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10/11/2000 - 03h51

Não sou um conservador, afirma Sayad

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MARIO SERGIO CONTI, da Folha de S.Paulo

Anunciado ontem oficialmente pela prefeita eleita Marta Suplicy como o futuro secretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico de São Paulo, o economista João Sayad, 55, disse à Folha que não tentará renegociar novamente a dívida da cidade. "Essa não é a prioridade", disse. "O mais importante é tomar posse da máquina administrativa e sanear as finanças da prefeitura."

Para Sayad, a renegociação da dívida paulistana com o governo federal, que consumirá cerca de R$ 900 milhões do Orçamento no próximo ano, poderá vir a ocorrer ao longo do mandato da prefeita. Mas será uma renegociação política que, segundo o economista, "não vai nos desviar da tarefa primordial: arrecadar e gerir bem os recursos da própria prefeitura".

Diz ser um "peixe fora d'água" tanto no PT quanto no mercado financeiro -no último caso, apesar de ser banqueiro. "Não sou um conservador", afirma. Como secretário, propõe a criação de uma universidade municipal no centro de São Paulo. Como economista, diz que o desemprego preocupa mais do que a inflação. Sayad não tem ilusões de que conseguirá aumentar em muito a arrecadação municipal.

Tampouco cogita em decretar a moratória ou em endividar ainda mais a prefeitura. Mas se diz entusiasmado e compara: "Em 1983, quando fui secretário da Fazenda do governador Franco Montoro, herdamos uma situação financeira muito ruim, já que sucedíamos o governo de Paulo Maluf", disse.

Folha - Por que o sr. aceitou o cargo de secretário de Marta Suplicy?
Sayad -
Pela vontade de voltar à vida pública e trabalhar com a prefeita. Como sou um paulistano bairrista, quis deixar só de criticar para tentar fazer algo pela cidade.

Folha - O sr. é simpatizante do PT?
Sayad -
Estou entusiasmado em trabalhar com o PT, no qual tenho vários amigos. Sou crítico do neoliberalismo, que também é criticado pelo partido. É mais fácil eu dialogar com pessoas do PT do que com os tucanos, ou pelo menos com a direita do PSDB.

Folha - Como o sr. é banqueiro e trabalha há dez anos no mercado financeiro, pode se dizer que será o Armínio Fraga do PT?
Sayad -
A comparação não é correta. Admiro o Armínio, ele fez um trabalho importante no Banco Central, foi de uma habilidade incrível. Só que penso de maneira totalmente diferente da dele. Não sou conservador. Defendo que as taxas de juro estão muito altas, nunca defendi a fixação do câmbio, não acho que o mercado é a panacéia que resolve todos os males. Se há quem me veja como um peixe fora d'água no PT, também sou um peixe fora d'água no mercado financeiro. No mundo inteiro, o mercado financeiro pensa como o Partido Republicano dos EUA. Eu penso como Partido Democrata: estou mais preocupado com o desemprego do que com a inflação.

Folha - O sr. vai tentar renegociar a dívida de São Paulo?
Sayad -
Não. Essa não é a prioridade. O mais importante é tomar posse da máquina administrativa e sanear as finanças da prefeitura. A renegociação da dívida da cidade terá caráter político. Ela pode ocorrer num segundo momento, mas não vai nos desviar da tarefa primordial: arrecadar e gerir bem os recursos da própria prefeitura.

Folha - A prefeitura então vai pagar suas dívidas sem responsabilizar o Planalto por não ter dinheiro?
Sayad -
Sim. Mas acredito que teremos um bom diálogo. Contaremos com a colaboração do governo federal.

Folha - O que seria esse bom diálogo?
Sayad -
Tenho a expectativa de que as divergências serão suplantadas pelo interesse público. Seria uma tremenda irresponsabilidade ficar brigando por picuinhas. Somos de uma mesma geração. Conheço a Marta há muito tempo, e ela conhece o Fernando Henrique há muito tempo, que conhece o Lula há muito tempo. Temos um convívio civilizado. Posso até imaginar tratamentos um pouco mais ou um pouco menos favoráveis do governo federal a determinadas prefeituras, mas não visualizo a discriminação.

Folha - Como a administração de São Paulo será a grande vitrine, para bem ou mal, do PT na campanha presidencial de 2002, não é ilusão supor que o governo federal vá ajudar a prefeitura paulistana?
Sayad -
Gostaria que a prefeitura pudesse trabalhar e recuperar a cidade sem ser vista como uma vitrine em 2002. Ser vitrine é um obstáculo a mais. Porque gera uma grande expectativa em torno do que a prefeitura irá fazer e depois porque pode provocar a má vontade dos adversários.

Folha - É populismo do PT pregar que pode diminuir o desemprego em São Paulo?
Sayad -
Não gosto do termo "populista". É uma palavra usada pelos neoliberais para definir tudo com o que eles não concordam. Deve ser prioridade, sim, de um partido progressista, atender demandas populares. Um governo neoliberal atende as demandas do setor financeiro e elege a estabilidade como prioridade número um. Um governo democrata, nos Estados Unidos, escolhe a geração de empregos como a sua prioridade. Então o Clinton é populista? Sei muito bem que o desemprego, um problema macroeconômico, não será resolvido em escala municipal. Mas dá para encontrar formas criativas de aumentar vagas. Uma cooperativa emprega mais gente do que uma grande empresa. Vamos ver o que é possível fazer nessa área. Há experiências bem-sucedidas. Os táxis de São Paulo, por exemplo, são bons: pegam os passageiros em casa na hora marcada e são limpos. E funcionam com base em cooperativas.

Folha - O sr. critica o governo federal porque ele não toma iniciativas de envergadura. É possível ter ações equivalentes no município?
Sayad -
Sem dúvida. Mas são idéias minhas, que pretendo discutir com a prefeita e com os outros secretários.

Folha - Quais idéias?
Sayad -
Reconheço que é de difícil implementação, mesmo porque falta dinheiro, mas seria ótimo se fosse criada uma universidade pública, municipal, no centro da cidade. Até certo ponto, somos escravos da opinião pública, que hoje é neoliberal. Se formos criar uma universidade municipal como a USP, por exemplo, logo viria a gritaria contra o ensino gratuito e contra o governo visto como patrão. Mas é possível fazer uma universidade nos moldes americanos, com dotação do município e recursos privados. Basta que ela não se proponha a ser lucrativa: se formos fazer uma universidade que o mercado quer, ela só terá cursos de informática, de inglês e de aplicações financeiras.

Folha - E por que no centro?
Sayad -
Para aproveitar a infra-estrutura e as construções existentes e revitalizar o centro. Uma universidade atrai jovens, repúblicas de estudantes, lanchonetes, cinemas, livrarias, bom comércio. Claro que essa idéia tem que ser discutida com arquitetos e urbanistas. Sei que há outras propostas para o centro, como a de incentivar a que ele volte a ser o núcleo financeiro de São Paulo. Mas uma USP 2, no centro, é o meu sonho. Eu esperava que o governo federal tomasse essa iniciativa, já que muitos dos seus integrantes são professores universitários.

Folha - Que outras idéias o sr. tem?
Sayad -
Bom, continuando a meter o bedelho em áreas que não são minhas, acho a poluição visual uma coisa escabrosa. O excesso de anúncios é um jogo de soma zero. Não se vê nada, só a sujeira geral. São Paulo parece um bazar, o que é ruim para os comerciantes, os anunciantes e sobretudo para a população. O paulistano que vê o filme "Blade Runner", uma ficção científica aterrorizadora, acha que ele trata da nossa atualidade: são os helicópteros em cima e a publicidade em baixo, os ricos no céu e os miseráveis nas ruas. Acho que, se conseguirmos resolver esse problema, estaremos dando um exemplo a nós mesmos e a outras cidades. A poluição sonora é outro problema que pode ser atacado. O barulho de helicópteros, buzinas, motores e bares pode ser atenuado.

Folha - Como resolver isso?
Sayad -
Posso estar enganado, mas acho que falta integração das faculdades de arquitetura e urbanismo com as administrações municipais e mesmo estaduais. É imprescindível que os departamentos de urbanismo e arquitetura da USP, da PUC, da Unicamp, do Mackenzie participem, façam pesquisas e projetos com a prefeitura. Não é possível que não houvesse outra maneira de fazer corredores de ônibus. As avenidas Santo Amaro e Nove de Julho ficaram feíssimas com os corredores de ônibus. Não era possível fazer projetos habitacionais melhores que o Cingapura?

Folha - É viável fazer mudanças significativas na cidade em quatro anos?
Sayad -
Viável ou não, nós temos que sonhar com ela, trabalhar para realizá-las, deixar plantadas as sementes da mudança.
 

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