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22/04/2001 - 04h00

Presidente eleito do STF quer teto maior

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SILVANA DE FREITAS, da Folha de S.Paulo, em Brasília

O ministro Marco Aurélio de Mello, 54, que presidirá o STF (Supremo Tribunal Federal) a partir do próximo dia 31 de maio, defendeu a fixação do teto salarial do funcionalismo em valor superior aos limites até agora em discussão -R$ 12.720 ou R$ 17.172.

Na condição de chefe do Poder Judiciário, caberá a ele negociar essa questão com o presidente Fernando Henrique Cardoso e os presidentes da Câmara e do Senado, num momento em que há pressão do próprio governo por cortes nos gastos públicos.

Em sua primeira entrevista após ser eleito para o cargo, Marco Aurélio disse à Folha que o teto deveria ser corrigido pela inflação dos últimos seis anos ou, pelo menos, de parte do período.

O ministro expôs uma razão constitucional: a garantia de irredutibilidade dos salários. Também afirmou que a medida poderá trazer economia porque cortará os salários superiores ao limite.

A reforma administrativa, de junho de 1998, previu que o teto corresponderia ao salário dos ministros do Supremo e que seria uma parcela única, sem verbas extras, para assegurar o desconto dos altos salários.

Os juízes querem a sua fixação porque terão aumento em cascata. Há grande expectativa deles quanto à atuação de Marco Aurélio, que, em 1998, chegou a defender reposição integral das perdas.

O atual presidente do STF, Carlos Velloso, tentou inicialmente o teto de R$ 12.720 e depois defendeu esse valor acrescido de 35% de gratificação por tempo de serviço, o que elevaria o salário do Supremo para R$ 17.172.

O futuro presidente do tribunal disse que esses dois valores estão "aquém" do limite que deveria ser estabelecido para repor a perda do poder aquisitivo da categoria. Atualmente, não há teto.

Considerado o mais polêmico dos 11 ministros do Supremo, Marco Aurélio sugeriu que o eventual receio do Palácio do Planalto à sua gestão seria motivado por duas decisões que tomou em julho de 2000, quando ficou 15 dias na presidência do STF: manteve suspenso o leilão de privatização do Banespa e suspendeu a venda do IRB - Brasil Resseguros.

"É inerente ao ser humano não suportar decisões contrárias aos próprios interesses".

O ministro também criticou os planos econômicos, que até hoje são objeto de inúmeras ações judiciais, e o uso excessivo de medidas provisórias. Além disso, ele considerou "lamentável" a crise política no Senado.

A seguir, os principais trechos da entrevista concedida à Folha na última sexta-feira.

Folha - Nos últimos nove meses, houve demonstrações discretas do governo de receio quanto à sua gestão na presidência do STF. Esse receio teria motivado até mesmo a inclusão na pauta da convocação extraordinária do Congresso, em janeiro, de um projeto que adiaria a sua posse para janeiro de 2002 para que coincidisse com o fim do ano fiscal. O receio se deve à sua passagem de 15 dias pela presidência do STF?
Marco Aurélio de Mello -
Naquele momento, tivemos alguns processos envolvendo interesses individuais e outros envolvendo interesses do poder público.

No campo individual, houve o caso do Cacciola [libertação do dono do Banco Marka, Salvatore Cacciola" e a suspensão à condução coercitiva do Luiz Estevão [ex-senador" pela Polícia Federal para ele prestar depoimento.

Talvez outros dois atos tenham contrariado a política governamental da época: mantive o ato que havia afastado a privatização do Banespa e concedi uma liminar suspendendo o processo de privatização do IRB - Brasil Resseguros.

Quando me defronto com uma controvérsia, não fico preocupado com a capa do processo e a sua repercussão. Para mim, o importante é saber qual é o direito prevalecente.

Folha - Como presidente do STF, o sr. terá o poder de apreciar individualmente pedidos do governo de suspensão de decisões judiciais. Como irá agir?
Marco Aurélio -
Existe uma espécie de medida em uso, que não está contemplada na Carta [Constituição". Está apenas na legislação ordinária. Então deve ser encarada pelo menos com alguma reserva. Se há o processo tramitando em outro tribunal, o certo é aguardar o julgamento.

Folha - O governo convive mal com as decisões judiciais que contrariam os seus interesses?
Marco Aurélio -
É inerente ao ser humano não suportar decisões contrárias aos próprios interesses. No campo governamental, o interesse diz respeito à política que está em curso. Aqui no Supremo ainda estamos no rescaldo dos incêndios provocados pelos diversos planos econômicos. São planos elaborados por tecnocratas, sem uma supervisão técnica com independência desejável de um profissional do direito.

Esses planos atropelaram direito adquirido, situações jurídicas perfeitas e até a coisa julgada para se afastar a inflação, o alvo eleito.

Passamos a ter uma estabilidade econômica maior, o que é muito bom, mas surgiu uma instabilidade mais nefasta, que é a normativa (mudança excessiva na legislação). Precisamos parar com essa mania de acreditar que vamos corrigir as mazelas do Brasil mediante novas leis. O que precisamos, em última análise, é de homens que cumpram as existentes.

Folha - O sr. é crítico do abuso do governo na edição de medidas provisórias. O STF, em geral, é conservador em relação a esse tema?
Marco Aurélio -
Na Itália, também houve o exercício abusivo da normatização à mão única pelo Executivo, mas lá a Corte Constitucional disse: "Basta".

Penso que o STF está avançando para isso. O desejável é que essa disciplina seja estabelecida pelo Congresso. Se ela não vier por essa via, mais dia, menos dia, o Supremo coibirá os abusos. Não há quem não admita, em sã consciência, a distorção verificada no uso de MPs, que deveria ser excepcionalíssimo.

Folha - Como cidadão, que avaliação o sr. faz da crise política atual, focada no Senado?
Marco Aurélio -
É lamentável sob todos os ângulos, mas nós precisamos aguardar o funcionamento das instituições. O Senado haverá de colocar um termo no que está ocorrendo.

Fiquei realmente alarmado com o que ouvi no depoimento da ex-diretora do Prodasen [Regina Borges". Se procedentes, os fatos são gravíssimos, considerado o Estado democrático de Direito.

Folha - A violação do sigilo do painel eletrônico é razão suficiente para a eventual anulação da cassação do mandato do ex-senador Luiz Estevão?
Marco Aurélio -
A violação terá que ser esclarecida. Se houver controvérsia, baterá aqui no Supremo. Por isso, não posso adiantar o entendimento.

Folha - Em outubro de 2000, em julgamento sobre a Lei de Responsabilidade Fiscal, o sr. modificou o voto e decidiu uma votação em que o tribunal estava dividido. A decisão final agradou ao governo, porque manteve os limites de gastos impostos aos Poderes Legislativo e Judiciário. A mudança de voto foi interpretada como uma tentativa de mostrar ao Planalto que não precisaria temê-lo. Esse foi o objetivo?
Marco Aurélio -
De maneira nenhuma. Em um primeiro passo acompanhei o relator. O julgamento foi adiado e tive a oportunidade de refletir mais. Reexaminando o tema, constatei que o artigo 20 era indispensável à manutenção da Lei de Responsabilidade Fiscal e que a norma tinha amparo na Constituição.

Por isso evoluí. Creio que a comunidade jurídica tenha ficado atônita, mas longe de mim adotar uma postura para agradar a quem quer que seja. Não esperem isso.

Folha - Os juízes têm grande expectativa de que o sr. resolva a fixação do teto salarial do funcionalismo [que garantirá aumento em cascata no Judiciário". De quanto deveria ser o teto?
Marco Aurélio -
Estamos desde janeiro de 1995 com os vencimentos do funcionalismo congelados. A perda é substancial, agredindo o princípio constitucional da irredutibilidade dos salários.

Só em janeiro de 1996, o reajuste seria de 25%. A vida econômica é impiedosa. Há despesas que precisam ser satisfeitas. Mais do que isso: a relação jurídica entre tomador e prestador de serviço, ainda que envolva o setor público, deve ser equilibrada.

Se buscarmos realmente uma fidelidade maior à Constituição Federal, teremos que levantar as perdas no período, mas creio que não haja clima para isso, porque o ministro Velloso não conseguiu nem sequer a fixação dos vencimentos em R$ 12.720 ou, mais recentemente, a adoção desse valor sem os 35% da gratificação por tempo de serviço (que elevaria os salários do Supremo para R$ 17.172).

Não teremos a reposição integral. Vamos buscar um valor que seja razoável e que resulte até em economia para os cofres públicos, porque haverá o estabelecimento de um teto realmente para valer (sem o pagamento de extras), não algo lírico.

Folha - Sem considerar a viabilidade política, o valor necessário para repor as perdas seria em torno de R$ 21 mil, como o sr. defendeu em outubro de 1998?
Marco Aurélio -
Na época, defendi em um ofício esse valor. O grande mal que leva à perda de controle é justamente ter diversas parcelas no contracheque.

Folha - Há um valor de referência?
Marco Aurélio -
Não pensei nisso. Teremos que conversar com o presidente da República e os presidentes da Câmara e do Senado para ver o que é viável.

Folha - Os R$ 12.720 ou esse valor acrescido de 35% são insuficientes?
Marco Aurélio -
Ah, sim. Se entendermos que o princípio constitucional da irredutibilidade dos vencimentos está ligado ao valor real, não nominal, os R$ 12.720 estão aquém do que seria alcançado, mesmo com os 35%.

Folha - O seu parentesco com o ex-presidente Fernando Collor, de quem é primo, sempre é lembrado. Isso o incomoda? A partir da presidência do Supremo, espera que essa associação termine?
Marco Aurélio -
Jamais neguei o parentesco com o presidente Fernando Collor e o reafirmo, mas tenho uma vida profissional. A comunidade jurídica e acadêmica sabe o juiz que sou e sabe que não ganhei uma cadeira no Supremo de mão beijada.
 

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