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26/03/2010 - 08h03

Minhas finanças e as do Reino Unido

IVAN LESSA
colunista da BBC Brasil

Esta semana não foi brincadeira. Tacaram ficha pra cima de mim em matéria de me levar meu rico (no sentido figurado) e escasso (sentido literal) dinheirinho, que mais diminutivo não poderia ser.

Primeiro lugar, foi dia do último Orçamento do Partido Trabalhista, o Labour, antes das eleições gerais que terão de ocorrer em maio. Orçamento. Fui de maiúsculas por ele assim ser tratado pelo país e toda sua imprensa. The Budget. Dia em que o governo, através de seu ministro das Finanças, anuncia as medidas orçamentárias para o próximo ano fiscal, que, como sabemos, tem seu início naquele mês, abril, que o poeta T.S. Eliot, com toda razão e sensibilidade, chamou de "o mais cruel dos meses". Sem dúvida.

Dia de Budget (fiquemos numa das poucas tradições que ainda restam no país) é dia de farra, ou, melhor dizendo, de grande alvoroço, não só nos meios jornalísticos como também, e principalmente, na City e na mente de cada cidadão no Reino Unido residente. Mente voltada para o próprio bolso. Claro.

Todo mundo colado na televisão. Para saber como é que o governo vai lidar com essa enrascada. Sempre foi e sempre será essa coisa doce e antiquada a que chamamos um dia de "enrascada". Enrascada é saber como ficam as bonificações dadas às pequenas firmas, o preço da gasolina, os bônus pagos aos tão amados banqueiros, os impostos, as isenções, os aumentos inevitáveis no preço das bebidas alcoólicas (este ano a cidra passou a ser taxada) e dos cigarros e por aí afora.

Eu disse enrascada e disse-o bem. A economia não é uma ciência exata, a não ser para os grandes embusteiros --e esses, minha Nossa, como os há e tudo livre e sendo bonificado.

O dinheiro é a origem de todos os males, sentenciei um dia e meu bon mot pegou. Principalmente, a falta de dinheiro. Que é o meu caso. Para todos os efeitos eu sou zero à esquerda aqui em matéria de cidadania. Menos na hora de pagar os impostos e pegar no armazém da esquina minha garrafinha de cifra. Aí mandam brasa em mim.

Não bastasse o Budget e seus protocolos formais (a caixa vermelha em que o orçamento é transportado pelo ministro das Finanças até o Parlamento é mais fotografada, junto com seu portador, do que a Kate Moss e a Naomi Campbell juntas e peladas), a semana que passou trouxe também o dia em que o Council Tax foi distribuído a todos os residentes do país.

Council Tax. Imposto Municipal, o quanto você paga para as autoridades locais que cuidam dos serviços a nós prestados. Meu distrito, Kensington & Chelsea, tradicionalmente dos mais ligados, ou subordinados, ao Partido Conservador, é bem administrado, sou obrigado a admitir, mesmo não sendo eleitor deles, no caso mais do que hipotético se eu pudesse votar. Não houve aumento. Perto de 1.300 libras por ano divididas em 10 prestações. Sai direto, por ordem minha, da conta bancária. Sem filas ou envelopes na jogada.

Levando-se em conta a coleta do lixo, a distribuição de sacos plásticos para tudo que for reciclável, a quantidade de bibliotecas e isso e mais aquilo outro, até que não é muito. O que me sai caro mesmo são os dois jardins a que tenho chave e direito de acesso: um na frente da casa onde moro, outro atrás. São mais bem tratados do que --e volto a elas-- a Kate Moss e a Naomi Campbell, dessa vez podem estar vestidas. Lindos de morrer. Fico na janela da frente e depois na de trás só olhando.

Por falar nisso, sou capaz de passar desta para melhor, se deixarem, num deles. Se pudesse até ser enterrado no da frente, o chamado Bolton Gardens. Que é uma graça. Em escala menor, dá um banho em Versalhes e uma lavagem na Praça Paris. Mas esse privilégio me custa 792 libras por ano. Já os frequentei mais. De um e de outro, ficava sentado no banco de boa madeira, vendo passar as pessoas destituídas de jardim exclusivo. Coitados, dizia eu para as árvores, o balanço e um esquilo marrom, que os cinzentos são daninhos.

De vez em quando, do Brasil, por e-mail, me pedem, por isso ou aquilo outro, meu CPF. Não me chateiem, respondo sempre. Tenho mais o que fazer. Ficar estudando, por exemplo, o mais recente Budget ou Council Tax no jardim. Da frente. O Bolton.

 

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