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13/11/2000 - 05h02

Esquema de EJ ajudou a levantar fundos para a campanha de FHC

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WLADIMIR GRAMACHO
ANDREA MICHAEL
da Folha de S.Paulo, em Brasília

O esquema de poder montado pelo ex-secretário Eduardo Jorge Caldas Pereira arrecadou fundos para a reeleição de Fernando Henrique Cardoso, em 1998.

Planilha secreta com a contabilidade da campanha mostra que a preferência de EJ por fundos de pensão e empresas de seguro também resultou em contribuições eleitorais para FHC.

Ontem, a Folha revelou que, segundo documentos sigilosos da campanha, R$ 10,12 milhões arrecadados pelo comitê eleitoral acabaram em um caixa-dois, não declarado pelo PSDB ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Para a tarefa de ajudar na coleta de doações, foram escalados três parceiros de EJ:

1) o empresário Mário Petrelli, ex-sócio de EJ na DTC (Direct to Company) e seu colega no conselho da Delphos Serviços Técnicos;

2) o executivo Pedro Pereira de Freitas, presidente da Caixa Seguros desde 1993 com o apoio do ex-assessor;

3) o bancário Jair Bilachi, ex-presidente da Previ (o poderoso fundo de pensão do Banco do Brasil) e um dos dirigentes mais alinhados com EJ durante sua passagem pelo governo.

No organograma do comitê financeiro, o grupo de EJ mantinha independência em relação à equipe de coletores oficiais da campanha, coordenada pelo ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Mas nem por isso teve sua importância diminuída.

Juntos, Petrelli e Freitas recolheram para o comitê mais de R$ 3,5 milhões em doações oficiais e mais R$ 350 mil no caixa paralelo. Os dois foram os intermediários preferenciais da campanha com as empresas de seguros.

Como presidente da Caixa Seguros, Freitas mantém relações empresariais com seis seguradoras privadas, com as quais divide receitas e riscos de seguros sobre operações da CEF (Caixa Econômica Federal).

Cinco dessas seis empresas contribuíram para a campanha de FHC, diretamente ou por meio de seus grupos financeiros. Segundo dados do TSE, foi de R$ 1,3 milhão a soma das doações feitas por Sul América, Porto Seguro, Minas Brasil, Icatu Hartford (Banco Icatu) e Bradesco Seguros.

Em entrevista à Folha, há dois meses, Freitas admitiu que frequentava o comitê de campanha de FHC. Mas negou que fosse se encontrar com Eduardo Jorge. Ia, segundo ele, conversar com o coordenador político da campanha, Euclides Scalco. Procurado pela Folha, Scalco informou, por meio de sua assessoria, que nunca falou com Freitas.

Segundo a planilha, Freitas também foi o contato da campanha com a Delphos Serviços Técnicos, que presta assessoria à Caixa Seguros. A empresa, que tem EJ e Petrelli como conselheiros, doou R$ 200 mil.

Petrelli também foi incumbido de levantar fundos para a campanha com empresários do Paraná e de Santa Catarina. Conhecido no setor privado como um exímio negociador e em Brasília como braço direito do senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), Petrelli tinha o cacife certo para buscar contribuições de empresas como Inepar (R$ 1,5 milhão) e Bung-Ceval (R$ 200 mil), entre outras.

"O Petrelli é tão polivalente que já chegou a ter a concessão da Manchete no Paraná e a do SBT em Santa Catarina, ao mesmo tempo em que presidia a seguradora do Roberto Marinho (Roma)", lembra o presidente do PFL paranaense, João Elísio Ferraz de Campos.

Sua atividade já lhe rendeu oito empresas e ajudou a levar para uma posição de liderança as companhias de seguro e capitalização da Icatu Hartford, na qual Petrelli é o principal conselheiro.

Bancos oficiais

Na Icatu Hartford, a ordem é privilegiar negócios com bancos oficiais. Com a Caixa Econômica Federal, o elo chama-se "Federal Cap". No Banco do Brasil, "Brasil Cap". No Banespa, "Dim-Dim". E assim por diante em mais sete bancos estaduais e um regional. A cada título de capitalização vendido na rede de mais de 5.000 agências oficiais, a Icatu Hartford, com a ajuda de Petrelli, soma receitas e mais uma parcela do mercado.

O vice-presidente da empresa, José Medeiros, explica que a Icatu Hartford tem privilegiado acordos com bancos estaduais porque essas instituições não teriam condições de manter individualmente produtos de capitalização. "Eles não têm escala", justifica.

Nos fundos de pensão, a campanha da reeleição privilegiou os contatos com empresas em que a Previ tinha participação. Numa das planilhas de Bresser, Jair Bilachi, ex-presidente do fundo do BB, aparece como contato na Previ e na Funcef, fundo da Caixa. Em ambos os casos, a citação é precedida pelo nome do ex-diretor do BB Ricardo Sérgio de Oliveira, que prestava consultoria à campanha a partir de seu escritório em São Paulo.

Os dois foram demitidos pouco depois da campanha, em novembro de 1998, devido à revelação do grampo nos telefones do BNDES. Até então, tinham prestado assessoria à campanha, indicando empresas a serem procuradas.
Uma delas foi a Perdigão, da qual a Previ tem 15,3%. Não há, porém, registro de doação da empresa nas planilhas e no TSE.

Na Riocell e na Tigre, contudo, o resultado foi positivo. As duas empresas, que têm mais de 20% de suas ações nas mãos da Previ, deram R$ 91 mil e R$ 50 mil, respectivamente.

Já se sabia que, em 1998, o então presidente da Previ despachava no apartamento de Eduardo Jorge em Brasília. Isso foi dito pelo próprio Bilachi, em depoimento ao Ministério Público. Agora, a divulgação das planilhas levanta a suspeita de que, nesses encontros, Bilachi e EJ também discutiam estratégias para o financiamento da campanha. Segundo o TSE, 15 empresas que têm a Previ como sócia fizeram doações ao comitê de FHC em 1998.

Procurado pela Folha, Bilachi negou envolvimento com a campanha, mas não quis dar entrevista. Ricardo Sérgio de Oliveira não respondeu aos telefonemas do jornal.

O próprio EJ só aparece de forma explícita como arrecadador uma única vez. O ex-secretário foi escalado para conseguir uma doação da Liderança Capitalização, empresa do grupo Silvio Santos. Segundo a planilha, obteve contribuição de R$ 200 mil _o dobro do que está no TSE.

Se o esquema de EJ atuava nos bastidores, o grupo de Bresser tinha autorização para falar abertamente em nome da campanha. O único sigilo que protegia os arrecadadores estava na contabilidade, na qual cada um recebia uma sigla para manter sua atuação sob certa reserva.

O executivo Adhemar César Ribeiro, ex-dono do Banco das Nações e tratado na contabilidade como "AA", foi o mais eficiente de todos eles. Além de emprestar suas salas para o funcionamento do comitê financeiro, na avenida Brigadeiro Faria Lima, o banqueiro amealhou R$ 6,825 milhões em doações registradas no TSE. E mais R$ 600 mil no caixa paralelo, segundo a planilha: Constran (R$ 300 mil) e Sadia (R$ 300 mil).

Superou por muito pouco o resultado obtido pelo publicitário Luiz Fernando Furquim, amigo de Bresser há mais de 20 anos, desde os tempos em que trabalharam juntos no grupo Pão de Açúcar. Furquim, tratado na contabilidade como "FF", levantou R$ 6,474 milhões no caixa oficial.

Para o caixa paralelo, Furquim carreou, de acordo com a principal planilha secreta, R$ 700 mil.

A rotina desse grupo de trabalho era simples. Toda semana, fechava-se uma contabilidade parcial e fazia-se a programação para a semana seguinte.

"Os colaboradores iam falando quem tinham visitado, quem iria contribuir, quem não foi receptivo, e o Luiz Carlos (Bresser Pereira) ia passando tudo para um notebook", lembra o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, que também ajudou a contatar empresários. "Era uma coisa simples: duas escrivaninhas, duas linhas telefônicas e biscoitos moles", resume Mattos Filho, ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).

Apesar da valiosa colaboração, apenas dois coletores da campanha ganharam cargos no governo reeleito de FHC: o administrador Andrea Matarazzo, que assumiu a Secretaria de Comunicação da Presidência e agora exibe status de ministro de Estado, e Pedro Paulo Poppovic, secretário de Educação à Distância do Ministério da Educação.

Em trilha própria, com autonomia em relação a Bresser, Matarazzo somou R$ 2,4 milhões ao caixa da campanha, segundo a planilha, além dos R$ 3 milhões que não foram declarados ao TSE e atribuídos a ele.

Já Poppovic era o responsável por obter doações em bens, sobretudo em papel. Conseguiu R$ 789 mil para o material de divulgação da campanha. Contribuições que ele mesmo diz ter conseguido com a ajuda da entidade de classe do setor. Obteve mais R$ 60 mil, sem declaração ao TSE.

"As doações de papel foram organizadas por uma associação. Eles definiram quanto cada empresa daria para a campanha", lembra Poppovic, referindo-se à Bracelpa (Associação Brasileira de Papel e Celulose).

"A associação tinha uma posição política de apoio ao presidente Fernando Henrique Cardoso", diz o secretário do MEC.

O diretor-executivo da Bracelpa, Mário Leonel, nega. "Apenas demos ao Poppovic a lista de nossas associadas e ele se entendeu com as empresas diretamente", afirmou Leonel.

A participação de entidades de classe nas campanhas é proibida pelo artigo 24 da Lei Eleitoral.

No Rio de Janeiro, o comitê financeiro era representado por um trio de elite, composto pelo empresário Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira (presidente da Firjan), pela banqueira Kati Almeida Braga (dona do banco Icatu) e pelo executivo Humberto Motta (presidente da Brascan Participações).

Nesse grupo, Gouvêa Vieira teve o melhor desempenho, levantando R$ 2 milhões em doações oficiais _metade proveniente da Companhia de Petróleo Ipiranga, da qual é dirigente. Humberto Motta conseguiu R¹ 1,3 milhão e Kati Almeida Braga, R$ 854 mil. Tudo registrado no TSE. Longe do tribunal, cada um obteve, respectivamente: R$ 900 mil, R$ 600 mil e R$ 1,06 milhão.
 

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