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08/03/2001 - 19h03

Leia a íntegra da entrevista do presidente FHC

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da Folha Online

Leia abaixo a íntegra da entrevista do presidente Fernando Henrique Cardoso, concedida nesta quinta-feira de manhã. Na entrevista, o presidente diz, entre outras coisas, que é contra a criação de uma CPI para investigar corrupção no governo e que os parlamentares da base aliada que apoiem essa CPI estariam cometendo deslealdade.

Jornalista Heraldo Pereira, Rede Globo Eu gostaria de saber do senhor o seguinte: levando-se em conta a situação política do país, a situação da base aliada, que tipo de comportamento o senhor espera dos seus aliados políticos no Congresso, a partir dessas medidas? Que tipo de votação? Qual é a orientação do senhor? E o que é possível também fazer do governo, levando-se em conta que o senhor está no meio do seu mandato?

Fernando Henrique Cardoso- Veja, eu enviei uma carta que foi distribuída à imprensa, aos partidos, e já recebi a resposta também do PFL, que já distribuí aos senhores também. A carta é auto-explicativa. Se estão de acordo com o programa, eu espero que votem o programa. Obviamente, num regime democrático, não se trata de uma votação mecânica, em que o Congresso não tem uma palavra a dizer, porque tem. Em que governadores não têm uma palavra a dizer, porque têm. Mas se trata de compreender qual é o caminho, qual é a linha. Aí, eu quero a lealdade.

E mais, e isso foi bem claro na carta. E não é para uma pessoa nem para um partido. É para todos os partidos e para todos os que são aliados. É preciso que haja respeito, é preciso que haja civilidade, é preciso que as pessoas, antes de pronunciarem uma palavra, pensem no que vão dizer, porque as palavras têm peso e custo. E eu nunca pronuncio palavras vãs. Eu não saio por aí replicando. Eu me calo. Outro dia disse: me calo porque sou responsável.

Quero fazer, aqui, uma diferença: sou responsável, quer dizer, tenho que medir os meus atos e não posso, simplesmente, expor os meus valores. Mas não dizer que os atos não sejam dirigidos por valores. Se a pessoa se pensa responsável, e cala e consente sempre, ela é, realmente, da "realpolitik". Não participo de uma visão da chamada "realpolitik" em que os fins justifiquem os meios. Não. Há fins importantes e há meios importantes, os dois permeados por valores. Agora, esses valores um deles, como disse, a democracia, a responsabilidade não devem, portanto, servir de desculpa para atos impensáveis que tenham conseqüências negativas imediatas.

Espero que, tantos os meus oponentes quantos meus aliados, mas, sobretudo, os aliados, neste momento, que é um momento de realizações, em que faltam dois anos para coroarmos um programa, que não é meu, foi de todos nós, aprovado pelo povo, que trabalhem mais pensando no país e menos nas querelas partidárias ou individuais.

Jornalista Kennedy Alencar, da Folha de S.Paulo - Na agenda que o senhor apresentou há projetos que dependem de votações expressivas para serem aprovados. E há uma guerra aberta na sua base de apoio, há várias facções em conflito. Eu queria saber, para o senhor arrumar essa base de apoio, poder contar com o apoio, para poder votar esses projetos, se o governo defende que não seja criada uma CPI para investigar as acusações que o senador Antonio Carlos Magalhães, seu aliado durante seis anos, está fazendo, sobre o processo de privatização das teles e demais acusações. E, como que o governo vai tratar o caso do Banpará, se o senhor vai pôr a mão no fogo pelo Jader Barbalho? Como o senhor acha que esse caso deve ser tratado? E, por último, se o senhor acha que é leal a colaboração que o PFL promete ao senhor se, hoje, na reunião, eles decidirem deixar o senador Antonio Carlos numa posição de independência, ele até foi elogiado. Se o senhor está satisfeito em ter a colaboração de um partido que se diz leal, mas deixa livre para atirar o principal cacique político, que tem feito danos à imagem do seu governo?

FHC: Bom. Quero dizer que, na situação brasileira, em que não existe norma de fidelidade partidária estrita, nessa situação se encontram vários partidos. Hoje, a posição do senador Antônio Carlos é igual à do senador Requião: um trombone isolado na orquestra. Agora, o que eu quero eu tenho certeza é ouvir do PFL isso, é que o PFL apóia esse programa. O que significa apoiar esse programa? Já disse aqui, é votar as medidas necessárias.

Quanto? Eu já respondi à sua pergunta. Qualquer questão, efetiva, deve ser apurada. CPI, para quê? Para apurar o que se já apurou? E fazer barulho, e criar instabilidade para dificultar a aprovação do programa? Isso é deslealdade para quem for aliado. Para quem for oposição, neste tipo de oposição que nós temos no Brasil, eles pensam que isso é cumprir o seu dever, de solapar a democracia. Mas, para quem for aliado, CPI é deslealdade. Deslealdade! Se houver um caso objetivo, efetivo, que diga respeito ao governo, sim. Fora disso, nós temos procuradores da República, Polícia Federal, polícias estaduais, juizados, juízes, instituições democráticas. É isso que estou dizendo.

Os casos referidos aí, são todos casos que cabem nessa categoria. Não tem nada a ver com o governo, não tem nada a ver com o exercício do poder. Se houver deslizes, que os deslizes sejam punidos, mas sejam punidos nos canais adequados. Não se utilizem os deslizes para criar tumulto e impedir a governabilidade e a democracia. Se eu estiver envolvido em alguma coisa, se o governo como instituição, se houver um sistema nessa direção, sem dúvida, mas não estou. Eu não preciso dizer que tenho mãos livres, porque tenho hoje e sempre tive. Eu não preciso dizer que sou democrata porque sempre fui. Eu não preciso empunhar bandeira de moralidade, porque a moralidade está dentro de mim . Não preciso pegar a bandeira do outro e botar na minha mão. Ela é minha, ela é nossa. Ontem, no enterro no Covas, eu me lembrava disso, eu só não falei para não confundir as coisas. Ela é nossa.

Não preciso de que alguém me advirta, muito menos que venha advertir sem base, ou utilizando das próprias investigações que o governo está fazendo dentro da lei, dentro de um procedimento, é só isso. É só seguir a democracia e deixar de aproveitar qualquer pretexto para criar tumulto, para dificultar que o povo melhore, através de um apoio de um governo. Isso eu vou exigir dos que são meus aliados.

Os que são de partidos aliados, mas que são independentes, vão ficar independentes na casa deles.

Alencar- E o Jader Barbalho, presidente?

FHC- Eu já respondi. Não é uma questão de governo, é uma questão que está, se houver, é uma questão burocrática ou do tribunal. Não tem nada a ver com o governo.

Jornalista Adriana Vasconcellos - Presidente, com a decisão do PFL de continuar apoiando o governo, o senhor está pronto para nomear os dois ministros, da Previdência e de Minas e Energia? E o senhor acha que seria necessário fazer alguma outra alteração na sua equipe ministerial, para esses dois últimos anos de governo?

FHC: Olhe, alterações na equipe ministerial eu fiz o tempo todo. Faço quando quero, quando julgo necessário. Não o faço porque se cria uma onda aqui ou ali. No caso desses dois ministros, eu vou nomear. Assim que achar que deva nomear, nomeio. Pode ser hoje, pode ser amanhã, pode ser na semana que vem. Isso é prerrogativa exclusivamente minha. E eu vou exercê-la.

Adriana Vasconcellos - O senhor já tem os nomes?

FHC- No dia em que eu tiver, eu nomeio.

Jornalista Sérgio Léo, do "Valor Econômico" - Desde o ano passado, o governo vem falando em pulverizar as ações de Furnas, privatizando, nas Bolsas de Valores, sem vender o controle para um bloco único. De lá para cá, o que aconteceu é que foram eleitos para as presidências das duas Casas do Congresso o senador Jader Barbalho e o deputado Aécio Neves, que já se manifestaram, algumas vezes, contra o processo de privatização, especialmente no setor elétrico. Esse item, que o senhor não chegou a citar no seu discurso, mas está na Agenda, ele está na Agenda como uma manifestação de intenção, o senhor acredita, realmente, que vai privatizar Furnas? O que que o leva a acreditar que o Congresso vai dar esse apoio que até hoje não deu? E, já que estamos falando em apoio do Congresso, o senhor também falou da necessidade de o Congresso definir algo para substituir a CPMF. Podemos entender, então, que o senhor acha que é necessário algum mecanismo como a CPMF, hoje, talvez numa alíquota menor, a permanência desse mecanismo?

FHC: Vou começar pela sua segunda questão: eu não sei. Não sou tributarista, não sei. Estou dizendo que existe o seguinte: os recursos que são arrecadados, de um certo tipo, se o Congresso entender que não deve haver nenhuma outra alternativa, ele vai ter que cortar os programas sociais. É tão simples quanto isso. Não se inventa dinheiro.

Agora, eu não sei qual é o modo técnico, o governo reconhece as distorções que a CPMF causa, principalmente no setor financeiro. Mas é preciso buscar uma forma. Não estamos adiantando, eu não estou adiantando nenhuma forma.

Léo- A questão da sonegação.

FHC- Sim, a sonegação, sim. Aí precisa, talvez, uma alíquota muito pequenina da CPMF, para evitar sonegação. Eu não sei qual é o mecanismo. Mas, algum mecanismo tem que ser criado.

Amanhã vocês vão dizer: "Ah, mas o senhor está apoiando os sonegadores e o senhor está cortando programas sociais". Não, eu não quero nem cortar programas sociais, nem apoiar sonegador. Então, eu peço ao Congresso que, acabando a CPMF, como está acabada, diga como é que vai fazer. Bom, nós vamos dar sugestões, no momento adequado.

Outra questão, a questão do setor elétrico. Veja, eu nunca escondi, na campanha de 94 e de 98, que iria privatizar. E o povo votou a favor. Eu nunca escondi isso. É a regra da democracia. Segundo, o Congresso já votou a lei da privatização. Não tem que votar mais nada. O senador tal ou qual, o deputado tal ou qual, por importantes que sejam, por próximos ou distantes de mim que sejam, podem e devem ter a opinião que quiserem.

Agora, o governo vai, sim, fazer o que diz que vai fazer. Por quê? Porque nós temos um problema no setor elétrico que não tem nada a ver com a última gestão, devo dizer para esclarecer fofocas que já ouvi por aí afora não tem nada a ver com o ministro Rodolfo Tourinho. São problemas mais complicados que têm que ser resolvidos, e que nós vamos resolver. E a decisão de privatizar, via pulverização, já foi tomada, ou seja, sem bloco de controle. Isso será feito.

O governador tal ou qual é contra. Paciência, ele não é presidente da República. Aliás, quando foi, privatizou. O outro fez isso, fez aquilo. Isso é problema, o tempo mudou. Então isto vai ser levado adiante. É claro que sou um democrata. Se o Congresso resolver que não, vota lá o que quiser e eu respeito. Mas, enquanto a lei disser que é para fazer isso, e se votarem alguma outra coisa, eu vou fazer a mesma pergunta que fiz sobre a CPMF. Então como é que se gera energia para o Brasil continuar crescendo? Quem é que aporta para isso? Se tiverem uma fórmula mágica... Última questão.

Jornalista Sônia Carneiro, "Jornal do Brasil" - Presidente, faltou nessa ampla agenda a questão do FGTS. Como é que isso vai ficar resolvido? Isso é uma parte importante para os programas de urbanização, de habitação. E também se o senhor vai ou não criar o Ministério do Desenvolvimento Urbano, que seria uma peça fundamental para esse setor.

FHC - Com relação à questão do FGTS está aqui mencionado, sim, está na agenda. E foi dito. O governo já disse um milhão de vezes isso. Não, espera um pouquinho, eu disse um milhão de vezes o que ia fazer. Eu generalizei o FGTS, fui eu, não foi terceira pessoa. Eu peguei uma ação que foi ganha por algumas dezenas de pessoas e disse: não, não é justo, vamos pagar para todos. Eu generalizei. Portanto, se alguém receber o FGTS foi por uma decisão minha.

Segundo, naquele momento nós dissemos: esta questão não está ligada ao Tesouro, porque não foi o Tesouro, não é o Tesouro que é responsável por essa questão. Foi uma decisão, primeiro de um governo, que não é o meu. Segundo, numa época, numa conjuntura inflacionária, que não é atual. E, terceiro, houve uma decisão do Supremo, que eu não discuto. Cumpra-se. Como se cumpre? Estão discutindo como cumprir. Vai se discutir até chegar a uma fórmula de cumprir. Eu gostaria imensamente de poder, ainda no meu mandato, dar uma solução. Mas eu não vou dar uma solução que leve o Tesouro à bancarrota, ou seja, o país. Porque, na verdade, quem vai pagar, vai ser, de novo, o trabalhador.

Então, não adianta agradar a liderança sindical e prejudicar todo o país. Mas como a liderança sindical é responsável, está negociando. E chegará o momento, vamos ver o que vai ser decidido.

Quanto a essa questão de Ministério, não estou pensando em criar mais ministérios. Acho que nós já temos um número suficiente de Ministérios. O que tem é que ver como vai ser realizada a programação. E eu vejo, de vez em quando, discussão: o presidente está pensando. Eu, às vezes, vejo pelos jornais o que estou pensando. Às vezes até, confesso a vocês, me dão idéias. Portanto não estou criticando. Mas tenho até um certo prazer em ver o que eu estou pensando, qual é a minha intenção. E, geralmente, disso que eu não gosto, de que sou mal intencionado, de que eu estou pensando coisas que eu não estou e que não são boas. Mas, de vez em quando, vocês põem umas coisas boas que eu ainda não estou pensando.

Muito obrigado a vocês.
 

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