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06/03/2001
-
13h53
CLÓVIS ROSSI
Da Reportagem Local
REINALDO AZEVEDO
Editor-adjunto de Política
NILSON DE OLIVEIRA
Editor-adjunto de Política*
Não será pelas mãos do virtual governador eleito de São Paulo, Mário Covas, que a privatização vai avançar em São Paulo.
Instado a revelar se atuaria pela privatização do Banespa -um banco estadual- e do Porto de Santos -que pertence à União-, o tucano prefere considerar que a dicotomia privatização-estatização e os embates entre direita e esquerda estão "superados".
O futuro governador do Estado não vê qualquer contradição no fato de ser apoiado por forças tão díspares como o PT e Paulo Maluf, prefeito de São Paulo (PPR).
Embora se diga satisfeito com o apoio do PFL, Covas acha que a diferença entre a social-democracia do PSDB e o neoliberalismo do partido aliado está na inflexão dada à atuação do Estado.
Covas prefere um Estado regulador, que corrija as distorções do mercado.
Essa interferência viria sobretudo na forma de parcerias com o setor privado, que garantam mais investimentos na área social.
Convidado a abrir as contas de sua campanha e revelar as empresas que financiaram a arrancada tucana rumo ao Palácio dos Bandeirantes, Covas desconversa, exaltado: "Não tenho nenhuma obrigação de fazer isso?"
Na última sexta-feira, a Folha revelou que duas das empreiteiras que contribuíram com Covas são acusadas pelo governo federal de fraudar o erário.
Abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida à Folha no último sábado. Em nenhum momento, Covas quis falar como governador eleito: "Rossi é carne de pescoço", dizia confiante.
Folha - PT e Maluf o apóiam. Quem está mais equivocado?
Mário Covas - Ambos estão certos. Em regime presidencialista, a coisa se circunscreve a um momento eleitoral. Nenhum deles garantiu que me daria apoio no governo e nem me pediu nada.
Folha - Quando se apóia alguém, espera-se que realize coisas que vão ao encontro...
Covas - NInguém me falou nada sobre participação no governo. Não tenho compromisso com ninguém. Nem com o meu partido.
Folha - No que Covas se identifica com o PT e com o PPR?
Covas - Você tem de fazer essa pergunta para o PPR e para o PT.
Folha - Nos jornais, o sr. aparece elogiando a suposta sensibilidade social de Maluf...
Covas - O que eu disse é que há algumas coisas que parecem ter ocorrido na vida dele: a tentativa de melhoria da qualidade de vida da população. Disse que reconhecia nele a virtude de continuar dizendo o que fez.
Folha - Boa parte do PFL tenta esconder esse passado.
Covas - Olha, o PFL me deu uma enorme contribuição.
Folha - O sr. tem um trajetória ligada ao MDB autêntico, que tinha teses antípodas a esse grupo que hoje se compõe com o sr. e com FHC. Essa convivência entre cassados e cassadores não confunde a história brasileira?
Covas - Olha, o velho MDB morreu porque as circunstâncias que permitiam enxergar apenas branco-e-preto desapareceram.
Folha - Em 85, o seu candidato chamava-se FHC, o do PFL, Jânio Quadros. Em 86, seu candidato chamava-se Quércia, o do PFL, Antônio Ermírio. Em 88, o seu candidato chamava-se José Serra, o do PFL já nem lembro... Em 89, o seu candidato era Mário Covas, e o PFL tinha Aureliano Chaves e apoiava Collor.
Covas - No instante em que querem me apoiar, nós devemos estar no outro lado também?
Folha - O sr. concordaria que forças antes golpistas passaram a aceitar o jogo democrático e correntes então progressistas caminharam para a direita?
Covas - Não se divide direita e esquerda em função do compromisso com a democracia.
Folha - Eu não disse isso...
Covas - O que a gente chamava esquerda hoje aceita postulados que eram tabus. O que a gente chama direita aceita posições que não aceitava.
Folha - Qual vai ser o papel do governador de São Paulo na questão macropolítica?
Covas - Quando se falando em emprego, nãose tratando só de uma questão administrativa. Quando se fala do Real, fala-se de posições que traduzem aquilo que deve ser o papel de São Paulo.
Folha - Países como a Argentina, que passaram por ajustes parecidos com o do Brasil, têm hoje um desemprego recorde...
Covas - Mas não foi porque estabilizou a moeda, não.
Folha - Por que foi?
Covas - É porque o capitalismo não foi capaz de resolver os problemas mesmo. Na Espanha, 25% da população economicamente ativa está desempregada.
Folha - Bem, é o seu primo-irmão ideológico (Felipe González, primiero-ministro da Espanha, pertence ao PSOE, o partido social-democrata daquele país)...
Covas - Sim, senhor.
Folha -Para que não aconteça isso no Brasil...
Covas - E aí que se encontram distinções entre direita e esquerda. A direita vai lhe dizer: "o mercado resolve". A social-democracia vai dizer: "acreditamos no mercado, mas nós acreditamos num Estado capaz de interferir".
Folha - O PFL traz no nome a idéia "deixa que o mercado resolve". O Estado, para intervir, pode arrecadar mais impostos, emitir ou vender títulos. As medidas atentariam contra o plano.
Covas - A social-democracia acredita nas regras da economia de mercado, mas aceita que o mercado sozinho até cria distorções.
Folha - A equipe econômica se autodenomina social-democrata e já demonstrou má vontade com a Câmara Setorial. Quando se discute o salário mínimo, a resposta é econométrica: "não temos dinheiro". Que sensibilidade social é essa?
Covas - Num país como a Suécia, como a Espanha, você aumenta o salário mínimo ao Deus dará?
Folha - Como o Estado vai intervir? Com quais parceiros?
Covas - O tributo é uma das formar. No instante em que você cria educação, saúde e segurança, está intervindo. O mercado apenas não resolve isso.
Folha - Não há uma contradição aí de o sr. dizer que o Estado não pode ser o gerente direto das coisas e ter dois bancos?
Covas - Eu não vejo nenhum inconveniente em que o Banespa possa conviver com outros bancos.
Folha - Dois bancos?
Covas - Eu não acho que devam ser dois bancos. Uma opera no mercado de longo prazo, que é a Caixa. Tira o Banespa da órbita de bancos convecionais e veja se não cai o financiamento à agricultura.
Folha - Por que não propor a privatização desses bancos?
Covas - A primeira consequência é que haveria uma escassez de crédito para a área rural. Se quero uma política de emprego e prestígio à pequena e a média empresas, tenho de ter instrumento para isso. Essa história de privatização e estatização é superada.
Folha - Os Estados Unidos financiam a sua agricultura e não há Banespa ou Banco do Brasil.
Covas - É muito possível que o Tesouro. Você pode dizer: "vamos privatizar a Cesp". E quem é que vai comprar uma usina que custa US$ 4 ou 5 bilhões?
Está aí o gás natural, que é capaz de fazer uma usina termoelétrica, sem poluir, com 30 meses. Você pode incorporar a iniciativa privada aqui com sucesso.
Eu posso incorporar a iniciativa privada na tarefa de administrar estrada. O sistema de parceria vai avançar de uma forma extraordinária.
Folha - Como investir sem recursos?
Covas - É como faz a dona de casa. O marido recebe R$ 200, e ela gasta R$ 250 por mês? Ou diminui o que gasta, ou põe mais gente trabalhando na família ou faz as duas coisas. É preciso adotar métodos de gerenciamento privado moderno, tipo reengenharia, tipo qualidade, tipo informática.
Folha - O sr. está satisfeito com a arrecadação do Estado?
Covas - Não.
Folha - E o que se pode fazer?
Covas - Talvez a melhor proposta que eu tenha recebido seja do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais). Ele sugeriu fixarmos quanto é que o Estado vai arrecadar. No instante em que nós chegarmos lá, a alíquota cai.
Folha - O sr. disse que não tem compromisso com ninguém. Não é contraditório com a sua história de homem de partido?
Covas - Nunca tomei qualquer posição porque meu partido me exigiu.
Folha - A Folha publicou uma lista de empresas que contribuíram com sua campanha...
Covas - Recebi contribuição de 2.600 entidades.
Folha - Pelo menos dois dos seus financiadores estão na relação das empreiteiras que a Comissão Especial de Investigação do governo federal lista entre as acusadas de pilhar o Estado. Não é uma vizinhança incômoda?
Covas - Eu vou pensar em devolver isso (risos). Nem sei que empresas são essas.
Folha - Mendes Jr. e OAS.
Covas - Se algumas dessas empresas estão sendo acusadas e se serão culpadas ou não, cabe a quem está apurando ver.
Folha - Se não tem nada a esconder, o sr. se dispõe a tonar pública a lista de seus financiadores?
Covas - Tá lá na Justiça, ué!
Folha - Essa lista lhe é desvantajosa?
Covas - Não é o que você acabou de me perguntar? Que ando com pessoas que não são boa companhia.
Folha - O governo federal diz isso.
Covas - Eu não tenho incoveniente de ter recebido ajuda de ninguém.
Folha - O sr. não acha que, com essa legislação, seriam menores os crimes atribuídos a PC?
Covas - Pode ser. Sempre estive disponível para qualquer sugestão dentro dessa área.
Folha - Como cidadão, o sr. acredita que um negociante invista sem
esperar retorno?
Covas- Não sei. Com o seu dinheiro, você quer fazer mais dinheiro. Se você investe em eleição, você não faz.
Folha - Mas a história recente do Brasil não prova o contrário?
Covas - Prova que muita gente fez isso. Mas não bota todo mundo na mesma coisa. A Folha publica o nome dos assinantes do jornal?
Folha - A Folha é uma empresa privada, o sr. é um homem público...
Covas - A Folha também é pública. Mas tudo bem, a minha conta está à sua disposição no dia em que você tiver uma dúvida razoável. Por que eu tornaria pública a lista?
Folha - Em nome do futuro, do passado, da transparência.
Covas - Coisa nenhuma! O meu futuro e meu passado não vão alterar absolutamente.
Folha - O sr. mesmo disse que acha a legislação falha.
Covas - Não há nenhuma contribuição. Seria um exemplo?
Folha - Seria.
Covas - Mas exemplo de quê? De que eu não tenho constrangimento em contar quem me ajudou? Não, não é isso não! É a idéia, que é um preconcebimento (sic), de que, se recebeu uma ajuda para a campanha, necessariamente vai pagar isso.
Folha - Ficou provado no Brasil que isso acontece.
Covas - Eu não sou uma novidade. Cheguei na política em 1962. Eu tenho história.
Folha - Por que o senhor não sai na vanguarda? Ajudaria a esclarecer financiamentos em outros Estados, onde as coisas sejam até mais obscuras.
Covas - Não são obscuras.
Folha - Eu ainda não sei quais são as outras pessoas e, para mim, ainda é obscuro. Nós passamos por um processo de impeachment, que resultou extamente da promiscuidade entre o público e o privado.
Covas - Não há mal nenhum que se faça, mas não é a minha obrigação fazer.
Folha - Vamos mudar de assunto. O senhor dará sequência ao projeto de despoluição do rio Tietê?
Covas - Sim. É muito possível que eu encontre maneiras de ser ativado até mais rapidamente.
Folha - A empresa gerenciadora do projeto, Hidrobrasileira, pertence a Sérgio Motta, que é o secretário-geral do seu partido. O Tribunal de Contas do Estado faz restrições à atuação dessa empresa quanto à prestação de contas. O senhor interferirá na atuação dessa empresa?
Covas - Se o tribunal apontar irregularidades, é evidente. Eu não tenho compromissos com ninguém. Olha, a minha primeira eleição para deputado foi em 1962. Na época, não era obrigado a fazer declaração de bens, mas eu fiz.
Folha - Por que não faz o mesmo com os financiadores?
Covas - Aqueles eram os meus bens e não de terceiros.
Folha - A desconfiança não é em relação ao senhor...
Covas - Se você tivesse, a gente ia começar a brigar aqui dentro. Ora, engraçado. A Folha já anunciou (os financiadores). Deu um furo danado.
Folha - Mas o senhor falou que faltam mais de 2.500.
Covas - Provavelmente, 500 ou 600 vieram via banco.
Folha - As suas relações com FHC estão melhores?
Covas - A não ser pelos jornais, sempre foram muito boas.
Folha - O senhor impediu um acordo do PSDB com Collor. Na sua campanha à Presidência, FHC foi acusado de omisso.
Covas - É uma injustiça total. Ele sempre me deu cobertura.
Folha - Ele fica mais à vontade com o pessoal do PFL do que o senhor?
Covas - Não, não é isso não.
Folha - O senhor fica tão à vontade quanto ele?
Covas - Eu não fico fora de vontade com ninguém.
Folha - A queixa surda...
Covas - A o quê?
Folha - Queixa surda...
Covas - A Folha me procura tão pouco que tem coisas que eu não entendo (risos)...
Folha - A queixa surda é a de que o senhor usou muito pouco o Real na TV.
Covas - Não briguei pelo Real na TV. Briguei quando chegou lá no Congresso.
Folha - Todo governador de São Paulo é dasafiado a ser presidente da República.
Covas - Não. Já enfrentei esse desafio quando a gente chegava a certos Estados e não tinha nenhuma alma para receber a gente.
Folha - Hoje, está cheio...
Covas - Não, mas já aparecem mais uns gatos pingados.
Folha - O empresariado reclama do porto de Santos (uma das bases políticas de Covas)...
Covas - Ele reclama demais...
Folha - Há estudos que mostram que o custo por tonelada em Santos é muito mais alto do que em outros portos do mundo em razão da ineficiência e do corporativismo. A solução é privatizar?
Covas - Não existe porto privado no mundo. Existem terminais privatização de serviços. Outro dia caiu um guindaste em Santos que era de 1914. Modernizar também não equipar? No mundo inteiro, o vilão do porto é o armador. Aqui, é o trabalhador. Quero uma relação capital-trabalho capitalista.
* entrevista publicada na Folha em 16/11/94
Folha - Para finalizar. Depois que o Francisco Rossi começou a rezar pela sua saúde, o sr. tem-se sentido melhor?
Covas - Muito melhor. Ele poderia direcionar as orações par gente que está
precisando mais. Eu não o subestimo. Ele é carne de pescoço.
Entrevistas de Covas: Governador quer trocar privatização por 'parcerias' (16/11/94)
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Da Reportagem Local
REINALDO AZEVEDO
Editor-adjunto de Política
NILSON DE OLIVEIRA
Editor-adjunto de Política*
Não será pelas mãos do virtual governador eleito de São Paulo, Mário Covas, que a privatização vai avançar em São Paulo.
Instado a revelar se atuaria pela privatização do Banespa -um banco estadual- e do Porto de Santos -que pertence à União-, o tucano prefere considerar que a dicotomia privatização-estatização e os embates entre direita e esquerda estão "superados".
O futuro governador do Estado não vê qualquer contradição no fato de ser apoiado por forças tão díspares como o PT e Paulo Maluf, prefeito de São Paulo (PPR).
Embora se diga satisfeito com o apoio do PFL, Covas acha que a diferença entre a social-democracia do PSDB e o neoliberalismo do partido aliado está na inflexão dada à atuação do Estado.
Covas prefere um Estado regulador, que corrija as distorções do mercado.
Essa interferência viria sobretudo na forma de parcerias com o setor privado, que garantam mais investimentos na área social.
Convidado a abrir as contas de sua campanha e revelar as empresas que financiaram a arrancada tucana rumo ao Palácio dos Bandeirantes, Covas desconversa, exaltado: "Não tenho nenhuma obrigação de fazer isso?"
Na última sexta-feira, a Folha revelou que duas das empreiteiras que contribuíram com Covas são acusadas pelo governo federal de fraudar o erário.
Abaixo, os principais trechos da entrevista, concedida à Folha no último sábado. Em nenhum momento, Covas quis falar como governador eleito: "Rossi é carne de pescoço", dizia confiante.
Folha - PT e Maluf o apóiam. Quem está mais equivocado?
Mário Covas - Ambos estão certos. Em regime presidencialista, a coisa se circunscreve a um momento eleitoral. Nenhum deles garantiu que me daria apoio no governo e nem me pediu nada.
Folha - Quando se apóia alguém, espera-se que realize coisas que vão ao encontro...
Covas - NInguém me falou nada sobre participação no governo. Não tenho compromisso com ninguém. Nem com o meu partido.
Folha - No que Covas se identifica com o PT e com o PPR?
Covas - Você tem de fazer essa pergunta para o PPR e para o PT.
Folha - Nos jornais, o sr. aparece elogiando a suposta sensibilidade social de Maluf...
Covas - O que eu disse é que há algumas coisas que parecem ter ocorrido na vida dele: a tentativa de melhoria da qualidade de vida da população. Disse que reconhecia nele a virtude de continuar dizendo o que fez.
Folha - Boa parte do PFL tenta esconder esse passado.
Covas - Olha, o PFL me deu uma enorme contribuição.
Folha - O sr. tem um trajetória ligada ao MDB autêntico, que tinha teses antípodas a esse grupo que hoje se compõe com o sr. e com FHC. Essa convivência entre cassados e cassadores não confunde a história brasileira?
Covas - Olha, o velho MDB morreu porque as circunstâncias que permitiam enxergar apenas branco-e-preto desapareceram.
Folha - Em 85, o seu candidato chamava-se FHC, o do PFL, Jânio Quadros. Em 86, seu candidato chamava-se Quércia, o do PFL, Antônio Ermírio. Em 88, o seu candidato chamava-se José Serra, o do PFL já nem lembro... Em 89, o seu candidato era Mário Covas, e o PFL tinha Aureliano Chaves e apoiava Collor.
Covas - No instante em que querem me apoiar, nós devemos estar no outro lado também?
Folha - O sr. concordaria que forças antes golpistas passaram a aceitar o jogo democrático e correntes então progressistas caminharam para a direita?
Covas - Não se divide direita e esquerda em função do compromisso com a democracia.
Folha - Eu não disse isso...
Covas - O que a gente chamava esquerda hoje aceita postulados que eram tabus. O que a gente chama direita aceita posições que não aceitava.
Folha - Qual vai ser o papel do governador de São Paulo na questão macropolítica?
Covas - Quando se falando em emprego, nãose tratando só de uma questão administrativa. Quando se fala do Real, fala-se de posições que traduzem aquilo que deve ser o papel de São Paulo.
Folha - Países como a Argentina, que passaram por ajustes parecidos com o do Brasil, têm hoje um desemprego recorde...
Covas - Mas não foi porque estabilizou a moeda, não.
Folha - Por que foi?
Covas - É porque o capitalismo não foi capaz de resolver os problemas mesmo. Na Espanha, 25% da população economicamente ativa está desempregada.
Folha - Bem, é o seu primo-irmão ideológico (Felipe González, primiero-ministro da Espanha, pertence ao PSOE, o partido social-democrata daquele país)...
Covas - Sim, senhor.
Folha -Para que não aconteça isso no Brasil...
Covas - E aí que se encontram distinções entre direita e esquerda. A direita vai lhe dizer: "o mercado resolve". A social-democracia vai dizer: "acreditamos no mercado, mas nós acreditamos num Estado capaz de interferir".
Folha - O PFL traz no nome a idéia "deixa que o mercado resolve". O Estado, para intervir, pode arrecadar mais impostos, emitir ou vender títulos. As medidas atentariam contra o plano.
Covas - A social-democracia acredita nas regras da economia de mercado, mas aceita que o mercado sozinho até cria distorções.
Folha - A equipe econômica se autodenomina social-democrata e já demonstrou má vontade com a Câmara Setorial. Quando se discute o salário mínimo, a resposta é econométrica: "não temos dinheiro". Que sensibilidade social é essa?
Covas - Num país como a Suécia, como a Espanha, você aumenta o salário mínimo ao Deus dará?
Folha - Como o Estado vai intervir? Com quais parceiros?
Covas - O tributo é uma das formar. No instante em que você cria educação, saúde e segurança, está intervindo. O mercado apenas não resolve isso.
Folha - Não há uma contradição aí de o sr. dizer que o Estado não pode ser o gerente direto das coisas e ter dois bancos?
Covas - Eu não vejo nenhum inconveniente em que o Banespa possa conviver com outros bancos.
Folha - Dois bancos?
Covas - Eu não acho que devam ser dois bancos. Uma opera no mercado de longo prazo, que é a Caixa. Tira o Banespa da órbita de bancos convecionais e veja se não cai o financiamento à agricultura.
Folha - Por que não propor a privatização desses bancos?
Covas - A primeira consequência é que haveria uma escassez de crédito para a área rural. Se quero uma política de emprego e prestígio à pequena e a média empresas, tenho de ter instrumento para isso. Essa história de privatização e estatização é superada.
Folha - Os Estados Unidos financiam a sua agricultura e não há Banespa ou Banco do Brasil.
Covas - É muito possível que o Tesouro. Você pode dizer: "vamos privatizar a Cesp". E quem é que vai comprar uma usina que custa US$ 4 ou 5 bilhões?
Está aí o gás natural, que é capaz de fazer uma usina termoelétrica, sem poluir, com 30 meses. Você pode incorporar a iniciativa privada aqui com sucesso.
Eu posso incorporar a iniciativa privada na tarefa de administrar estrada. O sistema de parceria vai avançar de uma forma extraordinária.
Folha - Como investir sem recursos?
Covas - É como faz a dona de casa. O marido recebe R$ 200, e ela gasta R$ 250 por mês? Ou diminui o que gasta, ou põe mais gente trabalhando na família ou faz as duas coisas. É preciso adotar métodos de gerenciamento privado moderno, tipo reengenharia, tipo qualidade, tipo informática.
Folha - O sr. está satisfeito com a arrecadação do Estado?
Covas - Não.
Folha - E o que se pode fazer?
Covas - Talvez a melhor proposta que eu tenha recebido seja do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais). Ele sugeriu fixarmos quanto é que o Estado vai arrecadar. No instante em que nós chegarmos lá, a alíquota cai.
Folha - O sr. disse que não tem compromisso com ninguém. Não é contraditório com a sua história de homem de partido?
Covas - Nunca tomei qualquer posição porque meu partido me exigiu.
Folha - A Folha publicou uma lista de empresas que contribuíram com sua campanha...
Covas - Recebi contribuição de 2.600 entidades.
Folha - Pelo menos dois dos seus financiadores estão na relação das empreiteiras que a Comissão Especial de Investigação do governo federal lista entre as acusadas de pilhar o Estado. Não é uma vizinhança incômoda?
Covas - Eu vou pensar em devolver isso (risos). Nem sei que empresas são essas.
Folha - Mendes Jr. e OAS.
Covas - Se algumas dessas empresas estão sendo acusadas e se serão culpadas ou não, cabe a quem está apurando ver.
Folha - Se não tem nada a esconder, o sr. se dispõe a tonar pública a lista de seus financiadores?
Covas - Tá lá na Justiça, ué!
Folha - Essa lista lhe é desvantajosa?
Covas - Não é o que você acabou de me perguntar? Que ando com pessoas que não são boa companhia.
Folha - O governo federal diz isso.
Covas - Eu não tenho incoveniente de ter recebido ajuda de ninguém.
Folha - O sr. não acha que, com essa legislação, seriam menores os crimes atribuídos a PC?
Covas - Pode ser. Sempre estive disponível para qualquer sugestão dentro dessa área.
Folha - Como cidadão, o sr. acredita que um negociante invista sem
esperar retorno?
Covas- Não sei. Com o seu dinheiro, você quer fazer mais dinheiro. Se você investe em eleição, você não faz.
Folha - Mas a história recente do Brasil não prova o contrário?
Covas - Prova que muita gente fez isso. Mas não bota todo mundo na mesma coisa. A Folha publica o nome dos assinantes do jornal?
Folha - A Folha é uma empresa privada, o sr. é um homem público...
Covas - A Folha também é pública. Mas tudo bem, a minha conta está à sua disposição no dia em que você tiver uma dúvida razoável. Por que eu tornaria pública a lista?
Folha - Em nome do futuro, do passado, da transparência.
Covas - Coisa nenhuma! O meu futuro e meu passado não vão alterar absolutamente.
Folha - O sr. mesmo disse que acha a legislação falha.
Covas - Não há nenhuma contribuição. Seria um exemplo?
Folha - Seria.
Covas - Mas exemplo de quê? De que eu não tenho constrangimento em contar quem me ajudou? Não, não é isso não! É a idéia, que é um preconcebimento (sic), de que, se recebeu uma ajuda para a campanha, necessariamente vai pagar isso.
Folha - Ficou provado no Brasil que isso acontece.
Covas - Eu não sou uma novidade. Cheguei na política em 1962. Eu tenho história.
Folha - Por que o senhor não sai na vanguarda? Ajudaria a esclarecer financiamentos em outros Estados, onde as coisas sejam até mais obscuras.
Covas - Não são obscuras.
Folha - Eu ainda não sei quais são as outras pessoas e, para mim, ainda é obscuro. Nós passamos por um processo de impeachment, que resultou extamente da promiscuidade entre o público e o privado.
Covas - Não há mal nenhum que se faça, mas não é a minha obrigação fazer.
Folha - Vamos mudar de assunto. O senhor dará sequência ao projeto de despoluição do rio Tietê?
Covas - Sim. É muito possível que eu encontre maneiras de ser ativado até mais rapidamente.
Folha - A empresa gerenciadora do projeto, Hidrobrasileira, pertence a Sérgio Motta, que é o secretário-geral do seu partido. O Tribunal de Contas do Estado faz restrições à atuação dessa empresa quanto à prestação de contas. O senhor interferirá na atuação dessa empresa?
Covas - Se o tribunal apontar irregularidades, é evidente. Eu não tenho compromissos com ninguém. Olha, a minha primeira eleição para deputado foi em 1962. Na época, não era obrigado a fazer declaração de bens, mas eu fiz.
Folha - Por que não faz o mesmo com os financiadores?
Covas - Aqueles eram os meus bens e não de terceiros.
Folha - A desconfiança não é em relação ao senhor...
Covas - Se você tivesse, a gente ia começar a brigar aqui dentro. Ora, engraçado. A Folha já anunciou (os financiadores). Deu um furo danado.
Folha - Mas o senhor falou que faltam mais de 2.500.
Covas - Provavelmente, 500 ou 600 vieram via banco.
Folha - As suas relações com FHC estão melhores?
Covas - A não ser pelos jornais, sempre foram muito boas.
Folha - O senhor impediu um acordo do PSDB com Collor. Na sua campanha à Presidência, FHC foi acusado de omisso.
Covas - É uma injustiça total. Ele sempre me deu cobertura.
Folha - Ele fica mais à vontade com o pessoal do PFL do que o senhor?
Covas - Não, não é isso não.
Folha - O senhor fica tão à vontade quanto ele?
Covas - Eu não fico fora de vontade com ninguém.
Folha - A queixa surda...
Covas - A o quê?
Folha - Queixa surda...
Covas - A Folha me procura tão pouco que tem coisas que eu não entendo (risos)...
Folha - A queixa surda é a de que o senhor usou muito pouco o Real na TV.
Covas - Não briguei pelo Real na TV. Briguei quando chegou lá no Congresso.
Folha - Todo governador de São Paulo é dasafiado a ser presidente da República.
Covas - Não. Já enfrentei esse desafio quando a gente chegava a certos Estados e não tinha nenhuma alma para receber a gente.
Folha - Hoje, está cheio...
Covas - Não, mas já aparecem mais uns gatos pingados.
Folha - O empresariado reclama do porto de Santos (uma das bases políticas de Covas)...
Covas - Ele reclama demais...
Folha - Há estudos que mostram que o custo por tonelada em Santos é muito mais alto do que em outros portos do mundo em razão da ineficiência e do corporativismo. A solução é privatizar?
Covas - Não existe porto privado no mundo. Existem terminais privatização de serviços. Outro dia caiu um guindaste em Santos que era de 1914. Modernizar também não equipar? No mundo inteiro, o vilão do porto é o armador. Aqui, é o trabalhador. Quero uma relação capital-trabalho capitalista.
* entrevista publicada na Folha em 16/11/94
Folha - Para finalizar. Depois que o Francisco Rossi começou a rezar pela sua saúde, o sr. tem-se sentido melhor?
Covas - Muito melhor. Ele poderia direcionar as orações par gente que está
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