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25/01/2001 - 21h44

Confira a íntegra do discurso do ministro Pratini na Suíça

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da Folha Online

Confira a seguir a íntegra do discurso do ministro da Agricultura e do Abastecimento, Marcus Vinicius Pratini de Moraes, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial, Davos, na Suíça:

"É, para mim, um prazer poder participar, na condição de ministro da Agricultura e do Abastecimento do Brasil, desta sessão de abertura do Encontro Anual do Fórum Econômico Mundial. Em uma iniciativa muito positiva, o Fórum resolveu dedicar esta primeira sessão a uma troca de visões a respeito da Globalização sob a perspectiva dos países do Sul.

Muito foi dito e escrito sobre a Globalização, tanto da perspectiva daqueles que vêem o processo como resultado inescapável e inevitável da integração da produção econômica em bases planetárias, quanto do ponto de vista crítico daqueles que consideram que a Globalização irá aumentar significativamente a concentração de poder político e de prosperidade econômica entre um número relativamente pequeno de países, além de aumentar a diferença existente entre países ricos e pobres, assim aprofundando a crescente marginalização destes últimos.

As barulhentas e, às vezes, violentas demonstrações que, recentemente, testemunhamos em muitos encontros internacionais, não devem ser interpretadas como sendo apenas movimentos românticos ou mesmo como o resultado da ação organizada de extremistas radicais. Apesar de não podermos aceitar que a violência substitua a troca civilizada e democrática de pontos de vista, as demonstrações refletem as controvérsias levantadas pela Globalização e pedem por uma consideração mais séria e atenciosa da causa deste 'mal` no que diz respeito ao processo de Globalização.

Neste momento, um encontro chamado Fórum Econômico Mundial está sendo realizado em minha cidade natal, Porto Alegre, no sul do Brasil. Esperemos que as discussões aqui e lá possam facilitar a troca de perspectivas sobre a Globalização e que ambos possam abrir novos caminhos de comunicação para substituir preconceitos e desentendimentos por meio da discussão direta e da troca de visões.

Da perspectiva do Brasil, a Globalização - considerada uma realidade inevitável resultante do processo evolutivo - deve estar sujeita a regras governamentais de consenso a fim de assegurar que tal processo leve, não somente à distribuição eqüitativa de benefícios entre os países, como também a uma percepção ampla de que esta meta pode efetivamente ser atingida.

Venho a este encontro, na condição de ministro da Agricultura e do Abastecimento de um país dentre os maiores produtores agrícolas do mundo. Com uma área de 8,5 milhões de quilômetros quadrados, o Brasil encontra-se na posição de quinto maior país do mundo.

Em termos de população, os recentes resultados do censo indicam sermos a sexta maior população, com 170 milhões de pessoas. Em um território de 850 milhões de hectares, dos quais 350 milhões estão cobertos com a Floresta Amazônica, a área cultivada total, tanto de culturas permanentes como temporárias, é de apenas 50 milhões de hectares, enquanto 220 milhões de hectares são utilizados como pastagens para a criação extensiva de animais.

Como ilustração do potencial do setor agrícola brasileiro, eu gostaria de ressaltar o fato de que o Brasil ainda possui 90 milhões de hectares de terra disponíveis para a produção de grãos, na vasta área central e nos cerrados do norte, que podem ser desenvolvidos sem prejuízos ao meio ambiente. Somente para lhes dar uma idéia do que isto poderia representar em termos do aumento da oferta de produtos agrícolas no mercado mundial, esta área ainda inexplorada é quase equivalente ao total da área atualmente cultivada com milho, soja e trigo nos Estados Unidos.

A participação do setor agrícola no PIB brasileiro é de 10%.

Entretanto, se considerarmos as indústrias acima e abaixo da atividade principal, as atividades do agronegócio, de forma geral, participam com 1/3 de nosso PIB. 27 milhões de brasileiros dependem diretamente das atividades do agronegócio. Estes números ilustram a crucial importância da abertura comercial agrícola para o Brasil.

Se, como eu espero, todos aqui reunidos compartilham de uma preocupação genuína em como alcançar uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios da Globalização, não devemos evitar uma discussão séria sobre a necessidade de atingirmos uma liberalização efetiva no comércio agrícola.

A agricultura não pode continuar sendo tratada como um setor especial, que precisa de "regras especiais" que perpetuam políticas de manutenção de cadeias produtivas ineficientes, graças aos pesados subsídios dados pelos Tesouros Nacionais. Se queremos garantir que países em desenvolvimento e competitivos se beneficiem dos resultados da Globalização, devemos garantir que seus produtos competitivos na fazenda, permaneçam competitivos quando da exportação ao mercado internacional.

Em recentes reuniões internacionais, eu estive reiterando que o Tesouro brasileiro não pode competir com os Tesouros das economias desenvolvidas em termos de dar subsídios agrícolas à exportação. Estimativas da OCDE indicam que foram dados mais de US$ 360 bilhões de dólares como subsídios à agricultura nos países desenvolvidos. Isto significa diezer que, praticamente, 1 bilhão de dólares por dia foram alocados como subsídios à agricultura no mundo desenvolvido.

Muitos irão logo argumentar que a liberalização do comércio agrícola por si só não irá ajudar a resolver os problemas enfrentados pelos países importadores de alimentos ou por aqueles flagelados pela fome. Mas eu sustento que a manutenção de pesados subsídios em países ricos não só contribui para deprimir os preços das commodities, mas, também, aumenta a dependência dos países em desenvolvimento e desencoraja novos investimentos na expansão da produção agrícola naqueles menos desenvolvidos.

A resistência levantada por alguns países desenvolvidos à idéia de se alcançar uma ampla liberalização do comércio agrícola "desmoraliza" o conceito próprio de liberalização comercial.

Países competitivos na área agrícola não podem aceitar que este conceito seja tratado com diferentes pesos e medidas. Por um lado, países em desenvolvimento são lecionados sobre os benefícios da abertura de seus mercados, reduzindo suas tarifas e liberalizando seu setor de serviços.

Mas quando levantamos a questão crucial de como garantir crescimento sustentável de suas receitas de exportação, os mesmos países que pregam a abertura das economias em desenvolvimento, resistem a qualquer movimento significativo de redução do nível de barreiras que restringem o acesso a seus mercados por parte das exportações agrícolas dos países em desenvolvimento.

De forma simples, a Globalização não pode ser aceitável se perpetuar ainda mais os ganhos assimétricos dos países desenvolvidos, aumentando-lhes as oportunidades de exportação de produtos com alto conteúdo tecnológico e ampliando seu acesso ao setor de serviços nos países em desenvolvimento, enquanto a agricultura é mantida à margem sob alegações de sua presumida 'multifuncionalidade`.

Reitero que este conceito de multifuncionalidade tende a se tornar a nova desculpa utilizada pelos países desenvolvidos para justificar seus mecanismos cada vez mais sofisticados de proteção e os adicionais subsídios à agricultura, sob o argumento de 'preservação de áreas verdes`, 'desenvolvimento da agricultura familiar`, 'preservação de pastagens`, 'garantia de segurança alimentar`, etc..

Durante as duas últimas décadas, o Brasil desenvolveu uma das agriculturas mais eficientes do mundo. Somos o maior produtor mundial de cana de açúcar (334,5 milhões de toneladas), de laranjas (19,4 milhões de toneladas) e de café (3,3 milhões de toneladas). Somos, ainda, o segundo maior produtor de soja em grãos (30,8 milhões de toneladas), de milho (32,4 milhões de toneladas), de carne bovina (6,4 milhões de toneladas) e de frango (4,4 milhões de toneladas), bem como o terceiro maior produtor de frutas (34 milhões de toneladas).

Estimamos que a produção de grãos para a safra 2000-2001 seja de 91,3 milhões de toneladas. Gostaria de ressaltar que este rendimento será alcançado com aproximadamente a mesma área cultivada que detínhamos há dez anos (38,8 milhões de hectares).

Isto demonstra o significativo aumento de produtividade alcançado pela agricultura brasileira.

Estivemos, também, engendrando esforços para aumentar a qualidade e a sanidade de nossos produtos agropecuários. Conseguimos erradicar a febre aftosa das regiões sul, central e leste do Brasil. Isto significa que 80% de nosso rebanho bovino está livre da febre aftosa. A peste suína clássica também foi erradicada.

Ainda assim, apesar de nossos esforços em termos de aumento de produtividade e de padrões de qualidade e de sanidade, nossas exportações têm sido constantemente limitadas por uma gama de barreiras cada vez mais sofisticadas. Gostaria de citar um pequeno trecho do relatório preparado pelo secretariado da Organização Mundial do Comércio para a última Resenha de Política Comercial.

Na avaliação da própria OMC, 'diversos produtos agrícolas brasileiros competem em mercados internacionais distorcidos por subsídios e significativas barreiras comerciais, apesar dos progressos alcançados nessas áreas após a conclusão da Rodada Uruguai`. O relatório afirma, também, que 'distorções prejudicam mais o Brasil do que a maioria dos países, devido à sua vantagem comparativa na agricultura e ao seu potencial de expandir ainda mais a sua fronteira produtiva. O Brasil está entre os produtores de custo mais baixo de café, suco de laranja, carne suína, frangos, soja, açúcar e fumo, e tem potencial considerável para carne e algodão`.

Somente para lhes dar alguns exemplos: (I) Apesar de ser o maior produtor de laranjas, as exportações brasileiras de suco de laranja enfrentam enormes picos tarifários no mercado dos Estados Unidos ($418 dólares por tonelada, o que representa 50% em bases ad valorem); (II) Apesar do Brasil ter logrado os mais altos padrões produtivos em termos de cana de açúcar, ainda enfrentamos sérias dificuldades no fortemente regulado mercado internacional de açúcar.

O acesso ao mercado norte-americano é limitado por cotas de importação. Na Europa, os altos subsídios dados aos produtores de açúcar de beterraba, impossibilitam as exportações brasileiras de açúcar para os países africanos; (III) Os pesados subsídios dados à carne de frango na Europa também ajudam a desviar as competitivas exportações brasileiras em terceiros mercados; (IV) Nossas exportações de café solúvel e de óleo de soja enfrentam escaladas tarifárias; (V) Com relação às exportações de carne bovina, mesmo o Brasil tendo erradicado a febre aftosa das mais importantes áreas de criação, nossas exportações de carne fresca e refrigerada ainda estão impedidas de entrar em inúmeros mercados; (VI) Nossas exportações de frutas tropicais estão, também, limitadas por um número crescente de barreiras fitossanitárias impostas nos mercados industrializados.

Eu poderia continuar citando exemplos das barreiras enfrentadas pelos nossos competitivos produtos de exportação, entretanto, estou certo de que a maior parte de vocês conhece bem esta situação.

Estamos, também, cada vez mais preocupados com o recorrente recurso a regulamentos sanitários e fitossanitários como forma de barrar o comércio agrícola. Logicamente, sabemos da necessidade de garantir altos padrões de qualidade para produtos alimentícios e de proteger a saúde dos consumidores, mas não podemos aceitar que, na busca por uma política de risco zero, países adotem uma crescente gama de regulamentos sanitários que impedem o acesso de produtos competitivos originários de países em desenvolvimento a seus mercados.

Senhoras e Senhores, durante os últimos anos, a economia brasileira passou por profundas e amplas reformas, cujo objetivo é assegurar sua inserção competitiva no mercado internacional. Conseguimos reduzir a inflação, estabilizar a economia e manter nosso mercado aberto à concorrência externa. Desde 1994, acumulamos bilhões de dólares em déficits comerciais, mas conseguimos alcançar um limite em termos de outros déficits.

Precisamos colher os resultados dos esforços gastos na busca pela modernização e estabilização econômicas. O Brasil é o produtor agrícola mundial mais competitivo e precisamos garantir crescentes resultados positivos em nossa balança comercial do agronegócio a fim de permanecer em situação favorável que nos possibilite honrar nossos compromissos financeiros externos.

Vindo de um país em desenvolvimento ao qual foi solicitado, durante a Rodada Uruguai, que fizesse importantes concessões e beneficiar as exportações de produtos industriais e serviços de países ricos e desenvolvidos, eu confesso minha imensa dificuldade em compreender o porque de ainda haver tanta resistência à idéia de liberalizar o comércio agrícola.

As perspectivas para o lançamento de uma rodada multilateral de negociações comerciais no âmbito da OMC ainda são incertas.

Contudo, para países competitivos na área da agricultura, as negociações só podem fazer sentido se elas efetivamente abrangerem a área agrícola e contribuírem para significativamente reduzir os níveis de subsídios agrícolas dados nas economias industrializadas e melhorar as condições de acesso a mercados para produtos do interesse dos países em desenvolvimento.

Senhoras e Senhores, da perspectiva do Brasil, a liberalização do comércio agrícola é indispensável para garantir que os países em desenvolvimento possam se beneficiar igualmente da Globalização. Obrigado."

As informações são da Agência Brasil.
 

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