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13/03/2007
-
09h34
da BBC Brasil, em Quito
Menos de dois meses à frente da Presidência do Equador, Rafael Correa enfrenta uma crise política interna motivada pela sua principal promessa de campanha: a realização de uma Assembléia Constituinte para reformar as leis do país.
Nesta terça-feira, equatorianos aguardam com expectativa a reativação do Congresso Nacional, parado desde sexta-feira (9).
A dúvida é se os deputados suplentes aceitarão ocupar a vaga dos 57 de cem deputados que foram suspensos pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) na semana passada.
O TSE alega que os parlamentares tentavam impedir o referendo que aprovará, ou não, a convocação de uma Assembléia Constituinte.
Na opinião do sociólogo Miguel Benitez, professor da Universidade Central do Equador, a decisão do TSE pode indicar uma manobra de Rafael Correa no sentido de romper com a hegemonia dos setores políticos tradicionais.
Contra-ataque
A disputa entre os três Poderes se insere no contexto de uma queda-de-braço entre Correa e a oposição, que domina o Congresso e está representada por Álvaro Noboa, candidato à Presidência derrotado nas últimas eleições.
O impasse entre as instituições se aprofundou quando o TSE desconsiderou o regulamento da Constituinte aprovado pelo Congresso e ratificou regras que beneficiariam o governo.
Na semana passada, o Congresso aprovou a destituição do presidente do TSE, Jorge Acosta; em resposta, Acosta ordenou a cassação dos 57 deputados.
Para o sociólogo Miguel Benitez, a crise atual é apenas parte de um processo de desgaste das instituições e de descrédito dos velhos grupos de poder que, a seu ver, se arrastam há anos.
"O que estamos vendo é a cara de uma crise que ocorre há pelo menos dez anos, caracterizada por um processo anterior do neoliberalismo e uma nova fase que não se sabe exatamente o que é. Justamente é esse o tema do conflito", afirmou Benitez à BBC Brasil.
Inconstitucionalidade
O sociólogo afirma que, pela legislação equatoriana, a destituição do presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Jorge Acosta, é inconstitucional.
Conforme explica Miguel Benitez, a Constituição contempla a substituição do presidente do TSE desde que sua destituição passe antes por um julgamento político.
"Neste caso, a decisão do Congresso é ilegal, inconstitucional", afirma Benitez.
"No caso da suspensão dos deputados, a legislação é mais permissiva. Quando se considera que um processo eleitoral está sendo dificultado, a lei permite a suspensão de até um ano do exercício político."
"A decisão do TSE aparenta ser excesso, porque a tradição política do país se orienta na base de acordos e pactos, mas é completamente legal."
Acordo
Diante da inatividade do Congresso por falta de quórum, o presidente destituído do Parlamento, Jorge Ceballos, propôs um acordo ao TSE para que ambas as instituições voltem atrás em suas decisões, e o Congresso possa voltar a legislar a partir desta terça-feira.
Mas o presidente do TSE afirma que não há volta atrás. As organizações sociais pressionam o Tribunal, tornando custoso qualquer acordo com o Congresso.
Os partidos ameaçam expulsar qualquer deputado suplente que assuma o posto do titular, o que significa que o Congresso não poderá legislar até obter uma maioria simples, de 51 deputados.
Gutiérrez, herdeiro político
Neste cenário, na opinião do sociólogo Miguel Benitez, os grupos de poder tradicionais estão condenados a desaparecer. Ele diz que o herdeiro desse capital político tende a ser o ex-presidente Lucio Gutiérrez (Partido Sociedade Patriótica).
Destituído da Presidência em 2005 por um levante popular apoiado pelo Congresso Nacional, Gutiérrez é um dos principais opositores do atual governo e reúne a segunda maioria no Parlamento.
Para Benitez, o Equador testemunha o surgimento de novos setores dominantes, que têm em Lucio Gutiérrez sua principal expressão.
"Gutiérrez busca as melhores condições para se posicionar e construir uma força hegemônica de direita", analisa.
O sociólogo equatoriano vê com preocupação a indefinição do atual governo e a falta de propostas para um projeto de país.
A seu ver, há uma distância entre o discurso radical de Rafael Correa, de tom antiimperialista e de soberania, e suas ações concretas.
"Neste espaço não estão claras as políticas do governo" afirma Benitez, para quem Correa está diante de uma encruzilhada.
"A primeira (escolha) é governar com os velhos grupos de poder; a outra é governar com o povo. Já sabemos como reagirão os setores sociais se Correa optar pela primeira opção: será destituído como os presidentes anteriores", analisa Miguel Benitez.
Ele lembrou o mote Que se vayan todos ("Fora Todos", em tradução livre), repetido em manifestações populares contra partidos e políticos tradicionais.
Poderes parciais
A disputa entre Congresso, Executivo e, mais recentemente, o TSE se refere ao caráter que deverá assumir a Constituinte.
"Há um conflito entre os diferentes setores das classes dominantes para ver quem assume a liderança, ao mesmo tempo em que há um enfrentamento com as reivindicações das organizações populares", afirma Miguel Benitez.
O Congresso pressiona para que se realize uma Constituinte de caráter formal, representada pelos partidos tradicionais.
"Esse setor não quer uma Constituinte popular e sim, no melhor dos casos, uma Constituinte que tenha como finalidade não realizar mudanças estruturais", afirma o sociólogo equatoriano.
De outro lado, estão os setores populares que exigem uma Constituinte de transformação real da estrutura do país.
Para entender as demandas das organizações sociais, a BBC Brasil conversou com Luis Macas, presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE).
Para o presidente da CONAIE a Constituinte deverá "reorganizar as condições sociais do povo equatoriano. Por isso não permitiremos que o Congresso paralise o referendo", afirmou.
Para Luis Macas, temas como a economia e a recuperação dos recursos naturais devem ser prioridades na Assembléia.
"Não podemos permitir que 85% dos lucros do petróleo continuem beneficiando as transnacionais, enquanto apenas 15% são destinados ao povo equatoriano", disse o presidente da CONAIE.
Se não houver modificações, o referendo que definirá a aprovação ou não da Assembléia Constituinte deverá ser realizado no dia 15 de abril.
Em crise, Equador tenta reativar Congresso com suplentes
CLÁUDIA JARDIMda BBC Brasil, em Quito
Menos de dois meses à frente da Presidência do Equador, Rafael Correa enfrenta uma crise política interna motivada pela sua principal promessa de campanha: a realização de uma Assembléia Constituinte para reformar as leis do país.
Nesta terça-feira, equatorianos aguardam com expectativa a reativação do Congresso Nacional, parado desde sexta-feira (9).
A dúvida é se os deputados suplentes aceitarão ocupar a vaga dos 57 de cem deputados que foram suspensos pelo Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) na semana passada.
O TSE alega que os parlamentares tentavam impedir o referendo que aprovará, ou não, a convocação de uma Assembléia Constituinte.
Na opinião do sociólogo Miguel Benitez, professor da Universidade Central do Equador, a decisão do TSE pode indicar uma manobra de Rafael Correa no sentido de romper com a hegemonia dos setores políticos tradicionais.
Contra-ataque
A disputa entre os três Poderes se insere no contexto de uma queda-de-braço entre Correa e a oposição, que domina o Congresso e está representada por Álvaro Noboa, candidato à Presidência derrotado nas últimas eleições.
O impasse entre as instituições se aprofundou quando o TSE desconsiderou o regulamento da Constituinte aprovado pelo Congresso e ratificou regras que beneficiariam o governo.
Na semana passada, o Congresso aprovou a destituição do presidente do TSE, Jorge Acosta; em resposta, Acosta ordenou a cassação dos 57 deputados.
Para o sociólogo Miguel Benitez, a crise atual é apenas parte de um processo de desgaste das instituições e de descrédito dos velhos grupos de poder que, a seu ver, se arrastam há anos.
"O que estamos vendo é a cara de uma crise que ocorre há pelo menos dez anos, caracterizada por um processo anterior do neoliberalismo e uma nova fase que não se sabe exatamente o que é. Justamente é esse o tema do conflito", afirmou Benitez à BBC Brasil.
Inconstitucionalidade
O sociólogo afirma que, pela legislação equatoriana, a destituição do presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Jorge Acosta, é inconstitucional.
Conforme explica Miguel Benitez, a Constituição contempla a substituição do presidente do TSE desde que sua destituição passe antes por um julgamento político.
"Neste caso, a decisão do Congresso é ilegal, inconstitucional", afirma Benitez.
"No caso da suspensão dos deputados, a legislação é mais permissiva. Quando se considera que um processo eleitoral está sendo dificultado, a lei permite a suspensão de até um ano do exercício político."
"A decisão do TSE aparenta ser excesso, porque a tradição política do país se orienta na base de acordos e pactos, mas é completamente legal."
Acordo
Diante da inatividade do Congresso por falta de quórum, o presidente destituído do Parlamento, Jorge Ceballos, propôs um acordo ao TSE para que ambas as instituições voltem atrás em suas decisões, e o Congresso possa voltar a legislar a partir desta terça-feira.
Mas o presidente do TSE afirma que não há volta atrás. As organizações sociais pressionam o Tribunal, tornando custoso qualquer acordo com o Congresso.
Os partidos ameaçam expulsar qualquer deputado suplente que assuma o posto do titular, o que significa que o Congresso não poderá legislar até obter uma maioria simples, de 51 deputados.
Gutiérrez, herdeiro político
Neste cenário, na opinião do sociólogo Miguel Benitez, os grupos de poder tradicionais estão condenados a desaparecer. Ele diz que o herdeiro desse capital político tende a ser o ex-presidente Lucio Gutiérrez (Partido Sociedade Patriótica).
Destituído da Presidência em 2005 por um levante popular apoiado pelo Congresso Nacional, Gutiérrez é um dos principais opositores do atual governo e reúne a segunda maioria no Parlamento.
Para Benitez, o Equador testemunha o surgimento de novos setores dominantes, que têm em Lucio Gutiérrez sua principal expressão.
"Gutiérrez busca as melhores condições para se posicionar e construir uma força hegemônica de direita", analisa.
O sociólogo equatoriano vê com preocupação a indefinição do atual governo e a falta de propostas para um projeto de país.
A seu ver, há uma distância entre o discurso radical de Rafael Correa, de tom antiimperialista e de soberania, e suas ações concretas.
"Neste espaço não estão claras as políticas do governo" afirma Benitez, para quem Correa está diante de uma encruzilhada.
"A primeira (escolha) é governar com os velhos grupos de poder; a outra é governar com o povo. Já sabemos como reagirão os setores sociais se Correa optar pela primeira opção: será destituído como os presidentes anteriores", analisa Miguel Benitez.
Ele lembrou o mote Que se vayan todos ("Fora Todos", em tradução livre), repetido em manifestações populares contra partidos e políticos tradicionais.
Poderes parciais
A disputa entre Congresso, Executivo e, mais recentemente, o TSE se refere ao caráter que deverá assumir a Constituinte.
"Há um conflito entre os diferentes setores das classes dominantes para ver quem assume a liderança, ao mesmo tempo em que há um enfrentamento com as reivindicações das organizações populares", afirma Miguel Benitez.
O Congresso pressiona para que se realize uma Constituinte de caráter formal, representada pelos partidos tradicionais.
"Esse setor não quer uma Constituinte popular e sim, no melhor dos casos, uma Constituinte que tenha como finalidade não realizar mudanças estruturais", afirma o sociólogo equatoriano.
De outro lado, estão os setores populares que exigem uma Constituinte de transformação real da estrutura do país.
Para entender as demandas das organizações sociais, a BBC Brasil conversou com Luis Macas, presidente da Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador (CONAIE).
Para o presidente da CONAIE a Constituinte deverá "reorganizar as condições sociais do povo equatoriano. Por isso não permitiremos que o Congresso paralise o referendo", afirmou.
Para Luis Macas, temas como a economia e a recuperação dos recursos naturais devem ser prioridades na Assembléia.
"Não podemos permitir que 85% dos lucros do petróleo continuem beneficiando as transnacionais, enquanto apenas 15% são destinados ao povo equatoriano", disse o presidente da CONAIE.
Se não houver modificações, o referendo que definirá a aprovação ou não da Assembléia Constituinte deverá ser realizado no dia 15 de abril.
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