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12/02/2007 - 09h12

Negros debatem identidade racial de Barack Obama

CAIO BLINDER
da BBC Brasil, em Nova York

Filho de pai negro do Quênia e mãe branca do Kansas, 45 anos, charmoso, carismático e articulado, Barack Obama por ora é apenas um dos pré-candidatos democratas à presidência americana.

Mas ele tem linhagem para ser inclusive tratado como um Messias multicultural, pós-racial e pós-partidário.

Barack Obama pode ser o que cada um quer que ele seja. Alguns irlandeses achavam que "O' Bama" era um deles.

O pré-candidato democrata seguramente quer ser visto como o arauto de uma mudança de geração na política americana, ao estilo de John Kennedy em 1960.

Presidente-gigante

Mas ao oficializar sua candidatura no sábado passado, Barack Obama também invocou Abraham Lincoln, um presidente-gigante na história americana.

Senador por Illinois, Obama fez o lançamento da candidatura na antiga sede legislativa em Springfield, capital do Estado e base política de Lincoln.

Há vários temas neste simbolismo. O primeiro é a ambição deste político que parece mais jovem do que é de costurar a unidade nacional.

Foi no "Old State Capitol" que Lincoln fez seu famoso discurso "Casa Dividida", em 1858, sobre as desuniões americanas (que desembocaram na guerra civil) e a impossibilidade da escravidão coexistir com os ideais de liberdade.

Experiência

A referência a Lincoln também tem o objetivo de rebater as críticas sobre Obama ser inexperiente para ser presidente.

Como o atual candidato, Lincoln passou oito anos no legislativo estadual e serviu apenas dois anos no Senado em Washington antes de concorrer à presidência.

E o terceiro tema obviamente é a invocação do presidente que libertou os negros da escravidão por um político que ambiciona ser o primeiro afro-americano na Casa Branca. Barack Obama culminaria a obra de Lincoln.

A condição birracial de Barack Obama permite duas perguntas básicas: será que os brancos estão prontos para aceitar um negro na presidência? Curiosamente, é a segunda pergunta que está gerando mais debate: e será que os negros estão prontos?

Sobre a primeira pergunta, claro que há uma zona cinzenta nas pesquisas. Uma minoria de um dígito rechaça o cenário de um negro no poder. Nenhuma surpresa, pois poucos estão dispostos a assumir abertamente o preconceito.

Mas é inquestionável a viabilidade eleitoral de Barack Obama. Em 1996, o país já estava preparado para um negro na presidência.

Voto branco

O democrata Bill Clinton foi reeleito naquele ano, derrotando o republicano Bob Dole e o independente Ross Perot.

Mas uma pesquisa boca-de-urna feita pelo Voter News Service (um consórcio das redes de televisão) mostrou que o general Colin Powell (mais tarde secretário de Estado no governo Bush) teria derrotado Clinton por 50 a 38 pontos caso ele tivesse concorrido pelo Partido Republicano.

O aspecto mais significativo é que Powell teria ganho graças ao voto branco. Entre os negros, a vantagem de Clinton foi de 2 a 1, confirmando a noção brincalhona de que ele foi o primeiro presidente "negro" dos EUA por sua desenvoltura para atuar junto à minoria.

Agora em 2007, portanto, não chega a ser uma grande surpresa a enorme vantagem de Hillary Clinton sobre Barack Obama entre os eleitores negros (por até 40 pontos na pesquisa Washington Post-ABC).

Em primeiro lugar é o magnetismo do nome Clinton e em segundo é a prova da força da máquina eleitoral da ex-primeira-dama, hoje a favorita na multidão de pré-candidatos democratas.

Desdobramento positivo

O professor negro da Universidade de Harvard Orlando Patterson disse que é possível saudar esta vantagem de uma mulher branca sobre Barack Obama dentro da comunidade negra como um desdobramento positivo, ou seja, os negros estão transcendendo a política racial e simplesmente optam por quem consideram o melhor candidato, não importando cor (ou sexo).

Mas há também um ponto inquietante: muitos negros rejeitam Barack Obama por não considerá-lo um deles.

Como escreveu Debra Dickerson na revista online Salon, "no nosso vocabulário politico e social, negros significam os descendentes de escravos africanos".

Quem não tem o legado da opressão, não é negro americano. Assim, Obama no máximo é "afro e americano", pois seu pai era do Quênia e ele foi criado por sua família branca.

Em alguns poucos setores da comunidade negra, Barack Obama chega a ser acusado de "falta de negritude", embora seja casado com uma negra e, após terminar a faculdade de Direito, tenha optado por viver no gueto negro de Chicago, onde por anos foi ativista social. Foi ali inclusive que ele descobriu sua vocação política.

Identidade racial

No jornal The New York Times, o colunista Brent Staples escreveu que as fustigadas de "tradicionalistas" negros" sobre a identidade racial de Barack Obama derivam da incapacidade deles para aceitar um mundo multirracial.

O debate também deriva da própria perplexidade de jornalistas e autores diante do fenômeno Obama, ou "O' Bama".

O próprio político achou que tinha definido as coisas sobre sua identidade negra quando numa entrevista à televisão lembrou que na calada da noite, em uma rua deserta de qualquer grande cidade, um motorista de táxi iria vê-lo com uma certa suspeita, ao invés de exclamar "olha aí, um cara legal, meio branco, meio negro".

Mas, de fato, hoje Barack Obama transcende. Seu maior desafio não é superar a suspeita, mas Hillary Clinton.
 

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