, houve atrito com a igreja russa que dizia que o Vaticano queria ‘roubar almas’.

A tensão entre as duas instituições fez com que João Paulo II nunca conseguisse visitar Moscou, mas Bento 16 quer uma aproximação com os cristãos ortodoxos e abdicou um de seus títulos oficiais, o de ‘Patriarca do Oeste’.

O gesto é visto como um passo rumo à reconciliação entre as igrejas, que se separaram com o Grande Cisma do Oriente, em 1054.

Papa discreto

Por mais de 25 anos, como cardeal, Ratzinger trabalhou nos bastidores do Vaticano. Como papa, ele precisa dar um rosto para a Igreja.

João Paulo II tinha talento para fazer esse trabalho de relações públicas e sempre esteve à vontade diante de grandes platéias.

Bento 16 é mais reservado. Intelectual, gosta de tocar piano, e aos 79 anos, está menos inclinado a fazer longas viagens e promover grandes missas a céu aberto.

A questão que se levanta é: se ele ficar muito tempo no Vaticano, o interesse da mídia pode diminuir?

“Não me parece que ele seja um viajante e isso tem impacto na Igreja”, observa Lavinia Byrne.

“Com um papa que passa mais tempo no Vaticano, você precisa de uma estrutura de telecomunicações de primeira, como por exemplo um website muito bom”.

“O website do Vaticano precisa ter atualizações diárias, acesso fácil a e-mails e outros contatos, e fornecer imagens dos responsáveis pelos departamentos – e até fotos das férias deles”.

Um ano depois, Bento 16 permanece um enigma para muitos fiéis. Será que o homem que um dia foi conhecido como o “Rottweiler de Deus” se transformou num amistoso pastor alemão?

“Ainda estamos esperando para ver quem ele é”, diz Lavinia Byrne.
 

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