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06/10/2006 - 07h25

Ivan Lessa: Por trás do véu

da BBC Brasil

Quando eu era garoto, teve um ano que um dos sucessos foi uma marchinha da qual só me lembro um trecho, que dizia assim: “Levanta o véu, ó ré misteriosa…” E por aí fica.

Na certa, vinha na esteira de um filme qualquer com título parecido, qualquer coisa com Lana Turner, talvez até Jeanette MacDonald.

Continuemos no mesmo baile infantil. Das 3 às 6, no Lido. Legionários, havaianas, piratas dos dois sexos (só haviam dois) e, claro, odaliscas, que eram, conforme outra marchinha, “do meu harém” – e em coro pedíamos, “vem, vem, vem”. Bons tempos: elas vinham.

O importante a salientar nesses fatos totalmente desinteressantes é que já se falava em véu, em odalisca, em harém e não saía fatwa para ninguém. Patuá é outra história.

Veio-me à mente isso tudo devido ao berrante escândalo das manchetes dos jornais de sexta-feira e das acaloradas discussões nas mesas-redondas da televisão: o ex-ministro da Justiça, Jack Straw, publicou um artigo no jornal de seu distrito eleitoral, o Lancashire Telegraph, de Blackburn.

No texto, Jack Straw comenta o fato de que as mulheres muçulmanas não deveriam ocultar seus rostos por trás de “véu total”, ou “niqab”.

O véu parcial, aquele que deixa nariz e boca de fora, tudo bem, nada a reclamar.

Mas, para Jack Straw, um homem moderno, chegado aos nossos tempos, já que há pouco deixou os óculos pelas lentes de contato, havia uma certa incongruência entre aquele senhora muçulmana, nascida e criada em Lancashire, com cara de Lancashire e sotaque de Lancashire, estar com o rosto lancastriano (vamos dar uma traduzida na região) coberto por completo um véu nada lancastriano.

Ele se sentia obrigado a ouvir sua voz e acompanhar o movimento de seu olhar, mas não era o encontro ideal entre duas pessoas, o propalado face a face. Decidiu então não mais dialogar, se diálogo era, frisou, com uma senhora ou senhorita com o rosto coberto pelo “véu total”.

Jack Straw deu-se ao trabalho de verificar junto a acadêmicos muçulmanos se o uso do “véu total” era obrigatório, se ao menos constava do Corão. Não, foi a resposta que teve. Mesmo no decorrer do “hajj”, a peregrinação islâmica anual a Meca, nenhuma mulher era obrigada a usar véu. Tratava-se, explicou a sumidade acadêmica, de mera questão acadêmica.

À beira do debate

Em termos gerais, esse o resumo do artigo do ex-ministro da Justiça e candidato a vice primeiro ministro para seu partido, o Labour, ou trabalhista. Não se fez esperar a reação irada dos muçulmanos mais exaltados.

E é crescente o número de muçulmanos mais exaltado no Reino Unido. Daí até se discutir ad nauseam (e botemos nauseam nisso) o tão falado multiculturalismo. Um papo chatíssimo cuja única vantagem é que, pelo menos, enquanto se trocam desaforos, não tem ninguém se explodindo ou fazendo explodir.

Lady Uddin, par do reino, foi sensata ao declarar a um jornalista:”Creio que se faz necessário um debate a respeito do assunto”. Sem dúvida. E com lança-perfume, confete e serpentina, muita serpentina. Tá bom, vá lá que seja, esqueçam o lança-perfume, que esse, por certo, o Corão, podendo, condenava.
 

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