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O Universo é insosso
IVAN LESSA
colunista da BBC Brasil
Deu em tudo quanto é jornal. Quem não viu foi por pura preguiça. Essa mania de querer apenas ler sobre crime, assalto, o jogo de domingo e artigos mandando azeitona na testa de governos e entidades governamentais, analfabetas e grosseiras ou não.
O que há é muito simples. Há anos que eu vivo cismado com esse tal de Universo. Sei apenas que ninguém sabe dele. O Universo é a Conceição primordial, fundamental. É, Conceição. Ninguém sabe, ninguém viu. Feito no belo samba imortalizado pelo Cauby.
Agora, no entanto, meus sonhos, e os de Cauby também, por certo, ruíram, triste destino a que todos os sonhos estão sujeitos. Já se sabe muito mais a respeito do Universo. Graças a dois astrofísicos americanos de escol, Karl Glazebrook e Ivan Baldry. Os dois batutas passaram anos medindo as luzes emanadas de mais de 200 mil galáxias.
Só o fato de saber que há mais de 200 mil galáxias me dá vertigem intelectual e física. Eu jurava que, com boa vontade, não chegava a uma dúzia de galáxias. Já em si uma quantidade assustadora. E se um dia eles lá, numa dessas galáxias mais pertinho da gente, resolverem nos atacar? Quem disse que eles, os misteriosos galáticos (não confundir com o Real Madrid, time de futebol espanhol) não são fanáticos estudiosos agressivos e belicosos? Você pode jurar que não há qualquer coisa de taleban neles? Não pode jurar. Seguro morreu de velho.
Foi aí, nesse ponto, que um montão de gente boa quebrou a cara. Meteram-se a embarcar nessa que foi a do Einstein numa de suas fantasiosas teorias a respeito de certas (risos) "relatividades". Não, não. Eu não embarco nessa. Sou muito chão. Conheço algumas ruas de algumas cidades, fui a uma ou outra praia, viajei de avião e, lá de cima, vi as terras e as pessoas pequetitinhas, todas elas do tamanho de formigas.
É, verdade, tenho de admitir que não cheguei às alturas da astronáutica ou cosmonáutica, como queriam os comunistas. Apesar de Guerra Fria, corrida espacial e tudo, podem me chamar de inocente útil, mas eu acreditei piamente quando, em 1961, a bordo da nave espacial Vostok 1, dando uma volta completa em órbita ao redor de nosso planeta, o cosmonauta Yuri Gagarin observou que a Terra era azul.
Coisa aliás, não é para me gabar, eu já desconfiava. Graças ao fato de morar no 10º andar do edifício Graça Coutro, na Avenida Atlântica, e também de, num ou noutro sábado, mergulhar do trampolim de 10 metros de altura do Guanabara, logo ali perto do Mourisco, em Botafogo.
A Terra é azul. Para que foi o "Russinho", como era conhecido na sinuca, dizer isso. Êta frase danada de repetida, "seu"! Sempre na base da besteira. Como rendeu papo chato, poema bisonho e cantada sem nada em cima. Claro que a Terra era azul. Só um perfeito idiota, desses que faziam figuração em crônica de Nelson Rodrigues, desconheceria o fato.
Deixo a Terra momentaneamente e, como um fantasma impertinente, volto a meus astrofísicos prediletos do momento, os tais de Glazebrook e Baldry. Entre seus vários achados, após o estudo das tais (rá!) 200 mil galáxias, chegaram a duas conclusões. Primeiro, que o Universo já não é um broto. Apagou 13 bilhões e 73 milhões de velinhas outro dia mesmo. (Eu não daria mais que 13 bilhões, 72 milhões e 290 mil anos para ele.)
Segundo, e é aí que eu me queimo, tem cor. Isso mesmo. Segundo os homens, o Universo tem cor. Como as rosas, os piratas da Somália e os olhos da falecida Audrey Hepburn. Agora, para vocês verem, cor das mais mixurucas. Eles afirmam que o Universo é bege. O que é infinitamente sem graça. Como levar a sério um Universo bege, pergunto eu? Bege cósmico, mas bege apesar de tudo. Feito café com leite e a sala de visitas do apartamento (dois quartos e uma sala, um quadro de preto velho fumando cachimbo) de Dona Iaiá da Silva.
Ora, vamos e venhamos, senhores astrofísicos! Essa, não! O Universo, que muita gente boa sabe muito bem que se encontra sempre se expandindo, feito favelão no Rio de Janeiro, nunca seria cor de latte. O Universo só poderia ser vermelho como um frappucino de morango. Ou, para sermos bairristas, ou nacionalistas e cariocas, rubro e negro. Um Universo Mengão! Disso é que se trata. O instinto, nessas horas, é muito mais sábio do que a astrofísica. Falou e disse, conforme se falava e se dizia.
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