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22/09/2006 - 07h12

Ivan Lessa: Tapetes Voadores

da BBC Brasil

Uma das músicas de nosso cancioneiro que mais me comove (e há muitas mesmo) é aquele “Bom dia”, de Herivelto Martins e Aldo Cabral.

Aquele da mulher (ou homem) que se mandou e quem ficou sozinho deu com a toalha no banheiro com a inscrição “Bom Dia”.

Nunca tive em casa, nunca vi em casa de ninguém a tal da toalha, mas acredito de pé juntos.

Essa saudação em objeto inanimado não pode ser mais nossa cara. Feito em aviso de botequim (“Fiado só amanhã”) até o babador do bebê e a decalcomania nos carros e ônibus (“Papai não corra”).

Aqui no Reino Unido também há e como. Dizem as línguas sofisticadíssimas que só “gente pobre” (entenda-se colarinho azul) gosta dessas coisas.

Muitos apreciam, mas apenas como manifestação artística popular e chamam de “kitsch”. Tudo bem, cada um na sua.

Não entendo, porém, implicarem com tapete de porta de casa. Desses que diz apenas, sóbrio e lacônico,”Welcome”, feito tem lá na casa que compartilho um andar com outros três – o quê? Andarilhos?

Em casa, aliás, tem dois. Um do lado de fora da porta que dá para a rua, outro na entrada de meu apartamento, que, bobão, não diz nada, não dá as boas vindas a ninguém.

Mas isso é problema meu. O resultado é que quem me visita, e felizmente são pouquíssimo, entra de pés limpos. Faço questão inclusive de examinar.

Agora, na cidade de Bristol, lá no sudoeste, andaram, ou pisaram, um pouco longe demais.

O conselho da cidade, sua vereação, por assim dizer, houve por bem que o humilde, o modesto, o pobre do tapete de porta (“doormat” como se diz no idioma de Keats, Shelley e Byron), que tenha mais de 17 mm de espessura, não pode.

Não pode dar o “welcome”, “willkommen”, “bienvenue”, como no filme “Cabaré”. Os tapetes de porta não podem sequer existir.

Baixaram o equivalente a uma portaria, ou “medida provisória” (sempre permanente, confere?), decretando proibidos em todas as residências, comunais ou não, os tapetes de porta de casa, ou apartamento, sala e quarto, seja o que for.

As autoridades decidiram que tapete de porta com mais de 17 mm constitui ameaça à integridade física das pessoas.

Exemplo a ser seguido

A humanidade não é muito imaginativa. Mesmo na aprazível cidade de Bristol, no sudoeste da Inglaterra. Claro que outras vereanças, outras autoridades seguirão o exemplo.

Assim caminham as autoridades: se espelhando umas nas outras. Aguardo, nada pressuroso, o dia em que tanto o cordial (“Welcome”) tapete da porta da casa vitoriana em que habito quanto o que zela com sobriedade pela porta de meu “flat”, ou apartamento, tenham cassados seus mandatos de cordialidade funcional.

Sim, dei-me ao trabalho de medir um e outro. O lá de baixo tem 1 metro por 55 cm. O de cima, o que chamo de “meu mesmo”, tem 80 por 40 cm. A espessura? Estava correta.

Vindo a arbitrariedade, estou – estamos – na ilegalidade. Com perto de 30 anos de Reino Unido, farei o dever que a história local me ensinou: passarei à desobediência civil.

Depois, evidentemente, que eu expressar, na praça Trafalgar, meu descontentamento com acontecimentos recentes na Tailândia.
 

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