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08/07/2001 - 05h25

Projeto do governo favorece poder da Globo

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ELVIRA LOBATO
da Folha de S.Paulo

O anteprojeto da nova lei de radiodifusão proposto pelo ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, representa um retrocesso político, afirma o professor Venício Artur de Lima, 56, um dos maiores estudiosos dos meios de comunicação no Brasil.

Na avaliação dele, o projeto estimula a concentração dos meios de comunicação em poder dos grupos que já dominam o setor e aumenta a influência política do ministério. O professor diz que a radiodifusão no Brasil, até agora, passou incólume pela revolução havida nas telecomunicações, mas afirma que a tecnologia tornará inevitável a convergência desses dois setores.

Na avaliação dele, a comunicação no Brasil vive um grande paradoxo: a Rede Globo, que concentra 50% da audiência e 70% do faturamento publicitário na TV aberta, é uma mistura combinada do arcaico e do moderno.

Venício Lima é professor aposentado da UnB (Universidade de Brasília), onde fundou, em 1997, o Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política. Foi assessor da Subcomissão de Ciência e Tecnologia e da Comissão da Família, Educação, Cultura, Esportes, Ciência e Tecnologia e da Comunicação na Assembléia Nacional Constituinte, em 1988.

Atualmente, é professor da Universidade de Caxias do Sul (RS). Publicou dois livros - "Comunicação e Cultura: As Idéias de Paulo Freire" e "Comunicación y Politica en America Latina: El caso Brasileño" - e está com seu terceiro livro, "Mídia: Teoria e Política", em fase de conclusão.

A seguir, as principais trechos da entrevista concedida, por telefone, na noite de quinta-feira:


Folha - O anteprojeto da lei de radiodifusão do ministro Pimenta da Veiga, se aprovado, vai agravar a concentração dos meios de comunicação? Que cenário o senhor divisa para o futuro?
Venício Artur de Lima
- Não tenho nenhuma dúvida de que o projeto estimula a concentração. Com as convergências das tecnologias, vai ser muito difícil estabelecer a diferença entre as telecomunicações e a radiodifusão. Não consigo entender como o ministério não vê isso quando propõe uma lei só para a radiodifusão.

Folha - O sr. avalia que essa convergência é benéfica?
Artur de Lima
- Não sei se é benéfica, mas sei que é inevitável do ponto de vista tecnológico. Você liga o computador e tem televisão, telefone, rádio. Isso torna muito mais necessário o controle da propriedade cruzada, porque a mesma empresa terá várias alternativas tecnológicas.

Folha - Se a tecnologia será convergente, como impedir que um empresa explore na mesma cidade, TV a cabo, TV aberta, telefonia e internet? Como impedir a concentração nas mãos de poucos grupos?
Artur de Lima
- Há várias formas de se fazer isso. Uma delas é o limite percentual de participação no mercado. Os EUA estabeleceram o teto de 35% por grupo empresarial. É possível criar limites para formação de rede. O anteprojeto do Pimenta da Veiga não cria nenhum controle na relação entre as redes de televisão e suas afiliadas, deixando que todos os conflitos sejam acertados entre as partes. Aí, manda o mais forte.

Folha - O projeto deixado pelo ministro Sérgio Motta impedia um mesmo grupo de ter TV aberta, TV a cabo e telefonia fixa na mesma localidade. Além disso, propunha o limite de 30% de participação no mercado de radiodifusão por grupo empresarial. Essas propostas foram excluídas do projeto de Pimenta da Veiga. O que o senhor acha disso?
Artur de Lima
- Acho que é uma concessão do governo à estrutura existente. Favorece quem já é dominante no setor.

Folha - Por falar em concentração, a TV Globo tem 50% da audiência e 70% da receita publicitária na TV aberta. É uma situação de quase monopólio.
Artur de Lima
- Com certeza.

Folha - Como o senhor vê o poder da TV Globo? É possível reverter essa concentração?
Artur de Lima
- Apesar da queda de audiência de alguns programas, o domínio da Globo é ímpar. É um poder muito grande, que, no entanto, abriga a possibilidade de ramificações regionais e locais com as elites, com o coronelismo político. Combina o arcaico e o moderno, numa estrutura que consegue se manter no tempo, apesar do terceiro milênio. Esse é o grande paradoxo da comunicação no Brasil.

Folha - O projeto de Pimenta da Veiga aumenta a influência política nas concessões?
Artur de Lima
- Com toda a certeza. É um projeto curioso, com inúmeros artigos que remetem a decisões futuras do ministério.

Folha -Ele aumenta o poder do ministro?
Artur de Lima
- Dá um poder muito grande a ele, na medida em que mantém a radiodifusão vinculada ao Ministério das Comunicações. O projeto do ministro Motta era esvaziar o ministério.

Folha - A radiodifusão tem tratamento legal diferente das telecomunicações. A primeira só pode ser explorada por brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, enquanto a segunda está totalmente aberta ao capital estrangeiro. Parece-me que existe um conflito de interesses entre essas duas partes e, talvez, uma luta pela sobrevivência da radiodifusão.
Artur de Lima
- Os grupos poderosos da radiodifusão estão fazendo alianças com grupos internacionais. A Globo se associou à Microsoft na Globocabo e à Telecom Itália na GloboCom.

Folha - O anteprojeto acaba com o limite de propriedade de concessões de TV por acionista (duas por Estado e dez no país) criado em 1967, mas não cria outro para substituí-lo.
Artur de Lima
- Acho impressionante que aconteça dessa forma, pois a Constituição proíbe a oligopolização do setor. O artigo 220, parágrafo 5º, diz que os meios de comunicação não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou de oligopólio.

Folha - Então, a Constituição já é desrespeitada.
Artur de Lima
- Esse dispositivo, como boa parte do capítulo de comunicação social, nunca foi regulamentado. Mas a norma.

Folha - O decreto 236/67, que fixou os limites de propriedade de rádios e TVs, é inócuo, porque os tetos foram estabelecidos por acionista. Os donos das emissoras passaram a registrar as concessões em nome de parentes.
Artur de Lima
- Esse decreto tem de ser entendido sob a perspectiva de um Estado autoritário, que queria manter o controle sobre a radiodifusão para reduzir competidores importantes na formação da opinião pública.

Folha - O objetivo não era impedir a formação de oligopólios?
Artur de Lima
- Também. Era uma combinação da ideologia de segurança nacional com a preocupação de evitar a formação de oligopólios. É importante analisar a estrutura do sistema de comunicação no Brasil. A revolução tecnológica, que está acontecendo em vários países, tem repercussões muito particulares aqui. À exceção da privatização das telecomunicações, na primeira gestão de FHC, a estrutura histórica do setor se manteve. Até os personagens são os mesmos, como fantasmas que ressurgem.

Folha - O sr. está se referindo à presença dos políticos na radiodifusão?
Artur de Lima
- Exatamente. O sistema de comunicação no Brasil sempre foi controlado por grupos familiares e por elites políticas regionais e locais. Esse esquemão continua forte e ditando as regras do jogo.

Folha - O senhor quer dizer que a radiodifusão passou incólume por todas as transformações havidas nas telecomunicações?
Artur de Lima
- Estruturalmente, sim. A única exceção é a consolidação de algumas igrejas nessa estrutura, sobretudo da Igreja Católica, com a Rede Vida, e a Igreja Universal do Reino de Deus, que comprou a Record e a Rede Mulher.

Folha - Isso é um avanço ou um retrocesso? As igrejas estão usando artifícios, como o arrendamento, para assumir o controle de emissoras de rádios em todo o país. Elas não aparecem como proprietárias, mas controlam as emissoras. Em consequência, nem o governo sabe, realmente, quem é dono da radiodifusão no Brasil.
Artur de Lima
- Não existe um mapa real dos donos da radiodifusão no país porque não há vontade política, refletida na legislação da área, que conduza à identificação clara dos proprietários. Isso revelaria uma estrutura de poder. É possível comprar uma concessão e repassá-la a terceiros por contrato de gaveta.

Folha - Os deputados reclamam dos leilões de venda de concessões. Dizem que o poder econômico substituiu o poder político.
Artur de Lima
- Tem gente querendo que os processos de outorga das concessões deixem de ser submetidos ao Congresso. A aprovação pelo Congresso foi a conquista mais importante da Constituinte nessa área.

Folha - Por falar nisso, a Constituinte foi um grande balcão de negócios. Dezenas de deputados receberam concessões de rádio e TV na ocasião.
Artur de Lima
- A grande barganha aconteceu por causa do aumento do mandato do ex-presidente José Sarney (passou de quatro para cinco anos) e da votação do presidencialismo. O envolvimento de parlamentares com o setor é um problema histórico no Brasil e não há legislação que cuide disso.
 

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