Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
20/05/2001 - 03h23

D. Cláudio transita em correntes opostas

Publicidade

ANDRÉ SINGER
da Folha de S.Paulo

Quem chegasse à Praça da Sé, centro de São Paulo, ao meio-dia do último 1º de Maio, depararia com uma cena "sui generis". Em um canto, o cardeal da capital paulista, d. Cláudio Hummes, assistia, inteiramente só, a um pequeno espetáculo de dança.

No palco, um padre que vestia uma camiseta verde, coordenava um grupo de oito moças que dançavam e cantavam em ritmo centro-americano. O responsável por uma das maiores dioceses do mundo batia palmas para acompanhar as canções.

As letras, engajadas, falavam da luta por justiça e solidariedade. Tranquilo, o cardeal parecia apreciar o evento. A situação não espanta quem o conhece. D. Cláudio é o que se chamaria de um franciscano. No caso, de verdade. Além de pertencer à ordem criada por são Francisco de Assis, ele vive e trabalha de maneira simples. Em sua casa, na Luz, perto do centro da cidade, não há luxo.

Amanhã, o príncipe da igreja em São Paulo estará em Roma para participar do primeiro consistório desde que recebeu o chapéu cardinalício, em fevereiro.

No Vaticano, d. Cláudio já é conhecido. Faz parte de seis comissões de assessoria papal. Consta, também, que a amizade de d. Eugênio Salles, o veterano arcebispo do Rio, que detém uma das vozes brasileiras mais ouvidas em Roma, ajuda o trânsito do cardeal.

Do campo para Roma
O franciscano Hummes deverá estar à vontade. Roma é uma velha conhecida. Lá, o cardeal morou no começo da década de 60, para doutorar-se em filosofia, depois de frequentar o seminário no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1934, e em Divinópolis (MG).

Apesar da ótima formação intelectual, d. Cláudio não perdeu a simplicidade de filho de pequenos proprietários agrícolas, que só aprendeu a falar português com seis anos (antes falava alemão).
Com o dinheiro que ganha como presente dos fiéis, o cardeal ajuda quem precisa.

Engana-se, porém, quem toma a simplicidade de d. Cláudio por timidez. Basta acompanhar o cardeal por algum tempo para perceber que nele existe uma vontade férrea de conduzir o seu rebanho.

Logo depois de terminado o show de dança no 1º de Maio, o cardeal subiu ao palanque, montado na Sé, àquela altura tomado por cerca de 500 manifestantes.

Na ocasião, bandeiras do MST foram abençoadas. A retórica de d. Cláudio em nada fazia lembrar o bispo conservador que se anunciava três anos atrás, quando foi visto como o agente enviado por Roma para coibir os padres vermelhos que cercavam o antigo chefe da igreja paulistana, o progressista d. Paulo Evaristo Arns.

Ouviu-se de d. Cláudio um discurso firme contra políticas "neoliberais" que causam "desemprego em massa". Mas ele não é d. Paulo. Apesar das semelhanças, há um abismo entre eles.

Século 21
D. Paulo é, talvez, junto com d. Helder Câmara, o melhor emblema do catolicismo brasileiro no século 20. D. Cláudio tem tudo para ser o do século 21.

A diferença fica clara quando d. Cláudio faz o elogio da Renovação Carismática, movimento de corte conservador que tem entre seus expoentes o padre Marcelo Rossi. "Eles têm muito a ver com a pós-modernidade", diz o cardeal.

Não por acaso, a fala do cardeal de São Paulo lembra a de um filósofo católico. Doutor em filosofia, com uma tese em que procura mostrar a inexistência de incompatibilidade entre Kant e Hegel e a fé cristã, d. Cláudio é um intelectual completo.

"A modernidade acentuou muito a racionalidade. A pós-modernidade é uma reação contra esse racionalismo exagerado, em que se recupera o corpo, o sentimento, o coração, a gesticulação."

Para d. Cláudio, a igreja não tem como ficar fora desse movimento. Ou seja, para continuar à frente dos cerca de 1 bilhão de católicos e ter chance de expansão, o Vaticano precisa incorporar movimentos como o dos carismáticos.

Foi o que João Paulo 2º fez em Roma e d. Cláudio reproduziu em Santo André - onde foi bispo por duas décadas - ao longo dos anos 80. "Por volta de 86, eu fazia pregações naquela região. Um dia o bispo foi a um dos locais em que eu pregava, assistiu a minha fala e depois veio conversar. Isso nunca havia ocorrido", conta o publicitário Antonio Miguel Kater Filho.

O bispo era d. Cláudio. Kater Filho, um leigo na época, vinculado à Renovação Carismática, hoje vice-presidente do Instituto Brasileiro de Marketing Católico, tornou-se conselheiro do religioso.
Influenciados pela Renovação Carismática, os ritos católicos em São Paulo tornaram-se parecidos com os dos protestantes.

Emotivo
Assim que d. Cláudio assumiu, em abril de 1998, o padre Júlio Lancelotti levou a Itaici (SP) - onde a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil estava reunida - um grupo de moradores de rua para ser apresentado ao novo arcebispo. Ninguém sabia o que ocorreria. Afinal, Lancelotti é um membro da corrente progressista.

"Ao ver os moradores de rua, d. Cláudio chorou e tornou-se um aliado incondicional do padre Júlio", conta o professor de Teologia da PUC-SP Fernando Altemeyer.

É difícil entender como o cardeal consegue ser elogiado por figuras tão díspares quanto Kater Filho e Altemeyer. "Acontece que ele mudou de orientação no meio do ano passado", diz Altemeyer. D. Cláudio voltou a dar ênfase às questões sociais, nomeou dois bispos progressistas e manteve a estrutura descentralizada que o antecessor havia legado.

O que houve? Para Altemeyer, "foi o Espírito Santo". Uma explicação mais materialista, ou maquiavélica, sugeriria que, uma vez obtido o controle da arquidiocese, chegou o momento da diástole.

Mesmo assim, na próxima reunião anual da CNBB, ele pretende defender que a entidade deve "ser mais para os bispos". Em outras palavras, a atual autonomia dos assessores seria substituída pela palavra autorizada dos religiosos.

Bispo das massas
Por estranho que pareça, sem abrir mão das posições conservadoras, o cardeal começa a recuperar em São Paulo a simpatia dos progressistas, que adquiriu no ABC, no final dos anos 70.

O engajamento de d. Cláudio naquela época foi total. Abriu as igrejas para as assembléias de metalúrgicos quando os sindicatos sofreram intervenção.

Mas quem conhece d. Cláudio sabe que ele sempre esteve, no íntimo, preocupado com o possível uso da igreja para fins extra-eclesiásticos. Acima de tudo, ele é um homem da instituição.

É o direcionamento institucional da sua ação que explica o delicioso diálogo que travou com o líder comunista Luís Carlos Prestes nos bastidores de um dos comícios do ABC. Ao ser apresentado ao cavaleiro da esperança, d. Cláudio, sem mais, disparou: "Eu estou aqui por Jesus Cristo". Ao que o velho militante marxista respondeu: "E eu pela ciência".

Passado o vendaval da transição para a democracia, d. Cláudio esmerou-se por equipar a igreja com instrumentos que lhe permitissem seguir a caminhada em um ambiente pós-moderno. Não só estimulou os grupos da Renovação Carismática, como dedicou-se a ampliar os meios de comunicação à disposição do clero.

Com essa disposição para se comunicar, depois de se dirigir às poucas centenas de militantes reunidos na Sé, no 1º de Maio, o cardeal embarcou no Vectra verde que o serve e foi direto para o ato da Força Sindical.
Diante de uma multidão, calculada em 1,5 milhão de pessoas, o cardeal falou da "nova ordem econômica mundial, globalizada e de perfil neoliberal".

Quase ninguém prestou atenção. Não será fácil evangelizar os jovens pós-modernos que estavam ali mais para ouvir Adriana e a Rapaziada, do que a mensagem do cardeal. Porém, no que depender do franciscano, o esforço será feito. Ninguém duvide.

Trajetória de D.Cláudio Hummes

1934
Cláudio Hummes nasce em Montenegro, interior do RS

1959 a 1962
Torna-se doutor em filosofia pela Universidade Antonorium, em Roma

1975
Ordena-se bispo e assume a diocese de Santo André

1996
Torna-se arcebispo de Fortaleza, onde substitui d. Aloísio Lorscheider

1998
É nomeado arcebispo de São Paulo no lugar de d. Paulo

2001
Recebe o título de cardeal




 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página