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10/12/2000 - 08h48

Delegado contradiz versão de ministro

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LUCAS FIGUEIREDO
da Folha de S.Paulo

A operação policial que culminou com a rendição do ex-juiz Nicolau dos Santos Neto foi deflagrada há uma semana. A estratégia armada para permitir que Nicolau se entregasse contou com lances para evitar que o delegado que cumpriu o mandado de prisão fosse seguido.

A afirmação é do delegado da Polícia Federal Roberto Precioso Jr., que deu voz de prisão ao ex-juiz no Rio Grande do Sul. A declaração de Precioso Jr. contradiz com a versão do ministro da Justiça, José Gregori, que nega ter havido negociação para que Nicolau se entregasse.

Na madrugada de sábado, o delegado afirmou à Folha que ele foi o policial escolhido para cumprir o mandado de prisão do ex-juiz devido ao "relacionamento de confiança" que tem com o advogado de Nicolau, Alberto Toron.

"Houve a proposta de apresentação espontânea dele (Nicolau) há cerca de uma semana. Em razão disso, eu peguei o mandado de prisão, fui para lá (Rio Grande do Sul) hoje (sexta-feira) e o mandado foi cumprido", disse Precioso Jr.

O delegado afirmou que viajou de Brasília para Jundiaí (São Paulo) e de lá para Santa Maria (Rio Grande do Sul). "Em Santa Maria, trocamos de aeronave por precaução", informou Precioso Jr.

No segundo avião, o delegado voou então para Bagé, também no Rio Grande do Sul, de onde seguiu de carro até o motel Fliper, na BR-293, onde o ex-juiz Nicolau se rendeu.

Versões contraditórias

Na noite de sexta-feira, antes de embarcar para Roma, onde negociará a extradição do banqueiro Salvatore Alberto Cacciola (foragido há quase cinco meses), o ministro Gregori apresentou uma versão diferente da relatada pelo delegado Precioso Jr. A versão do ministro valoriza o trabalho da Polícia Federal e o governo de forma geral.

"A apresentação do juiz Nicolau foi incondicionada e não resultou de qualquer negociação ou acordo e, por certo, deu-se em razão do cerco que a equipe especial da Polícia Federal desenvolveu e da força-tarefa que, reunindo várias agências públicas, bloqueou, no exterior, vários de seus bens", disse Gregori em nota oficial.

Em entrevista coletiva na sua casa em São Paulo, convocada por sua assessoria, o ministro contou que a rendição se deu da seguinte forma:

1) Há cerca de 20 dias, o advogado de Nicolau informou ao ministro que havia a "hipótese" de o ex-juiz se entregar;

2) Depois disso, não houve mais contatos entre representantes de Nicolau e do governo;

3) Na última sexta-feira, o advogado do ex-juiz ligou para o delegado Precioso Jr., atualmente cedido ao Ministério da Justiça, "manifestando o desejo de apresentar seu cliente e solicitando que o acompanhasse até o local onde Nicolau se encontrava";

4) O delegado então pediu (e obteve) a autorização do diretor-geral da PF, Agílio Monteiro Filho, para acompanhar Toron até o esconderijo do ex-juiz.

Na nota divulgada à imprensa, o ministro chegou a dizer que a prisão de Nicolau -identificado no texto como juiz e não como ex-juiz- foi uma "lição" para a opinião pública, depois das críticas devido à incapacidade da polícia de prender o ex-juiz.

"No Brasil novo e democrático que estamos construindo, não há lugar para a impunidade. Cedo ou tarde, mas com a certeza das coisas inevitáveis, os que tiveram contas a ajustar com a Justiça -usem colarinho branco ou camiseta- serão alcançados pela firmeza da lei, sem violência, mas com o rigor de todas as suas consequências", afirmou o ministro.

O governo insiste na divulgação de que não teria havido negociação com o ex-juiz para tentar diminuir o desgaste na opinião pública. Entretando, a estratégia fica comprometida devido a falta de sincronia entre os relatos feitos por Gregori e pelo delegado Precioso Jr.de como teria sido armada a operação para que Nicolau se rendesse.

Rendição combinada

A Folha apurou que a operação se deu de forma diferente da versão do ministro. Houve sim um acordo, avalizado por Gregori, para que Nicolau se apresentasse espontaneamente e, em troca, não fosse algemado nem fotografado.

A rendição deveria ter acontecido em São Paulo no final da semana passada, quando o diretor-geral da PF estaria na cidade. A operação acabou sendo abortada por falta de condições logísticas para que Nicolau se deslocasse do seu esconderijo até São Paulo.

A informação de que o ex-juiz estava prestes a se render acabou vazando para a imprensa, que passou a montar plantões em frente aos edifícios da PF em São Paulo e Brasília.

Depois da primeira tentativa de concretizar o acordo, foi combinado então, com o ministro e com a cúpula da PF, que o ex-juiz se entregaria entre sexta e sábado passados.

Quando os detalhes da rendição começaram a ser acertados, há cerca de uma semana, Precioso Jr. foi informado de que seria o responsável por dar voz de prisão a Nicolau. O delegado chegou a fazer contato com colegas, solicitando apoio para cumprir o mandado de prisão.

O acordo fechado entre Toron e Gregori foi plenamente cumprido por ambas as partes: a rendição se confirmou na data prevista, e o ex-juiz foi poupado das algemas e também foi mantido longe dos repórteres, fotógrafos e cinegrafistas que faziam plantão na sede da PF em São Paulo.

Delegado conhecia ex-juiz

Quando ainda era uma autoridade do Judiciário, o ex-juiz Nicolau foi apresentado ao delegado que, anos mais tarde, daria voz de prisão a ele. Ambos não chegaram, porém, a manter qualquer relacionamento.

Precioso Jr., entretanto, é amigo do advogado de Nicolau, Alberto Toron. O bom relacionamento de Toron com Precioso Jr. foi o fator decisivo para que o delegado fosse o escolhido para formalizar a rendição do ex-juiz.

Casado com uma delegada da PF aposentada e pai de três filhas, Precioso Jr. é um policial de carreira. Foi delegado da polícia civil de São Paulo, tornando-se depois agente e delegado da PF, onde chegou a ser o segundo homem da instituição na superintendência de São Paulo.

Em 84, o delegado participou da equipe que prendeu, em São Paulo,o mafioso Tommaso Buscetta, legendário chefão da Cosa Nostra (máfia da Sicília, sul da Itália) que havia se refugiado no Brasil com nome falso.

Coube a Precioso Jr. lavrar o auto de prisão de Buscetta, que mais tarde foi extraditado para a Itália, onde se tornou colaborador de Justiça, provocando as maiores baixas na história da Cosa Nostra.

Reconhecido por seus colegas como um dos delegados mais experientes da corporação, sua especialidade é a área de repressão ao narcotráfico.
No ano passado, Precioso Jr. foi escolhido para ser o representante da PF na Senad (Secretaria Nacional Antidrogas), órgão vinculado ao Gabinete de Segurança Institucional, comandado pelo general Alberto Cardoso.

O cargo era considerado um dos mais espinhosos na Polícia Federal, já que a instituição resistia à criação da Senad por temor de perder o controle do setor de combate ao narcotráfico para os militares -uma reivindicação histórica de setores da caserna.

No seu trabalho na secretaria, Precioso Jr. acabou conquistando a confiança do então titular da Senad, Walter Maierovitch, ajudando a distencionar a relação entre as duas instituições.
 

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