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20/02/2001 - 16h06

Leia íntegra de discurso de FHC em reunião com prefeitos

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da Folha Online

Leia na íntegra o discurso do presidente Fernando Henrique Cardoso, durante o encontro com 60 prefeitos de municípios pobres do Brasil:

"Senhor vice-presidente, Marco Maciel,
Senhores ministros de Estado,
Senhoras e senhores prefeitos,
Senhoras e senhores,

Nós, desde julho do ano passado, demos início a este programa, cuja síntese acabamos de ver, aqui, através desse vídeo. A iniciativa era simples. Até que a idéia tinha uma simplicidade revolucionária. Nós, com base em diagnósticos precisos das áreas carentes, a partir do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), que os senhores e as senhoras sabem do que se trata, identificamos cerca de 2.300 municípios que são aqueles que concentram a pobreza existente no Brasil. E, nesses municípios, tomamos a decisão de fazer um conjunto de ações, que, medidas pela ótica orçamentária, chegam a R$ 13 bilhões.

Impressiona. R$ 13 bilhões são uma massa de recursos que creio que nunca, nunca, na nossa História, foi canalizada para as áreas mais pobres e para os setores mais pobres das áreas pobres. Até porque as áreas mais pobres, os setores mais pobres, são os que menos voz têm para gritar. Aparecem menos, é difícil fazer aparecer. Mas, o importante não são os R$ 13 bilhões. O importante é ver que isto é uma idéia que está tendo acolhida.

E o fato de recebê-los, aqui, hoje, 60 primeiros prefeitos e prefeitas que aqui vêm, é o que conta. O que conta é que o Brasil, hoje, sabe que, se quisermos avançar, e queremos, a palavra-chave é parceria. Não queremos o monopólio de nada. O recurso é do governo federal, a coordenação é da Dra. Wanda Engel, que é do Ministério da Previdência Social, a ação é de vários Ministérios.

Mas não é isso que conta. O que conta é a capacidade que nós venhamos a ter de mostrar que o desafio de combate à pobreza é um desafio nacional, que não está monopolizado por nenhum governo, por nenhum partido, nem por nenhum setor da administração. É de todos nós.

Aqui não estamos perguntando de que partido o prefeito ou a prefeita é. Não estamos perguntando se essa verba é do Ministério tal ou qual, se é do governador do Estado tal ou qual. Estamos vendo que é preciso que haja, realmente, um grande mutirão, que é possível combater a pobreza sem demagogia, sem fazer discursos bombásticos, mas no trabalho cotidiano.

Impressiona mais ver os depoimentos singelos dos que estão trabalhando, como algumas médicas que aí apareceram, dos jovens que estão se articulando nisso e das pessoas que são beneficiadas por esses programas, do que qualquer discurso que se possa fazer.

Esse projeto não nasceu pura e simplesmente do nada. Estamos trabalhando há muito tempo. Todos as siglas de que hoje se fala foram criadas no meu governo. Todas, sem exceção. É Pronaf, é Proger, é Fundef, é agente comunitário, são médicos de família, é 'Toda Criança na Escola', tudo, tudo foi feito a partir do nosso governo, que não ficou dizendo pelo mundo afora que estava fazendo combate à pobreza e 'tudo pelo social'. Não. Não adianta, deixemos que os outros digam, ou que reclamem. O que adianta é saber se fez ou não fez e nós estamos fazendo. Estamos fazendo diuturnamente. E isso é trabalho que envolve milhares de pessoas, e que envolve entusiasmo. Por isso é que quero, aqui, agradecer à Dra. Wanda Engel, porque ela tem entusiasmo, ela fala com o coração saltando, isso é o que precisamos para que esses projetos, realmente, possam avançar.

Ao todo, são 15 programas que já existiam, mas que vão ter um impulso muito grande. E que ao existir dispersamente podem não dar a impressão das transformações em que estamos empenhados no Brasil, mas, que, quando se coordenam, quando se mostra o conjunto, se vê o quanto se está alavancando para essa transformação.

Muitos programas: Alfabetização Solidária apareceu aí, o esforço no ensino fundamental, que já é mais conhecido e reconhecido, a garantia de renda mínima. Os senhores sabem quanto, através do Orçamento, se tira dos impostos, de quem paga imposto? E são os mais ricos. E as empresas nunca pagaram tanto imposto como agora. Os bancos nunca, na História do Brasil, pagaram tanto como agora. O setor financeiro nunca pagou tanto como agora. Sabem quanto desse recurso é distribuído sob a forma, uma forma ou outra, do que hoje se chama de renda mínima? Não sei exatamente este ano, mas é mais de R$ 20 bilhões.

Esse recurso é passado para os mais pobres. Sob a forma de quê? Sob a forma de aposentadoria rural para quem nunca contribuiu porque não tinha como; sob a forma do Programa de Bolsa-Escola, que agora vai ter um impulso imenso, sob a forma da Loas, que é a Lei Orgânica de Assistência Social, que ajuda os mais idosos e para os portadores de deficiência, sob a forma do que chama-se Peti (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), que tira a criança do trabalho forçado.

Quando se soma tudo isso, são quase R$ 30 bilhões passados para aqueles que realmente mais carecem desses recursos. E eu me cansei de ouvir gente que está bem na vida dizer: ah, eu não vou pagar imposto, porque o governo não sabe, porque a gente não sabe o que o governo faz com esse dinheiro. Sabe, sim. Não sabe, se for preguiçoso. Está publicado, está na Internet, está nesses programas, dá para ser criticado, pode fazer melhor. Mas sabe, sim, não paga porque é sonegador.

Vou repetir o que tenho dito com muita clareza: nós estamos combatendo a sonegação e a corrupção. Outro dia eu disse: a corrupção é nojenta, sobretudo quando se trata de corrupção nos setores das áreas mais pobres, que pegam os programas sociais. Isso, para mim, não é palavra que digo hoje, a vida inteira fui assim, sempre tive horror à corrupção. E, continuamos a ter este mesmo horror. E por isso estamos aperfeiçoando os mecanismos de controle que só tem um objetivo: dar visibilidade ao que se faz.

Isso que nós vimos aí, da Previdência Social, que a pessoa tenha o seu cartão e vai lá diretamente e recebe, é cidadania por um lado e é mecanismo claro de que o dinheiro chega lá. E nós estamos fazendo isso agora, com o Bolsa-Escola. Onde vamos fazer esse mesmo mecanismo que a mãe de família, se for possível, se não for possível, o responsável pela criança vai ter o cartãozinho lá. Cartãozinho para receber diretamente esse dinheiro no banco.

Assim, não é possível depois manchete de jornal: 'foi desviado, não sei o que lá'. E aí se acusam em bloco todos os prefeitos, para não falar das outras autoridades, de terem sido coniventes com o desvio que eventualmente possa ter havido aqui e ali. Ao invés de ficar tentando combate no miúdo, combate-se no atacado. Estamos informatizando. Isso vai ser feito também no Ministério da Saúde, com o cartão da saúde também.

Então isto é uma revolução que é possível hoje, porque nós hoje temos os meios técnicos. E emociona ver aquela senhora tentando acertar, consegue ou não consegue, mas não sou só eu, não é só para velho, e acerta. Porque o nosso povo aprende rapidamente essas técnicas mais modernas.

E elas permitem, portanto, que se multiplique muito, muito, o efeito, e, mais do que o efeito, o sentimento que a pessoa tem de cidadania, que ela está recebendo aquilo a que tem direito, não é uma esmola. E não é um favor político, não é para votar no vereador, no prefeito, no governador e no presidente. É porque ela tem o direito de receber e vai receber, independentemente de em quem ela vote. Vota em quem quiser, mas recebe porque tem o direito de receber, porque a sociedade deve aos mais pobres, tem uma dívida social que nós estamos começando, sim, a pagar, estamos começando, sim, a atuar de modo que essa dívida social seja reparada. Dívida de 500 anos, que não se repara em quatro, em oito, em doze ou em dezesseis anos, mas que se repara com a continuidade desse conjunto de programas.

Às vezes, pasma-se, são coisas simples. Proposta, por exemplo: vamos colocar água encanada em todas as escolas. Cabe um país que vende avião lá fora, que tem alta tecnologia, que participa do programa do Genoma, que é capaz de fazer perfuração de petróleo nas águas profundas, cabe que o governo ainda hoje tenha que botar água encanada nas escolas? Essa é a nossa chaga. Mas ao invés de pura e simplesmente nos queixarmos da chaga, nós estamos corrigindo a chaga. Vamos, sim, colocar água encanada em cada escola do Brasil.

Programa simples, luz no campo. Botar luz elétrica. Até eu terminar meu mandato, 90% das famílias no campo terão eletricidade. Comparem com o que havia. Então, é uma modificação muito grande em toda esta questão e que - repito - nós temos que fazer isso com esse espírito de atacar os problemas onde eles estão, os problemas simples com soluções também simples, mas que funcionem. E esses 'Portais do Alvorada', sempre com a cor verde e amarela, são também importantes, porque são um ponto de apoio para a população.

Agora, esse ponto de apoio vale muito, mas se nós não tivermos a capacidade da parceria com os prefeitos... E o prefeito, eu imagino a dificuldade dos senhores, eu tenho uma dificuldade imensa com o Brasil. Todo mundo cobra tudo dos senhores, cobra mais diretamente até, porque estão ali onde os problemas existem. De manhã cedo, à porta das suas casas, estão lá as pessoas batendo. Aqui tem que pedir audiência, lá vai direto. Mas eu me sinto solidário porque sei o que é ser chefe de Executivo. E vocês são chefes de Executivo.

Quer dizer, se não houver este envolvimento e se não houver uma articulação com a sociedade, e se não houver o governador entendendo que o prefeito é instrumento desta ação, e se o governo federal não entender que o governo estadual mais os prefeitos são instrumentos dessa ação, se nós ficarmos, cada um, entrincheirados no nosso campo, para saber quem vai ganhar a eleição futura, quem paga é o pobre.

Acabou essa época. Nós temos que ter uma época, realmente, da parceria, da solidariedade, da disposição, de um trabalho que seja um trabalho que permita que a comunidade sinta que ela tem dignidade e que está sendo atendida.

Não quero cansá-los com muitas palavras, até porque acabei de dizer, não acho que seja a palavra não é o fundamental. Só quero lhes dizer que isso não pode ser uma ação isolada da Presidência da República, porque se for uma ação isolada, ela morre. E ela pode até viver nos vídeos, na propaganda, mas não vai viver na vida. Vai viver ali onde ela realmente existe. Isso tem que ser uma ação de todos nós.

E é com esse espírito que os recebo hoje, aqui, esta manhã, no Palácio do Planalto, para lhes dizer que se há alguma coisa que retempera o ânimo de todos nós, é ver o que acabamos de ver há pouco. Mas o que vai retemperar mais é, daqui a um ano, voltarmos a analisar. Será que avançou? Quanto avançou? E nós escolhemos instrumentos simples também de mensuração, porque o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH, é mensurável, nós vamos poder saber se o efeito está ocorrendo positivo nas ações que estamos desempenhando. E, se não estiver, temos que mudar os programas.

Também quero lhes dizer que esse espírito, digamos assim, quase experimental, deve ser o que nos orienta. Há muitos programas, embora sociais, que não dão certo. Quando não dão certo, há que acabar com eles. O governo federal tomou a decisão de restringir o programa de cesta básica. Restringir, não de acabar, porque certas regiões precisam. Porque nós estamos criando outros mecanismos que nos parecem melhores.

Então, damos o dinheiro diretamente para comprar os recursos. Cada um compra como quiser, para valorizar o quê? A produção local. Porque o cesta básica compra no Sul e manda para o Nordeste. Quem ganha? Sabe Deus. Não é por outra razão. Embora, num primeiro momento, pudesse ter parecido - Ah, o governo federal não vai dar mais comida. Não. Vai melhorar o mecanismo pelo qual se garante nutrição para a população. E vai melhorar progressivamente, porque não se pode fazer da noite para o dia uma mudança desse porte, mas os senhores sabem das dificuldades que existem, e quanto existe também de possibilidade de exploração num programa de cesta básica. Enquanto que um programa de acesso direto ao recurso permite que haja decisões da família.

E nós temos que voltar a valorizar com muita ênfase a família. Uma sociedade complexa, moderna, como está sendo a brasileira, não pode ser oposto de uma sociedade onde há comunidade e coesão social. Nós temos que voltar a despertar esses valores que mencionei há pouco, de solidariedade, mas também revalorizar a ação da família.

Não é por acaso que o ministro da Educação está lançando um programa fazendo com que os pais frequentem a escola, vão à escola para verificar o que está acontecendo. Temos que voltar a despertar essa consciência, que eu não acredito que tenha morrido, em todo este imenso país, de que é preciso ter uma ação que vá além do Estado e que esteja na família. E nós vimos aí as fotografias, as imagens para verificar que as famílias estão funcionando, que elas existem. E nós sabemos, também, que a mãe tem mais capilaridade, ela sente mais os problemas. E, muitas vezes, é mais eficaz dar o recurso à mãe do que a outros membros da família, porque ela tem essa capacidade de sentir mais os problemas e de atuar mais com aquele amor que lhe é próprio aos filhos e fazer com que as coisas fluam de uma maneira mais adequada.

De modo que queria agradecer a presença de vocês, aqui, e dizer que, para mim, é realmente uma grande satisfação ver que esses programas estão avançando e dizer, para terminar aquilo que comecei: são R$ 13 bilhões, mas, sem parcerias, sem solidariedade, sem amor, sem desprendimento e sem vontade efetivamente de mudar o Brasil, esses R$ 13 bilhões vão embora como tantos e tantos bilhões foram embora no Brasil.

Esse programa não é para gritar quanto estamos gastando nele, é para saber como estamos gastando, com quem estamos gastando, de que maneira estamos fazendo. Portanto, este programa não é meu, não, não é do presidente Fernando Henrique, é de cada prefeito, de cada governador, de cada família brasileira, pobre ou não, mas que esteja empenhada, como nós estamos, em melhorar as condições de vida e erradicar a pobreza no Brasil.

Muito obrigado."
 

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