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02/04/2001 - 19h49

Leia íntegra do pronunciamento de FHC em criação de corregedoria

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da Folha Online

Leia, a seguir, a íntegra do pronunciamento do presidente Fernando Henrique Cardoso, que anunciou a criação da Corregedoria Geral da União, um órgão que terá como finalidade apurar e fiscalizar denúncias de corrupção no governo federal:

"Boa tarde. Pedi a presença dos senhores e das senhoras aqui, nesta tarde, porque queria fazer algumas considerações sobre uma decisão que tomei, no que diz respeito ao governo e à organização do governo e que está relacionada com as questões que, hoje, preocupam a opinião pública e, mais ainda, a mim e ao governo, e que dizem respeito, basicamente, à questão da corrupção, à questão dos desmandos havidos e das medidas a serem tomadas, para coibi-los.

Como é público, o governo se opôs à formação de uma CPI no Congresso Nacional, porque essa CPI misturava alhos com bugalhos, uma espécie de coquetel de questões duvidosas com algumas fantasiosas outras reais. E todas, todas, já sob investigação. E, portanto, tinha uma conotação nitidamente não diria nem política pré-eleitoral. O país precisa de trabalho, precisa de organização. Mas precisa, também, que o governo responda às ansiedades dele próprio e da opinião pública. E que, portanto, mostre o que está fazendo, nesses vários casos e por que se opôs.

Certamente, não se opôs para colocar nada debaixo do tapete. Nem para encobrir qualquer coisa. Até porque isso seria uma atitude inaceitável. Opôs-se por considerar que haveria uma exploração política de questões que têm que ser tratadas dentro da tradição republicana, nas instâncias competentes, com a seriedade e com o empenho necessários, o que não quer dizer que as CPIs não possam tratar dessas questões com o mesmo empenho e que não ache que as CPIs sejam absolutamente necessárias.

E, diante delas, o governo tem tido uma posição de cooperação. Aliás, sempre. Inclusive, notadamente, na CPI do Sistema Judiciário e do Sistema Financeiro, em 99, onde a determinação que dei foi muito clara: que o Banco Central, a Receita Federal e todos os demais órgãos do Executivo se colocassem à disposição do Legislativo. E assim foi feito. O próprio relatório, ou os relatórios que têm sido elaborados, têm sido elaborados com a ajuda permanente de funcionários do governo, que têm a designação para isso e têm determinação minha para que cumpram com o seu dever.

Ora, portanto é preciso que se explique melhor ao país o que tem sido feito, em matéria de moralização da administração pública e os mecanismos que nós estamos utilizando, para aperfeiçoar, ainda, essa mesma luta, que é uma luta do cotidiano, na questão do restabelecimento de um clima de moralidade pública que, diga-se de passagem, foi altamente comprometido por décadas de inflação.

Quando se verifica uma boa parte dos desmandos que recaem, até hoje, sobre nós, são desmandos ocorridos no passado, em época em que era difícil, inclusive, avaliar os efeitos de decisões que eram tomadas sobre as finanças públicas. E, mesmo os tribunais, de calcularem com a exatidão o quanto era devido. Para não falar daqueles desmandos que podem ter ocorrido nas próprias administrações, em função disso. Graças à estabilidade, tornou-se mais fácil haver, agora, um controle, por parte da opinião pública.

Eu gostaria, portanto, de iniciar essa minha exposição passando em revista quais foram, no nosso governo, as medidas preventivas e corretivas que fomos adotando, para o combate a esses desmandos que levam à corrupção.

Agora, medidas preventivas. Vamos dar alguns exemplos de medidas preventivas que nós tomamos no governo. Em primeiro lugar, modificamos, profundamente, em alguns Ministérios, o que acontecia em termos das decisões administrativas e do controle dessas decisões.

Tomemos o exemplo do Ministério da Educação. A descentralização da transferência de benefícios diretamente aos beneficiários. Houve a distribuição de recursos, por exemplo, diretamente às diretoras de escola, com o controle da comunidade, da Associação de Pais e Mestres, além da criação de Conselhos, para acompanhar e fiscalizar.

O Fundef é um exemplo. A toda hora se vê e é verdade que houve, aqui e ali, abuso, desvio de finalidade. Mas, também se vê que há uma reação. E a todo instante o Ministério Público está atuando para tomar as medidas necessárias para corrigir a esses desmandos.

No Ministério da Educação há uma transparência total dos repasses de recursos, que são informados ao Legislativo municipal, ao TCU, colocados na Internet e, muito frequentemente, na Voz do Brasil, para que se saiba que os recursos estão sendo distribuídos. Os senhores e as senhores não podem esquecer nunca do escândalo da compra centralizada de merenda escolar aqui em Brasília. Não estou negando, acabei de mencionar que existe, ainda hoje desvio de função. Mas são locais, são de proporção menor e de mais fácil controle.

A mesma coisa no Ministério da Saúde. Nós extinguimos a CEME, a Central dos Medicamentos, que era um foco de denúncias de corrupção. Fez-se um rigoroso sistema de crítica e processamento das autorizações de internação hospitalar, as chamadas AIH. Reduzimos em 750 mil o número anual de internações pagas.

Foram enviadas cerca de 200 mil cartas, em média por mês, aos usuários do sistema, para conferir os procedimentos do SUS, para perguntar se efetivamente, as contas que o governo tem que pagar, se efetivamente, elas correspondem aos procedimentos que ocorreram nos hospitais. Portanto, aí é uma mecânica contínua e não um discurso demagógico, uma mecânica contínua de mudanças de procedimentos e de mudanças nos mecanismos de controle.

A mesma coisa diga-se na questão do Ministério da Previdência, onde a informatização tem impedido fraudes e violações. Ela continuam existindo. No INSS do Rio de Janeiro, agora mesmo, pedi à Polícia Federal que aumentasse o número de pessoas à disposição do Ministério, porque os desmandos continuam existindo. Mas os mecanismos de controle aumentaram muito.

Também tipificamos como crime as fraudes eletrônicas perpetradas contra a Previdência. Mais ainda, o pagamento dos beneficiários passou a ser feito por um cartão eletrônico, e sempre que possível por meio de depósito em conta-corrente. Esses não são mecanismos demagógicos. São mecanismos de um governo que está efetivamente moralizando, efetivamente comprometido com a honestidade. E não pura e simplesmente num ou noutro caso fazendo escândalo, ou transformando em escândalos casos que estão ocorrendo.

A mesma coisa nós fizemos com inversão do ônus da prova na concessão de benefícios. Estamos fazendo o cruzamento de informações de óbitos com os cartórios, para manter o cadastro da Previdência atualizado e, com isso, diminuir ou evitar fraudes. Isso é um trabalho imenso, que se fez porque há uma decisão continuada insisto do governo em, efetivamente, criar uma condição no Brasil para que a cidadania encontre no governo a correspondente vontade de fazer com que essas questões desapareçam.

Refiro-me agora, para dar um outro exemplo, ao Ministério do Desenvolvimento Agrário. Bom, fizemos uma propositura de ações rescisórias com pedido de antecipação de tutela, que foi um mecanismo que nós criamos também para permitir que haja, realmente, uma maior eficiência nessas questões. Bom, toda vez que o Ministério Público entra com uma ação civil pública, nós pedimos que o Ministério atue através do Incra como pólo ativo. Quer dizer, participamos ativamente da ação.

Cancelamos uma imensa quantidade de precatórios por inobservância de determinações legais. Só para dar um número. Essas ações reduziram o valor pago em precatórios, de 313 milhões de reais em 1997, para 21 milhões de reais em 2000. Houve uma redução de 93% do valor que se pagava em precatórios. Como é que se faz isso? Com um governo que é leniente com a corrupção, ou com um governo que está atento a corrupção e que não faz dela demagogia, nem bandeira de campanha eleitoral, mas faz dela prática efetiva de combater a corrupção?

A mesma coisa no Ministério do Planejamento. Nós criamos aí uma série de mecanismos para aumentar o controle da administração pública, e o controle externo exercido pelos tribunais. Nós fizemos o pregão eletrônico, que permitiu a redução de 22% do preço dos bens licitados. Isso não havia. Este governo fez isso através do Ministério de Planejamento. Há um projeto chamado ´Brasil Transparente´.

É só olhar o que está acontecendo nisso para ver a ampla divulgação de contas e atos públicos, através da Internet. Nunca houve. Hoje a maior parte das vezes vejo críticas nos jornais, São críticas feitas porque os deputados têm acesso à Internet e, muitas vezes, nem entendem direito e misturam alhos com bugalhos e fazem contas erradas, e dizem a todo instante que nós estamos gastando menos na área tal ou qual. Mas, na verdade, a base da informação é o governo que disponibiliza os dados. E tem que disponibilizar mesmo.

Na Secretaria da Receita Federal, nós criamos uma corregedoria interna. E nós temos feito, através da Internet, a divulgação de todos os leilões e de todas as doações. Também estamos fazendo a responsabilização administrativa pelo uso ou acesso imotivado a informações. Para quê? Para evitar que haja corrupção ou extorsão por parte de funcionários da Receita.

Fizemos a prova de ética administrativa nos concursos de ingresso. Criamos o mandato de procedimento fiscal, que é para evitar, de novo, o achaque. A pessoa ou a empresa que vai ser objeto de uma investigação da Receita recebe um mandato de procedimento fiscal. Há um telefone para o qual ela pode apelar se sentir que alguma coisa está acontecendo de errado. E ninguém pode abrir um processo alguns funcionários sem que esteja sendo já controlado pela própria Receita.

No caso da Advocacia Geral da União, nós criamos a Coordenadoria de Órgãos Vinculados, que supervisiona as fundações e as autarquias federais. Assumimos a representação direta de 95 autarquias e fundações desde abril do ano 2000. Esses escândalos que, agora, aparecem, como o DNER e não sei o que lá, foram por isso.

Porque a Advocacia Geral da União assumiu o controle e fez as investigações junto com o ministro, e depois aparecem sob a forma de denúncia, como se o governo fosse aquele que não está vendo, como se o governo fosse o culpado, quando é o contrário, quando é em função da ação é que se conseguiu ver uma série de questões que eram, digamos, ´tradicionais´ em certos setores da administração pública e quando muitos se calavam. Muitos dos que hoje gritam, calaram. Nós não gritamos. Também não calamos. Atuamos.

A mesma coisa nós fizemos, aqui, um estabelecimento de um sistema de impugnação de cálculo de precatórios, aí vale apenas dar o exemplo. Desde 1995, quando assumi, este sistema gerou uma economia de R$ 14,4 bilhões aos cofres públicos, dos quais R$ 2,8 bilhões apenas no ano passado. Isso existiu por quê? Porque estou leniente com a corrupção, finjo que não vejo o que todo mundo está vendo, ou porque estou vendo o que os outros não estão vendo ou quando viram se calaram? Espero que não tenham visto. Não fizemos isto fazendo barulho. Fizemos isto trabalhando, trabalhando com seriedade.

É claro que é preciso avançar, é preciso criar medidas, também, que sejam corretivas. Nós temos que ver que há muitos órgãos que são participantes do Poder Executivo: a Secretaria Federal de Controle, o Departamento de Polícia Federal, a Secretaria da Receita, a Advocacia Geral da União e Ministérios setoriais aos quais se vinculam os órgãos que estão sob apuração, além dos outros Poderes, o Tribunal de Contas, Ministério Público e o Judiciário.

Então, a apuração desses processos é complexa. Vocês podem ver, pelo quadro que aí está, como é que se dá a apuração de irregularidades. É lenta, porque nós vivemos, graças a Deus, no Estado Democrático de Direito, Estado Democrático de Direito. Houve época em que isso não era assim. Havia uma comissão chamada CGI Comissão Geral de Investigações. Ninguém sabia quem eram os investigadores, quem estava sendo investigado e o resultado podia ser decidido por um ato institucional.

Confisque-se, perca-se o mandato, afaste-se da cátedra. Mas essa não é a democracia que os brasileiros desejam. Isso não é democracia. Há democracia e nós lutamos por ela nem todos, digamos de passagem, nem todos. Muitos que, hoje, gritam foram beneficiários do regime autoritário. Mas eu não fui. E beneficiários ou não, mesmo os que foram, hoje não o querem mais, não o querem mais, hoje.

Estado Democrático de Direito tem que apurar. Tem que passar por uma série de órgãos, de mecanismos, não vou repeti-los todos aqui, para que se chegue até a decisão final. Muitos dizem que a democracia é lenta, mas, também, todos sabemos que lenta ou não, é o melhor sistema que já foi inventado.

É o único que assegura os direitos aos cidadãos, e o único que garante que o arbítrio, num dado momento, seja controlado. De modo que, chova, faça trovoada ou sol, nós vamos continuar aplicando os procedimentos legais e nada será feito pelo atropelo da lei e nem por presunção, nem por julgamentos sumários e nem por paredão moral de fuzilamento, porque isso não coaduna com a democracia.

Bom, é claro que isso não quer dizer que nós tenhamos que ficar, simplesmente, justificando que não se puna, porque o processo é longo. É preciso abreviá-lo, e muita coisa tem sito feita. Em ações recentes, a Secretaria de Controle Interno fiscalizou 17 mil convênios. Nós temos, aqui, centenas de milhares de convênios. Então, o mecanismo é complexo, é diário, é diuturno.

Fizemos 400 tomadas de contas por irregularidades, 1.300 auditorias de contas, 40 mil processos de aposentadoria foram analisadas, para ver se eram verdadeiras ou não e divulgamos, pela Internet, todos os convênios. Devo dizer que o percentual de irregularidades das contas, dos mais de mil gestores federais são mais de mil gestores caiu de 12% em 1996 para 1% no ano de 2000. De 12% para 1% as irregularidades descobertas por esse conjunto de órgãos do Estado. Quer dizer que nós temos, no cotidiano, destruído os mecanismos que levam à desordem, muitas vezes. Nem tudo é corrupção, é desordem, é desídia. Isso é uma coisa importante.

Ainda recentemente, o Departamento de Polícia Federal instaurou inquéritos policiais para apurar todos os casos que foram objeto de menção recente. Todos! O caso dos precatórios do DNER: nós vamos distribuir e estará à disposição dos senhores a relação das ações tomadas. E os senhores verão que muitas delas datam de 2, 3 anos anos, não são de meses, não. Os discursos são de 2, 3 meses. As ações, de 2, 3 anos. E, então, no caso do DNER, desde quando houve a assunção por parte da Advocacia Geral da União, houve uma série de ações das quais houve resultados concretos: demissões, processos, envio ao Ministério Público. Independentemente das ações que o Ministério Público desenvolve, em todos esses casos, como é próprio do Ministério Público. E quanto mais houver coordenação e colaboração entre o Executivo e o Ministério Público, melhor para o país.

Muito bem. Esses casos recentes, todos, estão aí nos anexos que os senhores vão receber, no anexo número 1. Ele se refere ao precatório do DNER. Dossiê Cayman. Desse, me dá gosto de falar hoje. Porque eu li, ontem, um artigo de um dos principais divulgadores do Dossiê Cayman, dizendo que ele é uma farsa. Lamento, só, que o jornal tivesse levado dois anos e 8 meses para dizer o que eu sabia: que é uma farsa. O banco que disse que tem nunca vi tais contas que se referiu a essas contas, declara, em alto e bom som, que elas são falsas. Só lamento que, antes de publicar, antes de se falar sobre o assunto, não se tivesse tido o cuidado de perguntar ao banco se eram falsas ou verdadeiras.

Não sei que banco é esse, não conheci banco nenhum. De qualquer maneira, não se deve nem se perder mais tempo com alguma coisa cuja falsidade é patente. E que os que distribuíram esse dossiê foram objeto de uma ação que eu estou movendo aqui, no Brasil, porque não tive, nunca, acesso a esses papéis. De tão imundos que são, não chegaram às minhas mãos, porque acho que não tiveram coragem de me mostrar tal podridão.

Mas, não obstante, de novo se pede CPI para ver a falsificação. Sim, para ver quem fez a falsificação. Isso sim, mas não para imaginar que existissem, de verdade, contas atribuídas a quatro líderes nacionais, entre os quais o presidente da República.

Eu acho um desrespeito ao país levar tantos anos especulando sobre uma farsa, quando todos nós, homens responsáveis, de vida pública aberta, dissemos sempre que era uma farsa. E ninguém jamais apresentou qualquer evidência de que não fossem papéis forjados. Bom, em todo caso, tomamos as providências e a Polícia Federal, novamente, está às voltas não mais para saber se existem ou não existem, mas para saber quem fez a falsificação.

Muito bem. A OAS tem medidas tomadas. A OAS é caso relativo a 94, não tem nada com a atualidade. E quase todos eles estão, já, na Justiça, correndo em segredo de Justiça. As ações já foram tomadas, e não por mim, mas pela Justiça. A Pasta Rosa, idem. A ação que subsiste está no Supremo Tribunal Federal. E já foi dito, pelo Ministério Público, que não há crime eleitoral a ser provado ali.

Sudam e Finam, a mesma coisa. Os senhores terão aí à disposição, nos anexos, todos os elementos para verem o que foi feito na Sudam. Está em marcha, está passando por todo aquele fluxograma, no devido processo legal. Foi feito um levantamento, outros serão feitos. Foi feita uma intervenção. No caso da Sudene, foi o Congresso que já fez. Já fez a CPI do Finor. Está em andamento, existe a CPI.

Então, eu pergunto: CPI para ver o quê? Por que antes de fazer a CPI, não vão ver o que está sendo feito? Fazer o quê? Porque, normalmente, quando termina a CPI, se entrega ao Ministério Público. E ele é que processa. Já está. A OAS está avançando, Pasta Cor-de-Rosa, precatórios, falsidade do Dossiê Cayman, Sudam.

Enfim, os senhores terão à disposição tudo isso aí. Não preciso entrar em detalhes sobre cada um desses casos que aqui estão. Alguns casos são recentes. Por exemplo, DNER, Chapecó, a questão da Sudam estão nos jornais. Mas estão todos em andamento e dentro dos processos legais.

No Ministério da Integração Nacional da mesma maneira foi feito. Devo dizer, porque não pensem que estou querendo evitar de entrar em qualquer desses assuntos, não há por que não entrar em todos eles. Com a maior tranqüilidade, devo dizer que existe, também, a questão do FAT, que também está sendo investigada. Muitas punições foram aplicadas. Os senhores têm, aí, as punições que foram aplicadas. Algumas estão em marcha.

Quando se entra para a parte criminal, não é o Executivo. O Ministério Público é que tem que ir à Justiça e a Justiça tem que julgar. Mas, reitero, alguns desses casos são muito anteriores ao governo.

Caso Banpará, 1984. Tudo que podia ter ser feito já foi. E o processo já está, de novo, reconstituído e no Pará. Não há nada que o Executivo Federal possa fazer. Assim como eu disse no caso OAS, nada que o Executivo Federal possa fazer. Os que leram os pareceres do Ministério Público sobre as acusações recíprocas de dois ilustres personagens da República, verão que a imensa maioria deles consta no final. E isso está lá no Conselho de Ética do Senado na seguinte conclusão: está prescrita a matéria, não cabe porque não se enquadra em tal lei. Se o Congresso quiser analisar sob o ângulo político, tem todo direito. Não é na CPI, é no Conselho de Ética. Na CPI está esgotado o que pode ser feito, na imensa maioria desses casos. Alguns outros casos mais recentes ou não tão recentes estão, também, em análise.

Um que teve bastante repercussão foi o chamado "Caso Eduardo Jorge". O "Caso Eduardo Jorge" constou de algumas alegações que surgiram na CPI do Judiciário, em função do número elevado de telefonemas do juiz Nicolau. Esses telefonemas foram objeto de uma explicação detalhada ao Senado da República. E, mais tarde, se descobriu também que uma pessoa que hoje é general da ativa, General Heleno, eu creio, tinha também um número grande de telefonemas. Por quê? Porque exerceu no governo Collor a mesma função do Dr. Eduardo Jorge, numa parte do meu governo. Ou seja, foi encarregado da triagem da designação dos juízes classistas. Está lá, e há a carta do general Heleno explicando o motivo por que ele fez, e porque parece que esse juiz era ´telefonomaníaco´. Bom, mas isso foi explicado e o Senado aceitou a explicação.

Volta-se à questão. Quero elucidar também que, num dado momento, o então presidente do Senado me perguntou se não seria mais fácil, para deixar claro que estava acontecendo nas alegações sobre Eduardo Jorge, que ele colocasse à disposição do Senado os seus sigilos. Eu disse: ´Vou lhe perguntar.´ Ele já não era mais ministro. E eu perguntei. E ele me disse: ´Pode pôr à vontade, eu coloco à vontade. Se quiserem, também o telefônico. Na época em que coordenei a campanha, falei com meio mundo que não tem nada a ver com nada. E só dar o número do telefone, vamos incomodar muita gente.´ E isso eu transmiti ao presidente do Senado na época, na frente do ministro Aloysio Nunes e é isso que alguns maliciosos imaginam que o presidente teria dito o que eu duvido que isso me incriminaria, porque chegaria até mim. Não, não chega a ninguém. Uma coisa de boa-fé, tranqüila. E o sigilo todo, inclusive o telefônico, está à disposição do Senado. Não há mais o que pedir. Tudo está à disposição do Senado da República, está lá, é só vocês não sei se vocês podem, mas os membros da Comissão podem - olhar à vontade.

E acho muito bom que a Comissão de Fiscalização e Controle dê uma opinião sobre a questão. Porque o que não é possível é que há um ano e oito meses o Ministério Público, de posse de todos esses dados, não tenha formulado qualquer acusação. E não obstante, vira e mexe, se pede, de novo, CPI para analisar esse caso. A Receita Federal também já investigou a compatibilidade eu não vou entrar em detalhes porque não os sei entre o patrimônio e a renda. E, ao que eu saiba, não houve nenhuma acusação.

Enfim, é preciso parar, a meu ver, com procedimentos irresponsáveis porque prejudicam o país. Prejudica o país imaginar que o seu presidente, um governador de Estado e dois ministros estão metidos em coisas suspeitas em Cayman. Prejudica muito, porque seria tão grave que seria preciso que tivessem a coragem de pedir o impeachment gritando nas ruas. Só que é falso. Mas embora falso, vai repercutir no mundo inteiro. Nós temos que mudar esse denuncismo para uma atitude mais coerente de investigação.

E, em função disso, tendo em vista que, embora nenhuma denúncia por nós recebida tenha deixado de ser apurada, nenhuma punição cabível tenha deixado de ser efetivada, diante desse quadro de banalização da denúncia, nós precisamos, ao mesmo tempo que mantemos o processo legal devido, que é um dos pilares do Estado de Direito, nós temos que, de alguma forma, mudar esse clima de denuncismo irresponsável e do uso político da denúncia. Mas, para isso, nós temos que reconhecer que há morosidade na apuração e há morosidade na punição. Por muitas razões do próprio funcionamento da democracia. Isso dá na sociedade, com razão, um certo sentimento de insatisfação. E gera também a descrença nas instituições.

O que gera a descrença nas instituições não é apenas o denuncismo, é também a falta de uma maior agilidade por parte dos órgãos do Executivo e do Judiciário também, que se torna um caldo fértil para o uso político da denúncia e também de práticas demagógicas e até mesmo antidemocráticas.

Nós temos muitos órgãos do Executivo que intervêm nesse processo. Aqui estão algumas das pessoas que, normalmente, intervêm nesses processos. E não estão os ministros, porque não se trata de ministro, se trata da máquina administrativa e, muitas vezes, a investigação tem que ser feita a despeito do ministro. Não quero travas políticas nesse processo. O mecanismo tem que ser um mecanismo que funcione automaticamente. Obviamente os ministros estão de acordo com isso também.

Bom, nós então achamos que é preciso ter novas medidas que possam agilizar essas questões. Algumas nós propusemos. Elevamos a pena nos casos de aplicação irregular dos incentivos fiscais. Nós estamos propondo que se explicitem novas hipóteses de denunciação caluniosa. Nós estamos intensificando o relacionamento com o Ministério Público. Quanto mais cedo os procuradores participarem das apurações, melhor. Em alguns setores da administração isso já é uma rotina. No caso do Ministério da Saúde isso já é uma rotina, por exemplo. Na Educação também. No Ministério do Desenvolvimento Agrário também. Mas nós precisamos tornar mais rotineiro esse entrosamento.

Nós precisamos ter procedimentos fiscais mais automáticos para aqueles que estão, realmente, envolvidos em processos administrativos. Isso depende de um entrosamento maior com a Receita.

Por isso, resolvi criar a Corregedoria Geral da União. E a essa Corregedoria Geral da União vou atribuir uma força muito grande. Esta Corregedoria Geral da União vai ter a possibilidade de, além de fazer, o que é natural, a integração entre os vários órgãos que operam, de ter o poder presidencial de agir com mais urgência.

Convidei a Dra. Anadyr de Mendonça Rodrigues, que é procuradora da República, e que já prestou serviços como consultora à Advocacia Geral da União, e tem uma larga folha de serviços, que vai ser distribuída também entre os senhores, para ocupar essa Corregedoria Geral da União.

Essa Corregedoria vai permitir uma integração maior entre Polícia Federal, Receita Federal, Ministério Público, Advocacia Geral da União e Secretaria de Controle da União. Será mecanismo de agilização. E também dará mais visibilidade àquilo que nós estamos fazendo e apurando. E vai ter carta branca para atuar nessas áreas e nessa matéria e terá status de ministro, porque vai poder atuar em nível de todos os Ministérios. E vai poder, efetivamente, avançar sobre quaisquer empecilhos.

Ela não terá limitações para levar adiante as investigações para fazer com que a sociedade saiba com mais rapidez aquilo que nós estamos fazendo. Para que o presidente não tenha que vir aqui para lhes explicar o já feito. E para que aqueles que gostam de fazer barulho não usem o já feito pelo governo, como se fosse descoberta sua. Que não arrombem mais portas abertas. Que não percam tempo em fazer denúncias que já estão sendo apuradas.

Assim, essa decisão me parece que vai dar um novo passo importante para que nós possamos apurar essas irregularidades com mais rapidez. Ela terá uma atuação matricial. Quer dizer, ela vai atuar nos vários níveis do governo. Não é para atuar como se fosse um Torquemada, porque de Torquemadas estamos cansados. Em geral, os Torquemadas acabam por mostrarem que eles próprios acabam se incriminando e entrando nos desvios do procedimento democrático. Não é isso. Nem é para ser, pura e simplesmente, alguém que recebe, dia e noite, denúncias. É para ser alguém que dê seqüência às denúncias que realmente têm consistência. E seja responsável, perante o presidente da República, por fazer com que elas sejam apuradas, e perante a sociedade, através da mídia, de que seja informada sobre o que está acontecendo.

Nesse sentido e já tendo eu falado demasiado, e os senhores terão à sua disposição os documentos a que me referi quero apenas dizer que vou transmitir à Dra. Anadyr uma carta que, se me permite, eu leio agora: "Eu tenho a satisfação de confirmar a sua designação para exercer as funções recentemente criadas, de corregedora-geral da União, com nível de ministro de Estado. E nada é mais importante nesse momento para o fortalecimento da democracia e o respeito às instituições republicanas, do que combater deslizes funcionais, a corrupção e a impunidade. A impunidade é irmã gêmea da corrupção.

Em conjunto são a Hidra que destrói a democracia, que permite que os demagogos confundam o joio com o trigo e, conscientemente ou não, ajudem a corrupção disseminando o descrédito das instituições. O governo e a Dra. Anadyr nada desejam encobrir e nada temem nessa matéria, muito menos eu. Mas não podem permitir que fatos do passado voltem às manchetes sob pretexto de que nada foi apurado. Com isso cria-se um clima fictício de ´mar de lama´, para instalar no Congresso CPI de cunho eleitoreiro, que nada acrescentará aos procedimentos administrativos e judiciários já em curso, e Vossa Excelência já os receberá.

Transformar as CPIs, que são instrumento essencial da democracia, para desvendar problemas reais, quando ocultado ou obstruído pelo Executivo, em ariete político eleitoral, é desmoralizar as instituições, quando não, as pessoas que são submetidas a acusações levianas, substituindo fatos por insinuações e provas por vaguíssimos indícios. Esses merecem, sem dúvida, a investigação do governo e do Ministério Público para, sendo comprovados, constituírem-se em peça de acusação séria, mas não podem ser exibidos como troféus da incompetência dos investigadores e peças de demagogia rasteira.

Embora nunca tenha sido dada tanta responsabilidade e autoridade a uma instância do Poder Executivo para assegurar um permanente combate à corrupção, a função para a qual nomeio Vossa Excelência não será fácil: a de tudo fazer para que os desvios apontados cheguem à conclusão. Para tanto, Vossa Excelência deverá coordenar e dar visibilidade e transparência às ações que empreender no combate à corrupção, para que a opinião pública acompanhe o seu desenvolvimento e se informe dos resultados. Junto a essa carta, um apanhado das ações moralizadoras do que estamos empreendendo e das providências que já foram tomadas para apurar denúncias, verdadeiras ou fantasiosas, que têm sido objeto da preocupação do governo e da opinião pública. Isso, sem falar do enorme esforço na área de informatização e crescente acesso público a informações sobre ações e contas do governo.

Por esse apanhado e, também, em função de sua experiência profissional recente, Vossa Excelência constatará a consistência da ação dos diversos órgãos do governo. Seu trabalho dará novo impulso às partes de controle, transparência e impessoalidade que vimos adotando desde o início do meu governo e terá a força da autoridade presidencial no âmbito do Executivo. Contará, também, com o empenho do Executivo junto ao Ministério Público e o Judiciário.

Por fim, fiel aos princípios que têm pautado minha vida pública, asseguro a Vossa Excelência que não haverá conveniência política ou de qualquer outra ordem que impeça a sua ação no esclarecimento dos casos que estejam sob sua análise. Aceite, portanto, as expressões do meu agradecimento por assumir função tão significativa para o regime e os costumes republicanos.

Quero, portanto, declará-la empossada como nova ministra encarregada da Corregedoria Geral da União.

Era tudo que tinha a esclarecer.

Muito obrigado aos senhores."
 

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