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10/12/2000 - 08h42

Ex-juiz não saiu do país e pediu pela mãe após prisão, diz advogado

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MARIO CESAR CARVALHO
JULIA DUAILIBI
da Folha de S.Paulo

"Quero ver minha mãe. Quero minha mãe", pediu chorando o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto após se entregar à Polícia Federal em Bagé (RS), anteontem. A cena é descrita pelo advogado do ex-juiz, Alberto Zacharias Toron, uma das duas testemunhas da história, em entrevista exclusiva à Folha. Nicolau tem 72 anos e a mãe, 95. Eles não se vêem desde 25 de abril, quando o ex-juiz fugiu após ter sua prisão decretada, sob a acusação de ter participado do desvio de R$ 169,5 milhões do TRT-SP. Leia a seguir a história da apresentação do ex-juiz na versão de seu advogado:

O ex-juiz Nicolau dos Santos Neto nunca saiu do Brasil nos 227 dias de fuga, segundo seu advogado, Alberto Zacharias Toron. O ex-juiz disse a Toron que ficou transitando entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em hotéis, motéis e casas de amigos.

Dono de uma Ferrari e de uma Lamborghini, carros avaliados em mais de US$ 500 mil, Nicolau chegou a andar de ônibus intermunicipal na fuga e usava um telefone fixo para se comunicar, ainda segundo Toron. "Ele me disse que no interior não tinha essa loucura contra ele", disse o advogado à Folha.

Nicolau viajava de uma cidade a outra de noite, separado de sua mulher, Maria da Glória. Às vezes, ela ia na frente; noutras, chegava depois do marido.

Toron classifica de fantasiosa a versão do ministro José Gregori (Justiça), segundo a qual o ex-juiz entregou-se porque estaria cercado. "Não houve cerco em momento nenhum. Isso é uma bobagem, é uma mentira", disse. Sobre a entrega, ele não vê matizes: "Nós tivemos a condução do processo o tempo todo".

Toron cita um fato para exemplificar como foi conduzida a entrega do ex-juiz: o delegado da Polícia Federal Roberto Precioso Júnior, a quem Nicolau se apresentou, não sabia em nenhum momento para onde estava indo.
Foi um roteiro feito às cegas, como uma corrente na qual cada um dos elos não conhece a história completa. "Se eu abortasse a operação em qualquer momento, ninguém pegaria ele", afirma o advogado.

O enredo da entrega começou às 8h30 de anteontem. Nessa hora, o delegado Precioso chegou ao apartamento de Toron, em Santa Cecília (região central de São Paulo). O advogado já havia recusado um avião oferecido pela PF para levá-los até o ex-juiz. Temia que os policiais rastreassem o avião, descumprissem o acordo e capturassem Nicolau "de forma humilhante", com algemas, colete à prova de bala e sirenes.

Toron disse ao delegado que iriam de carro. Temeroso de que pudessem ser seguidos por meio dos sinais emitidos pelo celular, ele pediu ao policial que viajassem com o telefone desligado.

Precioso ficou surpreso, segundo Toron, quando entraram no carro de Gisele, a mulher do advogado. Não contava com ela no roteiro. Foram até o Hospital do Coração, no Paraíso (zona sudoeste). Gisele foi embora, e Toron e o delegado subiram até o heliponto.

Roteiro às cegas

O destino do helicóptero, não revelado ao delegado, era Jundiaí, a 60 km de São Paulo. Lá, um avião de um amigo de um vizinho de Toron, um bimotor com cabine pressurizada, os aguardava.

Tudo que Toron sabia era que o avião iria para Santa Maria (RS), a 1.259 km de São Paulo. O resto do trajeto, nem ele conhecia. Chegaram entre 12h45 e 12h50. Estavam atrasados. Toron combinara com um interlocutor de Nicolau que esperaria por novas instruções, pelo celular, entre 12h e 12h30.

Segundo Toron, a temperatura era infernal em Santa Maria, mais de 30º C. Por causa da ansiedade, ninguém almoçou. Só comeram misto-quente com Coca-Cola.

Por volta das 15h, Toron sugeriu ao delegado que voltassem a São Paulo, abortando a operação, porque o contato do advogado em Santa Maria desaparecera. Precioso não topou.

Às 16h30, o celular de Toron tocou. Era o interlocutor de Nicolau: "O paciente está na BR-293, no quilômetro 173", disse, segundo as lembranças do advogado. Ditou também o número do telefone do local onde o ex-juiz estava, anotado pelo advogado na palma da mão. Toron ligou para lá e descobriu que Nicolau estava no motel Fliper, no quarto número um. A senha para a porta ser aberta eram três batidas.
O mesmo avião os levou até Bagé. No aeroporto, pegaram um táxi. Para desanuviar o clima, Toron disse ao taxista que estavam indo para o motel Fliper, mas não eram homossexuais.

O advogado conta que ficou tão ansioso no instante que chegou à frente da porta que contou mentalmente as batidas, com medo de errar o número delas. Bateu três vezes e gritou: "É o Toron!".
Nicolau abriu a porta, abraçou Toron e começou a chorar convulsivamente, conta o advogado. O ex-juiz vestia um terno azul e estava 28 quilos mais magro.

"Eu vi um esqueleto na minha frente", descreve o advogado.
Eram por volta das 17h30. O ex-juiz estava sozinho. Aguardava Toron havia quatro horas (a recepcionista do motel tem outra versão: diz que o ex-juiz ficou cerca de duas horas no quarto).

O delegado Precioso tinha dois documentos na pasta para Nicolau assinar: um mandado de prisão e um auto de apresentação espontânea. O auto havia sido preparado na véspera. Para evitar que a Polícia Federal divulgasse a versão de que seus agentes haviam capturado o ex-juiz, Toron exigiu que viajassem com o auto de apresentação espontânea.

O advogado tinha pressa, queria que o ex-juiz assinasse logo os documentos, mas o delegado Precioso parecia calmo, segundo Toron. O policial sugeriu que Nicolau tomasse um copo de água para se acalmar. Só depois pediu ao ex-juiz que assinasse os papéis.

De táxi, que ficara aguardando na porta do motel Fliper, voltaram ao aeroporto de Bagé. "O motorista de táxi ficou de orelha em pé. Ele estava entrando para a história", relata Toron.

Na volta para São Paulo, o avião emprestado do amigo do vizinho do advogado, pelo qual Toron diz ter pago só o combustível e taxas, fez uma escala em Caxias do Sul para abastecer. Por volta das 20h20, pousou no Campo de Marte, na zona norte de São Paulo. Carla Domenico e Edson Torihara, advogados que trabalham com Toron, aguardavam o trio na pista. À exceção de mecânicos se preparando para ir para casa, não havia ninguém no Campo de Marte no momento do desembarque, segundo Toron.

No Fiat Marea de Torihara, rumaram para a sede da Polícia Federal, na região central. Toron estava ao volante. Carla ia no banco do passageiro. Nicolau e o policial, no de trás.

Passaram uma vez pelo portão lateral da Polícia Federal, na avenida Rio Branco, mas ele estava fechado. Deram uma volta pelo centro, retornaram à PF e entraram sem ser notados. Pelo menos duas dúzias de jornalistas davam plantão na porta da Polícia Federal, mas ninguém percebeu a entrada de Nicolau. "Entramos como lordes", compara o advogado.

O ex-juiz se entregou, diz Toron, porque sentia muita falta das três filhas e da mãe, Rosa Maria Oriente. "As condições em que ele estava eram insustentáveis", afirma o advogado. Anteontem, quando Toron disse ao ex-juiz que ele poderia ver as filhas, Nicolau caiu no choro, segundo o advogado."Quero ver minha mãe. Quero minha mãe", repetia. "Aos 72 anos, ele queria colo", afirma Toron.

Sem humilhação

A tranquilidade na operação foi consequência das relações entre Precioso e Toron. O advogado conhece o delegado da PF desde 1995, quando dirigiu o Conselho Estadual de Entorpecentes. Precioso representava o Ministério da Justiça nas reuniões sobre política de combate às drogas, uma das especialidades de Toron.

"O Precioso é um grande policial, mas é ameno no trato, um cara legal. Eu tinha plena confiança nele. Ele foi muito honesto", diz.
Toron diz que ficou com uma única bronca do policial: "Eu levei uma maçã, ofereci educadamente para o Precioso, e ele aceitou".

O advogado diz que seu maior temor era de que a Polícia Federal fizesse alguma "loucura". Havia dois grupos da Polícia Federal tentando pegar Nicolau: um de negociação, dirigido por Precioso, e outro de caça. Toron não queria que seu cliente fosse humilhado pelo grupo que queria prender o ex-juiz.

As negociações para a entrega começaram havia três semanas. A primeira idéia era que o ex-juiz se entregasse no sábado retrasado. O plano foi abortado por receio de Nicolau de que a Polícia Federal não cumprisse a sua parte no acordo.

Toron diz ter asco da humilhação que acompanha certas prisões. Ele acredita que esse tipo de ritual ultrapassa as fronteiras da lei para virar espetáculo para a mídia.

O advogado compara esse tipo de prisão aos autos-de-fé, os ritos criados pela Inquisição no século 16 em que os penitenciados renunciavam às suas crenças ou eram queimados na fogueira.

Na entrega de Nicolau, venceu o grupo de negociação da Polícia Federal. Como exigia o ex-juiz, não houve espetáculo para a mídia nem humilhação.


 

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