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12/09/2006 - 14h05

Bolívia está amadurecendo política externa, diz Amorim

DENIZE BACOCCINA
da BBC Brasil, em Brasília

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse em entrevista exclusiva à BBC Brasil que a Bolívia está passando por um "amadurecimento" em termos de política externa e que acredita que a relação com o Brasil "vai caminhar para uma parceria".

Na entrevista, o Ministro falou também sobre a relação do Brasil com os demais países do Mercosul, sobre sua expectativa para retomada da Rodada Doha de negociações comerciais e sobre o encontro do G3 (grupo formado por Brasil, Índia e África do Sul).

Segundo o chanceler, há potencial para aumentar ainda mais a cooperação entre os três países à medida que o desconhecimento mútuo é deixado para trás.

Amorim também manifestou sua disposição em continuar no governo caso o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja eleito, mas disse que não conversou com o presidente sobre o assunto.

Leia abaixo trechos da entrevista.

BBC Brasil - Ao mesmo tempo em que o Brasil priorizou a integração na América do Sul e mesmo a relação sul-sul com Índia e África do Sul, na América do Sul há problemas, por exemplo, no Mercosul. Na semana passada, o Uruguai pediu para negociar com os Estados Unidos. É possível que o Mercosul sobreviva a que um dos membros tenha um acordo com os Estados Unidos que poderia ser incompatível com a união aduaneira pretendida pelo Mercosul?

Amorim – Eu acho que a nossa obrigação primeiro é compreender o que está acontecendo com Uruguai e Paraguai. Estes países não viram a promessa do Mercosul realizada e isso não é por causa do governo Lula. Foram anos em que o Mercosul não teve a prioridade que devia e mesmo depois que chegamos não conseguimos fazer tudo o queríamos porque essas coisas levam tempo. Pro exemplo, na primeira reunião do Mercosul no Uruguai, em 2003, nós concordamos com a tese das assimetrias, de dar um tratamento diferenciado.

BBC Brasil - Mas isto não foi feito...

Amorim - Foi feito, mas não resultou no que se esperava.

BBC Brasil - O que falta?

Amorim - Falta financiamento. É um problema quase cultural. Temos que introduzir uma cultura integracionista. Temos que compreender que eles querem explorar caminhos e acho que eles têm que ter liberdade de explorar. Mas o próprio presidente Tabaré Vazques disse que não vai fazer nada que lesione o coração do Mercosul e qual é o coração do Mercosul, é a tarifa externa comum.

Se ferir o coração do Mercosul, não é que vamos ser contra, mas vamos estar diluindo o Mercosul no que é a Comunidade Sul-Americana de Nações. E um dos objetivos do Tratado de Assunção é uma política comercial comum. Se amanhã o Uruguai conseguir uma negociação que envolva um setor que ainda não esteja disciplinado pelo Mercosul ou mesmo que esteja disciplinado, mas não seja central ao Mercosul, nós vamos examinar.

BBC Brasil - Mas o senhor vê o Uruguai saindo do Mercosul?

Amorim - Não é que o que eles nos dizem. O presidente Tabaré sempre diz que quer mais e melhor Mercosul. Espero que eles encontrem caminhos com o que eles próprios dizem que é o coração do Mercosul.

BBC Brasil - Outro país da América do Sul com o qual o Brasil teve uma relação complicada é a Bolívia. Como o senhor vê a relação agora e como deve ficar nos próximos meses?


Amorim - A Bolívia está passando por tansformações profundas, pela primeira vez está sendo administrada pela maioria indígena. O que está ocorrendo, como a nacionalização, são coisas que ocorreram em outros países, temos que lidar com elas de maneira madura. Às vezes num país, no entusiasmo de reforma, de mudança, podem haver manifestações onde a forma pode ser pior do que o conteúdo. O conteúdo ainda estamos negociando. Creio que a relação vai caminhar para uma parceria.

É claro que no início de uma mudança há estridências. Mas acho que há cada vez menos, e as coisas estão encontrando um leito natural em que eles têm alguns reclamos que são naturais que nós temos que entender, outros que nós não concordamos e outros que eles têm que entender que têm que agir de acordo com com contratos, com acordos internacionais firmados. Nos não somos um país que quer explorar outro país menor. Não é a maneira que o Brasil atua internacionalmente.

BBC Brasil - O senhor acha que as dificuldades que o presidente Evo Morales está tendo internamente podem ajudar ao Brasil?

Amorim - Não quero falar dos problemas internos. Mas o que eu vejo na relação internacional é que tem havido um amadurecimento, quem sabe até dos dois lados, mas eu diria, da parte deles, que tiveram esta grande mudança, e isto está ajudando.

BBC Brasil - Neste fim de semana, houve o encontro (no Rio de Janeiro) do G20 com outros grupos de países em desenvolvimento e importantes integrantes da OMC (Organização Mundial do Comércio). O encontro colocou todos estes grupos juntos, mas não houve decisão de retomar as negociações. Quais são as chances que o senhor vê de que se chegue a um acordo na Rodada Doha?

Amorim - Não houve decisão formal porque nem poderia haver, porque não é uma reunião convocada pela OMC. Foi uma reunião convocada pelo G20, que depois foi alargada. Mas eu acho que houve um encaminhamento positivo para que esta decisão possa ser tomada em Genebra. Eu não quero fazer uma previsão, mas acho que houve um impulso positivo. Nós conseguimos juntar quase todo mundo. Todos procuraram se engajar em procurar soluções. Acho que nós criamos as condições para o relançamento (da Rodada Doha). Eu creio sinceramento que lá por novembro, final do ano, nós podemos relançar e ter um avança substancial até março, abril do próximo ano.

BBC Brasil - E quais são as chances, na sua avaliação, de que saia um acordo?

Amorim - Eu não vou dizer que 70%, 80, 50%. Eu, quando tenho uma situação concreta e vejo uma chance de 1% de acordo e 99% de desacordo, eu me concentro neste 1% e vou nele até alargar. Nesta reunião no Rio, acho que nós alargamos, sei lá, de 10% para 50%, 60%. Quem sabe daqui a dois meses a gente consegue alargar para 90% e aí a gente resolve. Mas nada é garantido, na política como na vida.

BBC Brasil - O Brasil sedia nesta semana um encontro do G3, com a Índia e a África do Sul. O comércio ainda é muito pequeno, há também a questão da cooperação política. O que se pode esperar deste encontro?
Amorim - O comércio já cresceu muito e vai aumentar ainda mais, estamos fazendo acordos de companhias aéreas, de transporte marítimo. Estamos tentando atacar os gargalos, e o principal deles é o desconhecimento. Quando tem 60 chefes de empresa indianos vindo ao Brasil, 20 e tanto sul-africanos, (se) está atacando estas e outras questões, (se) está incentivando o comércio. A cooperação política é igualmente importante. São países que têm visões semelhantes sobre as negociações comerciais, OMC, reforma da ONU.

BBC Brasil - Quais são, nos próximos anos, os grandes desafios da política externa brasileira?

Amorim - Eu não estou fazendo o programa de governo. Eu posso dizer analiticamente que tem que consolidar o foi que iniciado ou aprofundar o que foi desenvolvido: a relação com os outros países em desenvolvimento, a integração da América do Sul, mas tem também que procurar acordos como o acordo do Mercosul com a União Européia, que não está parado, mas está esperando um pouquinho o que vai acontecer na OMC.

BBC Brasil - Até quando o Brasil pode esperar para saber se haverá acordo na OMC?

Amorim - Não estamos parados. Estamos trabalhando, mas uma coisa fatalmente influenciará a outra. Dependendo do que for concedido na OMC poderemos fazer certas coisas. Pedir um pouco mais. Se se algum dia alguém decretar a falência das negociações é outra situação, mas espero que isso não ocorra. Eu conversei com o comissário (de comércio da União Européia, Peter) Mandelson e nós temos uma reunião agora em outubro. Quem sabe podemos terminar até junto.

BBC Brasil - Se o presidente Lula for realmente for reeleito agora em outubro, o senhor fica no governo?

Amorim - Esta pergunta tem que ser feita ao presidente Lula, não a mim. Não sei porque vocês estão curiosos com isso. Eu acho que o presidente Lula fez uma grande mudança no Brasil. Não é só na política externa. Uma das mais importantes é que ele fez o povo brasileiro ver que uma pessoa que veio do povo pode governar o Brasil. Se o presidente Lula me pedir pra colaborar, em qualquer área... Eu não entendo de muitas outras coisas, (mas) eu farei, certamente. Enfim, se ele me fizer a pergunta eu respondo pra ele.

BBC Brasil - O senhor já conversou com ele sobre isso?

Amorim - Não, não converso, não é o momento, não é oportuno. Ele está numa campanha eleitoral, eu aqui, com as minhas tarefas. E ele também continua governando o país, e eu, aqui, ajudando a governar no que diz respeito à política externa.
 

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