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06/03/2001 - 11h55

Entrevistas de Covas: "Tenho prazer especial em discutir" (1998)

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da Revista da Folha

Disputando ponto a ponto um lugar no segundo turno das eleições de São Paulo, e devidamente fustigado por nove jornalistas, o governador-licenciado Mario Covas, 68, deixou o fair-play de lado e chutou de bico: citou 11 vezes seu concorrente Paulo Maluf durante a entrevista, acusando-o de fazer o jogo do "quanto pior, melhor", de tentar ludibriar o eleitor com suas aparições ao lado do presidente Fernando Henrique Cardoso e até de ser "frangueiro" _ele teria jogado apenas uma vez, e muito mal, no gol do time da Escola Politécnica (USP), onde os dois estudaram. "Chutador ele é até hoje", afirma Covas.
Apesar da maledicência, Covas garante que o "sangue raramente lhe sobe à cabeça". Admite que "tem um prazer especial em discutir", mas explica que, quando bate boca com um eleitor na rua, é para dar a "consideração" de uma resposta.

Não se considera também mau-humorado. "Nasci na beira do cais. Quem nasce na Baixada não pode ser mau-humorado", diz o santista.
O candidato do PSDB acha que "não precisa ser concursado em sorriso", porque não pretende "vender pasta de dente". Mas, ele admite que divulgou mal seu governo, que, segundo seus cálculos, foi melhor em todas as áreas que os anteriores.

Com d. Lila desde os 15 anos, Covas afirma que não houve outras mulheres "nem na época do namoro". Mas, dá pelo menos uma dica para evitar problemas em casa: "Deixe a marca de batom no rosto, porque, no lenço, você vai ter que explicar..." A entrevista foi feita por Clóvis Rossi, Suzana Singer, Vinícius Torres Freire, Xico Sá, Marilene Felinto, José Roberto Torrero, Júlio Abramczy, Rita Lobo e Sérgio Dávila.

Rossi - Consta que a divergência Covas-Maluf vem dos tempos da Escola Politécnica. Se é verdade, como é que ela se expressava? No centro acadêmico, em jogo de futebol, nas melhores notas?

Covas - Em futebol não, porque o Maluf não praticava. Ele tentou uma vez ser goleiro e logo ganhou o apelido de frangueiro.

Suzana - Não é verdade, então, o que ele contou aqui? Que chutava bem com as duas pernas e que era ótimo cabeceador?

Covas - Chutador, ele é até hoje (risos). Agora, cabeceador, não sei dizer. Na Politécnica, ele provavelmente já havia se aposentado.

Rossi - Ele não era santo e já fazia, ou era santo e não fazia?

Covas - Eu não sei que tipo de pecado ele praticava naquela época... Mas sei que o segundo rei de Roma, chamado Numa Pompílio, perdeu a coroa porque se meteu com precatório (referência a Maluf, que, em entrevista à

Revista, citou, de, memória, os sete reis de Roma). Sou completamente diferente do Maluf nas atitudes que adoto e nos princípios em que acredito. Mas as minhas divergências não são pessoais.

Vinícius - Se, na rua, xingam o candidato Paulo Maluf, ele continua sorrindo e dizendo "muito obrigado". Quando alguém acusa o sr. de pagar pouco para funcionário público, por exemplo, o sr. briga, levanta o dedo...

Covas - Não, não brigo, discuto.

Vinícius - É o sangue que sobe?

Covas - Não, dificilmente, o sangue me sobe à cabeça. Eu acho que quando você pára, mesmo que seja para contraditar uma pessoa, ela sente algum nível de consideração. Ela é de tal maneira ignorada que não está atrás só da sua concordância, do seu "sim", quer a possibilidade de ter alguma participação, que pode até ser a contestação.

Xico - Contam muitas histórias sobre o mau humor do sr. no Palácio. Uma delas é que um secretário chega para dar bom dia, e o sr. pergunta: "por que bom dia?". É assim mesmo?

Covas - Não sou mal-humorado. Eu joguei bola, participei de shows da escola, nasci na beira do cais. Quem nasce na Baixada, na praia, não pode ser mal-humorado. As pessoas talvez estranhem porque eu nunca deixo de falar o que eu penso, seja bom, seja ruim. E manifesto uma profunda veemência na defesa daquilo em que eu acredito. Eu tenho um prazer especial em discutir. Também nunca fiz nada para evitar que esse conceito se difundisse. Não vejo por que alguém que é governador tem que ser concursado em sorrisos. Afinal, não pretendo vender nenhum tipo de pasta de dente.

Marilene - O sr. conheceu a d. Lila em 1945, se casaram em 54. Namoraram bastante...

Covas - É, bastante.

Marilene - O sr. teve outra namorada nesse período? O sr. é monogâmico até hoje?

Covas - Enquanto namorei, tinha só a minha namorada. Foi uma fase muito complicada da minha vida, porque eu comecei a namorar quando vim estudar em São Paulo. Fazia a Escola Politécnica e simultaneamente um curso de química industrial. Depois, comecei a dar aula. Uma namorada preenchia a totalidade do tempo. Não havia tempo para duas, três...

Vinícius - A questão era tempo?

Covas - (risos) Não, era preferência. Sou monogâmico e não apenas na fase de namoro.

Torero - Então, o sr. é contra a bigamia?

Covas - Não só eu, a lei também.

Torero - E a bigamia do presidente Fernando Henrique em São Paulo, por exemplo, que sai na foto com o Paulo Maluf, mas apóia o sr.?

Covas - Fernando Henrique teve um problema: ele recebeu o Maluf sozinho, e todo mundo que faz isso paga o preço de ele sair contando o que quiser.

Rossi - Falando agora de bigamia internacional. Até que ponto o sr. acha que um caso extraconjugal como o do presidente Clinton atrapalha a capacidade de a pessoa exercer a presidência?

Covas - Acho difícil prever como a opinião pública vai reagir. Os americanos estão levando muito em consideração o atual estágio da economia, do nível de emprego e, quanto a isso, a administração Clinton tem sido muito bem sucedida.

Rossi - Um presidente, digamos, galinha, não faria sucesso no Brasil?

Covas - (rindo) Um presidente galinha... Eu acho que é possível, sem ser galinha, mostrar dotes masculinos, fazer as pessoas acreditarem que ele é um exemplar masculino conveniente à altura das necessidades.

Suzana - Há muito assédio quando se está no poder?

Covas - (rindo) Você recebe essa coisa com naturalidade. É muito fácil uma mulher, na rua, no meio de uma multidão, me tascar um beijo. Por quê? Porque você ali, fazendo um mutirão com ela... Eu prefiro deixar a marca do batom aqui (aponta para o rosto), porque, no lenço, a gente sempre precisa explicar por que está manchado.

Marilene - O sr. já teve que explicar alguma marca no lenço?

Covas - Não, porque eu não deixo ir para o lenço... (risos)

Marilene - O sr. acha que a juventude de hoje é muito devassa, muito diferente daquela da sua época?

Covas - O mundo mudou muito. A maior revolução tecnológica foi a descoberta da pílula, porque evitou o problema da mãe solteira, que sofria uma profunda discriminação, social e econômica. A pílula acabou criando um novo tipo de relacionamento, que é um pouco estranho para a gente da minha época, mas que precisamos compreender.

Suzana - Qual seria sua reação se o sr. tivesse um filho homossexual?

Covas - De profundo respeito. Não acho isso nenhuma doença, nem acho um defeito. Acho que decorre de decisões próprias, que têm de ser respeitadas.

Suzana - O sr. não ficaria nem decepcionado?

Covas - Olha, essa é uma coisa que a gente só pode dizer se passar por ela, mas acho que teria bastante compreensão.

Abramczyk - O sr. está completando 11 anos de ponte de safena. O sr. faz os controles normalmente?

Covas - Eu faço a cada três, quatro meses exame de sangue. Os médicos ficam muito bravos porque eu como muito pastel e feijoada, meus pratos preferidos. Mas o coração continua batendo com uma insistência extraordinária.

Abramczyk - O sr. parou de fumar?

Covas - Eu fumava cinco maços por dia. Depois do infarto, parei, porque tomei um susto. Mas, até hoje tenho vontade de fumar, sobretudo depois de tomar o café da manhã.

Marilene - O que o sr. faz nas horas vagas? O sr. gosta de ler?

Covas - Meu escritor preferido é Humberto de Campos. Ele teve duas fases na vida: uma como escritor satírico e outra, quando foi acometido de uma doença muito dolorosa, que lhe amargou o final de vida. Conheço toda a obra dele, quando me sobra algum tempo, eu rememoro. Gosto muito de jogar xadrez _no passado, com concorrentes; no presente, com computador. Mas não tenho tido tempo. Quando posso, desabo numa cadeira e fico prisioneiro dessa gaiola que se chama televisão.

Rita - O sr. tem amigos?

Covas - Tenho. Eu não posso me queixar nem dos amigos da vida pública, nem dos de fora.

Rita - O sr. conseguiria fazer um jantar para dez amigos?

Covas - Encontrei mais do que dez amigos às 6 horas de ontem (dia 9) em Santos, quando fomos fazer a transferência dos presos que estavam no Distrito Policial. Nenhum deles é político e, no entanto, todos levantaram cedo, porque sabiam que eu estaria lá.

Abramczyk - Se o sr. estava às 6h em Santos, quantas horas o sr. dorme por dia?

Covas - O necessário. Pra mim, o sono é uma fonte de reparo. Porque eu tenho uma característica: quando deito na cama, morro imediatamente e só ressuscito no dia seguinte. Eu sequer sonho.

Vinícius - Nunca?

Covas - Muito dificilmente.

Abramczyk - E acordado?

Covas - Acordado, sonho muito.

Torero - Falando agora de futebol. O sr. é torcedor do Santos?

Covas - Sim, sr..

Torero - O que, aliás, é uma sábia decisão... Mas o Santos hoje, como quase todos os times, joga privilegiando a defesa. O sr. acha que o seu governo foi assim também: mais defensivo e menos lançado ao ataque?

Covas - Posso deixar você escolher o terreno _habitação, educação, saneamento básico, saúde, segurança, assentamentos rurais, transporte coletivo e, para surpresa minha, até estradas_ e mostro que, em qualquer desses terrenos, o nosso governo fez mais do que qualquer governo anterior.

Rossi - Então, como o sr. explica que 28% dos pesquisados pelo Datafolha dizem que o seu governo é ótimo ou bom, mas o sr. não consegue a mesma porcentagem nas pesquisas de intenção de voto?

Covas - Estão aqui em volta dessa mesa dez pessoas. Eu convido as nove, além de mim, a me darem essa resposta... Eu não sei responder. Eu talvez tenha ficado atolado na tarefa de estar presente em todo o Estado. Visitei, pelo menos uma vez, os 645 municípios do Estado. Além disso, me propus a gastar apenas o que o povo está disposto a pagar. Pode até ser que as obras que fiz não sejam de conhecimento público, pode ser que elas não tenham sido transmitidas por incompetência minha.

Rossi - No seu tempo de parlamentar, o sr. tinha fama de ser bom orador, de fazer discursos emocionados. Não faltou no governo esse tom emocional?

Covas - Eu acho que o governo tem por obrigação comunicar, informar. Eu não sou a mídia, sou quem fornece a informação para que a mídia possa reproduzir. Talvez não tenha produzido a sensação necessária, não tenha sido dito com o coração, na proporção em que ela se transforma numa notícia.

Marilene - O sr. não acha que tem uma imagem de quem está muito distante do cotidiano das pessoas? O sr. não tem vontade de ser, às vezes, um homem mais comum, sair, por exemplo, na rua, sozinho, disfarçado, pegar um ônibus, visitar um hospital público?

Covas - Certamente, não faltou presença física. Eu duvido que alguém vá para a praça da Sé, como eu vou, sem nenhum segurança, e discuta com o pessoal, como eu discuto.

Abramczyk - O sr. não foi assaltado?

Covas - Não, nunca. Não sei se as pessoas me reconheceram e sabiam que eu não era um bom prato (risos).

<*>Entrevista publicada na Revista da Folha em 20 de setembro 1998


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