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06/03/2001 - 15h12

Artigo de Mário Covas: Quem tem medo de Itamar?

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MÁRIO COVAS*

Os governos são os governos e sua gênese. O governo do presidente Collor nasceu do encontro eleitoral da massa informe dos denominados "descamisados" e os setores mais conservadores da sociedade brasileira. De um lado a massa desorganizada, crente no "Super-Qualquer Coisa" e mais uma vez enganada e espoliada. De outro lado, muitos daqueles que desde a formação do Estado Nacional parasitam a nação. No governo Collor o paradoxo foi parte de sua gênese e motivo de sua indefinição. Não poderia ser diferente : que cara poderia Ter um governo formado pelos miseráveis por aqueles que nada fazem para tirá-los dessa situação?

Chegou a crise política até o limite do imponderável. A sociedade, madura e sábia, preparou-se para essa hora. A hora da passagem. Todos se deram as mãos no instante do caos.

Permanecendo unidos, construímos um conjunto de forças e idéias que é esse novo arco de apoio ao governo institucionalmente transitório e a seu chefe, o presidente Itamar Franco.

Mas o governo que nasce das ruas é, necessariamente, diferente daquele que emergiu das urnas ou dos quartéis; ontem tivemos o governo Collor, amanhã teremos o governo Itamar; no meio tempo, desde a denúncia de Pedro Collor até a votação do impeachment, não temos nem uma coisa nem outra; temos uma aliança de governabilidade. Recomendar a Itamar que assuma posição de quem é definitivo é desconhecer que não é ele é transitório, e sim o governo nascido das ruas.

Saímos de um governo indigno e iniciamos a caminhada por dentro de transição. Estamos construindo uma nova ordem política no país. O governo é formado por representantes de todas as forças políticas unidas no combate à delinqüência, e que agora formam o grande arco de apoio ao governo e ao presidente Itamar. Itamar Franco esteve à altura de sua grave circunstância. Livre para escolher seus ministros, escolheu-os reproduzindo a necessária aliança de governabilidade que tem dado estabilidade a essa arriscada travessia.

O governo tem que enfrentar muitos desafios oriundos do atraso relativo de nossa sociedade, onde nem sequer foram feitas as escolhas fundamentais para seu futuro. A definição da política econômica passa pela decisão sobre a quantidade de brasileiros, dentre os 140 milhões, que terá acesso ao mercado.

Precisamos resolver se programaremos uma economia para um mercado de 60 ou 40 milhões ou menos de brasileiros e, decisão tomada, agir de acordo com a escolha feita. Ou se, pelo contrário, decidirmos que a polícia econômica deve incorporar os 140 milhões de brasileiros, e que todos possam consumir, também teremos que ser consequentes com a escolha feita.

Se a nossa escolha implicar a ampliação da oferta de empregos, a distribuição correta da renda e a garantia de qualificação das futuras gerações de trabalhadores, não haverá por que diminuir o tamanho do mercado consumidor.

Chamar o que de modernidade? - a política maltshusiana que prefere um mercado de menor dimensão, verticalizado e mais estável, com a exclusão da maior parte dos brasileiros das oportunidades educacionais, de emprego e renda? Não seria melhor definir a modernidade pela existência real de países prósperos e fortes que garantam a seus filhos igualdade de acesso à educação, ao mercado de trabalho, ao consumo? Fechar qualquer das duas posições ao debate é ideologismo tolo e primário.

Hoje, um presidente da República, depois daquele que por dois anos fora apenas teatro e aparência, resgata palavras que ferem alguns ouvidos: questão social, fome, miséria - e se o acusa de populismo. De que populismo se trata? Qual conceito? Que exemplo na história? Vargas ou Jânio? Hitler ou Mussolini?

Um presidente que se proíbe ares de arrogância e, com humildade, expondo pública a democraticamente suas dúvidas, se pergunta: "por que devo autorizar aumentos mensais das tarifas públicas se com os salários não se cumpre a mesma lógica?" Os brasileiros engajados na dura batalha da vida, quantas vezes fizeram a mesma pergunta na hora de confrontar os preços da economia e o desvalorizado salário?

O governo Itamar tem sido muito criticado. Esse governo que nasceu de todos nós. Mesmo antes de sua existência já havíamos feito sua auréola de legitimidade. Os que partejaram esse governo querem de algum modo nele palpitar, e é de sua gênese que seja assim. Errado é carimbar o governo e o presidente com rótulos que impeçam qualquer exposição livre de idéias. É possível suspender um leilão de empresa pública sem ser estatizante. Basta que se reconheça no processo sinais de gatunagem. Não é apenas correto - é obrigatório!

Com a derrocada do governo Collor e a construção do governo Itamar, eu esperava que dois valores éticos fossem resgatados: a tolerância e a verdade. E que elas estivesse de novo presentes na alma e na consciência de cada brasileiro. Mas isso só se realizará quando o questionamento interior a respeito de nossas " eternas" crenças e verdades se generalizar por toda a sociedade e suas instituições. E quando juntos, governos e sociedade, soubermos responder à pergunta irrespondida: que país é este?

Recomendar a Itamar que assuma posição de quem é definitivo é desconhecer que não é ele que é transitivo, e sim o governo nascido das ruas.

* Artigo originalmente publicado na seção Tendências e Debates da Folha em 07 de dezembro de 1992
 

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