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Minha Maratona
IVAN LESSA
colunista da BBC Brasil
Infelizmente, devido ao adiantado na hora, não poderei comparecer, mais uma vez, à festança que constitui a Maratona de Londres. Estou tentando desde 1981, o primeiro ano de sua realização, botar um short, pregar um número (de preferência o cavalo, no jogo do bicho) nas costas, e, com uma garrafa plástica na mão de água vulcânica, porém sem cinzas, cumprir os 42,195 km de sua extensão.
Não tem dado. Sempre uma coisa ou outra me impede de contribuir com minha presença para o que afirmam ser a sagração definitiva da Primavera. Num ano eu tinha uma festinha de aniversário impossível de faltar. No outro iam levar um filme do John Huston na TV ("O Segredo das Joias") e eu ainda não tinha gravador. Se não era uma coisa, era sempre outra.
Na verdade, e hoje eu tenho a coragem de admitir, faltava-me a condição física para o evento destinado, principalmente, a tirar os carros das ruas do Centro e, indo pela ordem, botar as pessoas para fazer um pouco de exercício e angariar fundos para as mais diversas, porém nobres todas, caridades.
Graças a meus conhecimentos, eu já tive, inclusive, em 1996, até mesmo um patrocinador: uma margarina que hoje não existe mais. No entanto, acompanhei, sempre que pude pela televisão. Ao menos, tanto na disputa masculina quanto feminina, os dez minutos finais, sempre os mais interessantes daquilo que não dá para se chamar de contenda (contenda é Botafogo jogando contra o Flamengo, confere?).
Confesso que tenho uma certa pena dos ingleses. Insistem em dizer que a prova de resistência tem 26,2 milhas de distância, o que, sabemos todos, não quer dizer absolutamente nada. Mesmo os gregos que deram origem à modalidade no ano 490 a.C., no decorrer da Primeira Guerra Médica, segunda reza, ora e prega a lenda, não caíam nessa besteira.
Eram bons de bola os gregos a.C. Não só deram um pau para valer nos persas, que, mesmo há mais de 2 mil anos, já não eram flor que se cheirasse, como sortearam um tipo popular, o icônico e emblemático Fidipedes, para dar a boa notícia ao povo bom de Atenas. Fidi, como o conheciam na intimidade, não era, convenhamos, lá muito inteligente. Está certo, batia bem e chutava persa com as duas pernas, mas seus dotes intelectuais deixavam muito a desejar. Não foi, pois, difícil a seu comandante, Milcíades, convencê-lo a dar uma corridinha até Atenas para divulgar as novas e, dest'arte, ir preparando caminho para a sua própria reeleição para o alto cargo que ocupava (Grécia, berço da democracia) que deveria ocorrer em breve. Milcíades, pois, um político nato, virou-se para nosso bom Fidi e disse:
"Olha, meu querido, daqui onde estamos, na planície de Maratona, são apenas uns 15 km até Atenas. Você, que ostenta uma magnífica forma física, por que não dá uma corridinha até lá e espalha a boa nova? Vai ser uma boa para ti."
O comandante Milcíades, como veem, era esperto como todo aspirante aos altos cargos de qualquer nação. Fez cafuné no ego de Fidi e, manhoso como só ele, mentiu no tocante à distância, que, na realidade, era, na época, de 35 km. Com o tempo, e como quem conta um conto aumenta um ponto, foi-se chegando ao número cabalístico de 42,195m. Esses 195 metros nunca foram devidamente esclarecidos. Um desses mistérios da História. Feito quem descobriu o Brasil e porquê.
Findas essas noções básicas da Maratona e suas origens, volto ao ano de 2010. Parece que, aqui em Londres, perto de 40 mil pessoas vão disputar a prova de arrecadação de fundos. Registre-se que apenas um lusófono venceu a Maratona de Londres: o português António Pinto. E venceu por três vezes, tendo estabelecido, no ano 2000, o recorde europeu para a distância: 2h06m36s.
Só de pensar no tempo e esforço despendido na prova, começo a me sentir mal. Minha vista se turvando, sinto náuseas, tenho de me sentar e tomar um copo de água da flor de laranjeira. Ou mesmo da bica apenas.
Ficam aqui registrados, de minha parte, somente meus melhores votos, que aspirem o mínimo de cinza vulcânica possível e que arrecadem adoidados e adoidados corram pelas ruas mais conhecidas de Londres. Maratona, comigo, é algo que se faz sentado.
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