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07/01/2001
-
09h20
SOLANO NASCIMENTO
da Folha de S. Paulo, em Brasília
Documentos do Departamento de Estado e da Inteligência Militar dos EUA produzidos entre 1938 e 1943 mostram que funcionários do governo norte-americano investigaram as relações da Varig e de seu fundador, Otto Ernst Meyer, com o nazismo.
De acordo com os relatórios, que foram preparados em sua maioria durante a Segunda Guerra Mundial, a empresa era controlada por alemães e selecionava funcionários levando em conta a ascendência germânica. Os documentos afirmam ainda que Meyer apoiava o nazismo.
O material foi encontrado pelo historiador gaúcho Alexandre Fortes, que fez uma tese para o curso de História Social do Trabalho sobre as mudanças na classe trabalhadora de Porto Alegre causadas pelo desenvolvimento de algumas empresas, entre as quais a Varig, e vai defendê-la no próximo dia 17 na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Os documentos estão guardados no National Archives and Records Administration (Arquivo Nacional dos Estados Unidos), em Washington.
Uma das primeiras referências à Varig na documentação aparece em uma carta escrita em março de 1938, antes do início da guerra, pelo vice-cônsul norte-americano em Porto Alegre, Guy Ray, ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Jefferson Caffery.
Na carta, que trata da importação de aviões da Alemanha, Ray afirma que a Varig "é controlada por alemães no que diz respeito à confecção da agenda, escolha de pilotos e compra de aviões".
Os primeiros aviões da Varig foram um hidroavião Dornier Wall, seguido dos Junkers F-13, Junkers A-50 e um Messerschmidt.
O tom dos comentários fica mais pesado em novo relatório preparado pelo consulado norte-americano em Porto Alegre, datado de setembro de 1939, quando a guerra já havia começado.
O documento do consulado transcreve um depoimento informal de um piloto da própria Varig, que teria afirmado que Meyer era "um cidadão alemão e forte apoiador do nazismo".
A pesquisa de Fortes mostra que Meyer nasceu na Alemanha e veio para o Brasil como aviador veterano da Primeira Guerra Mundial -tinha atuado na Luftwaffe (Força Aérea Alemã). Tentou criar uma companhia aérea em Pernambuco, não conseguiu e acabou fundando a Varig (Viação Aérea Rio-grandense) em Porto Alegre em 7 de maio de 1927.
A companhia e Meyer, segundo Fortes, tiveram participação ativa na Revolução de 30, apoiando o então governador Getúlio Vargas.
Derrotado pelo governador paulista Júlio Prestes na eleição presidencial daquele ano, Vargas liderou o movimento que culminou com a deposição do presidente Washington Luís, em 24 de outubro, e sua posse na Presidência, em 3 de novembro.
O governo Vargas insistiu em manter a neutralidade do Brasil no início da Segunda Guerra, resistindo à pressão dos Estados Unidos e de outros países aliados, e esperou três anos para declarar guerra à Alemanha.
Também em 1939, o novo vice-cônsul norte-americano em Porto Alegre, Francis Jordan, preparou um relatório chamado "O sistema aeroviário Varig no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil".
No documento, Jordan considera um risco a combinação entre as boas relações da Varig com políticos influentes no Brasil e suas ligações com a Alemanha.
Restrições dos EUA
As restrições do governo norte-americano à Varig reapareceram em 1942, quando a empresa gaúcha pediu aos Estados Unidos credenciamento para comprar aviões norte-americanos.
O primeiro pedido, que era apoiado inclusive pelo cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre, Daniel Braddock, foi negado pelo Departamento de Estado.
Em sua resposta, o governo norte-americano afirmou que não seria considerada a concessão de ajuda a qualquer companhia que não tivesse "eliminado todos os traços de influência alemã".
Rubem Berta, que havia assumido a direção administrativa da Varig, fez então um novo pedido ao Departamento de Estado norte-americano afirmando que Meyer havia se afastado da direção da empresa e que só restava um piloto alemão na companhia. O pedido também está guardado no Arquivo Nacional dos Estados Unidos, em Washington.
Nessa mesma época, no entanto, o Escritório de Serviços Estratégicos em Washington recebeu um relatório do Serviço de Informação tcheco-eslovaco em Nova York reforçando as suspeitas em relação à Varig.
O documento, escrito em francês e datado de maio de 1942, afirma que Otto Meyer esteve "envolvido em um episódio de espionagem na Bolívia e na Argentina", sem detalhar a acusação. O relatório afirma ainda que um outro dirigente da companhia trabalhou para o Ministério de Guerra alemão nas décadas de 20 e 30.
Ainda durante as negociações da Varig em busca de seu credenciamento, um adido militar norte-americano no Brasil preparou um relatório sobre a empresa afirmando que Meyer era "um bem conhecido nazista" e dizendo que um dos assessores que ajudou a fundar a companhia foi preso no Rio por ligações com o nazismo.
As negociações com os EUA prosseguiram e, em meados de 1943, com a ajuda de políticos brasileiros, a empresa conseguiu finalizar o processo de compra dos aviões norte-americanos.
Ao analisar a documentação sobre a Varig e seu fundador, o historiador Alexandre Fortes levanta duas hipóteses principais: Meyer teria sido uma espécie de agente dos ideais e da política alemã ou então seria um empreendedor individual que, por causa de seu passado militar, aderiu de modo apaixonado à ideologia nazista.
"A fronteira das duas imagens se funde, e talvez nunca tenhamos todos os elementos para ir além das fortes sugestões", afirma.
Para os EUA, Varig teria apoiado nazismo
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da Folha de S. Paulo, em Brasília
Documentos do Departamento de Estado e da Inteligência Militar dos EUA produzidos entre 1938 e 1943 mostram que funcionários do governo norte-americano investigaram as relações da Varig e de seu fundador, Otto Ernst Meyer, com o nazismo.
De acordo com os relatórios, que foram preparados em sua maioria durante a Segunda Guerra Mundial, a empresa era controlada por alemães e selecionava funcionários levando em conta a ascendência germânica. Os documentos afirmam ainda que Meyer apoiava o nazismo.
O material foi encontrado pelo historiador gaúcho Alexandre Fortes, que fez uma tese para o curso de História Social do Trabalho sobre as mudanças na classe trabalhadora de Porto Alegre causadas pelo desenvolvimento de algumas empresas, entre as quais a Varig, e vai defendê-la no próximo dia 17 na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Os documentos estão guardados no National Archives and Records Administration (Arquivo Nacional dos Estados Unidos), em Washington.
Uma das primeiras referências à Varig na documentação aparece em uma carta escrita em março de 1938, antes do início da guerra, pelo vice-cônsul norte-americano em Porto Alegre, Guy Ray, ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Jefferson Caffery.
Na carta, que trata da importação de aviões da Alemanha, Ray afirma que a Varig "é controlada por alemães no que diz respeito à confecção da agenda, escolha de pilotos e compra de aviões".
Os primeiros aviões da Varig foram um hidroavião Dornier Wall, seguido dos Junkers F-13, Junkers A-50 e um Messerschmidt.
O tom dos comentários fica mais pesado em novo relatório preparado pelo consulado norte-americano em Porto Alegre, datado de setembro de 1939, quando a guerra já havia começado.
O documento do consulado transcreve um depoimento informal de um piloto da própria Varig, que teria afirmado que Meyer era "um cidadão alemão e forte apoiador do nazismo".
A pesquisa de Fortes mostra que Meyer nasceu na Alemanha e veio para o Brasil como aviador veterano da Primeira Guerra Mundial -tinha atuado na Luftwaffe (Força Aérea Alemã). Tentou criar uma companhia aérea em Pernambuco, não conseguiu e acabou fundando a Varig (Viação Aérea Rio-grandense) em Porto Alegre em 7 de maio de 1927.
A companhia e Meyer, segundo Fortes, tiveram participação ativa na Revolução de 30, apoiando o então governador Getúlio Vargas.
Derrotado pelo governador paulista Júlio Prestes na eleição presidencial daquele ano, Vargas liderou o movimento que culminou com a deposição do presidente Washington Luís, em 24 de outubro, e sua posse na Presidência, em 3 de novembro.
O governo Vargas insistiu em manter a neutralidade do Brasil no início da Segunda Guerra, resistindo à pressão dos Estados Unidos e de outros países aliados, e esperou três anos para declarar guerra à Alemanha.
Também em 1939, o novo vice-cônsul norte-americano em Porto Alegre, Francis Jordan, preparou um relatório chamado "O sistema aeroviário Varig no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil".
No documento, Jordan considera um risco a combinação entre as boas relações da Varig com políticos influentes no Brasil e suas ligações com a Alemanha.
Restrições dos EUA
As restrições do governo norte-americano à Varig reapareceram em 1942, quando a empresa gaúcha pediu aos Estados Unidos credenciamento para comprar aviões norte-americanos.
O primeiro pedido, que era apoiado inclusive pelo cônsul dos Estados Unidos em Porto Alegre, Daniel Braddock, foi negado pelo Departamento de Estado.
Em sua resposta, o governo norte-americano afirmou que não seria considerada a concessão de ajuda a qualquer companhia que não tivesse "eliminado todos os traços de influência alemã".
Rubem Berta, que havia assumido a direção administrativa da Varig, fez então um novo pedido ao Departamento de Estado norte-americano afirmando que Meyer havia se afastado da direção da empresa e que só restava um piloto alemão na companhia. O pedido também está guardado no Arquivo Nacional dos Estados Unidos, em Washington.
Nessa mesma época, no entanto, o Escritório de Serviços Estratégicos em Washington recebeu um relatório do Serviço de Informação tcheco-eslovaco em Nova York reforçando as suspeitas em relação à Varig.
O documento, escrito em francês e datado de maio de 1942, afirma que Otto Meyer esteve "envolvido em um episódio de espionagem na Bolívia e na Argentina", sem detalhar a acusação. O relatório afirma ainda que um outro dirigente da companhia trabalhou para o Ministério de Guerra alemão nas décadas de 20 e 30.
Ainda durante as negociações da Varig em busca de seu credenciamento, um adido militar norte-americano no Brasil preparou um relatório sobre a empresa afirmando que Meyer era "um bem conhecido nazista" e dizendo que um dos assessores que ajudou a fundar a companhia foi preso no Rio por ligações com o nazismo.
As negociações com os EUA prosseguiram e, em meados de 1943, com a ajuda de políticos brasileiros, a empresa conseguiu finalizar o processo de compra dos aviões norte-americanos.
Ao analisar a documentação sobre a Varig e seu fundador, o historiador Alexandre Fortes levanta duas hipóteses principais: Meyer teria sido uma espécie de agente dos ideais e da política alemã ou então seria um empreendedor individual que, por causa de seu passado militar, aderiu de modo apaixonado à ideologia nazista.
"A fronteira das duas imagens se funde, e talvez nunca tenhamos todos os elementos para ir além das fortes sugestões", afirma.
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