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04/10/2001 - 07h48

Celso Pinto: O ajuste brasileiro e o "efeito tango"

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CELSO PINTO
Colunista da Folha de S.Paulo

O fantasma da crise argentina, que andou escondido depois do atentado em Nova York, voltou a assombrar os mercados. Ao mesmo tempo, cada vez mais bancos apostam numa virada profunda nas contas externas brasileiras em 2002.

Enquanto o ministro do Desenvolvimento fala em superávit comercial de US$ 5 bilhões no próximo ano e o Banco Central, em déficit em conta corrente de US$ 24 bilhões, alguns bancos vão muito mais longe. O ABN-Amro divulga hoje suas novas projeções para 2002: um superávit comercial de US$ 9 bilhões e um déficit em conta corrente de US$ 18 bilhões. O JP Morgan, na semana passada, previu US$ 10 bilhões de superávit na balança e US$ 20 bilhões em conta corrente.

Se eles estiverem corretos, a necessidade de recursos do Brasil em 2002 será mais de US$ 10 bilhões inferior a projeções pré-atentado. O que deteriorou o risco brasileiro pós-atentado e fez o câmbio disparar foi a percepção de que os investidores internacionais ficarão mais avessos ao risco em países emergentes. Quem mais dependia de financiamento mais sofreria. O Brasil é campeão mundial, em valores absolutos, de necessidades externas de recursos.

Se a reação das contas externas for mais forte e rápida do que se imaginava (ainda que pelo lado pior, o do corte nas importações pela recessão), será que a percepção de risco também vai melhorar? E, se isso ocorrer, será suficiente para compensar um novo agravamento do risco Argentina?

Primeiro, é bom entender o que se passou na Argentina. Desde o anúncio do acordo com o FMI, em agosto, os depósitos na Argentina subiram US$ 2 bilhões. É verdade que só em dólares, não em pesos. Mas era a corrida para sacar depósitos que ameaçava um colapso que tantos previram para agosto. A confiança interna melhorou e o atentado não reverteu isso.

Depois do acordo, as reservas passaram a cobrir 120% das exigências do regime de convertibilidade. As reservas e outras fontes de liquidez, nos cálculos do Morgan, cobrem 110% dos passivos de curto prazo. Para 2002, o país precisa de US$ 19,8 bilhões, mas o dinheiro já garantido, ou quase certo, são US$ 15,3 bilhões. Sobram US$ 4,5 bilhões para buscar no mercado, a partir do terceiro trimestre, o que não é dramático.

A Argentina deve perder US$ 28 bilhões de capitais privados (9,8% do PIB) neste ano, só parcialmente compensados pelo ingresso de US$ 10,7 bilhões (3,8% do PIB) de fontes oficiais, como o FMI. Mas o grosso das perdas já tinha ocorrido antes do atentado. A piora da liquidez não faz tanta diferença.

Se não há um "gatilho de liquidez", como diz Tomás Brisola, do banco BBM, que esteja prestes a levar a Argentina à moratória, então por que seu risco subiu para 1.700 pontos e voltou o medo de um colapso? Duas razões. A queda de 14% na arrecadação de setembro coloca em risco o déficit público zero e, sem ele, não há dinheiro do FMI que garanta a liquidez. Além disso, os atrasos nos repasses às províncias complica o cenário político e a viabilidade do déficit zero.

Arturo Porzecanski, economista-chefe para Países Emergentes do ABN-Amro em Nova York, acha inevitável que a Argentina tome novas medidas fiscais depois das eleições de 14 de outubro. Ele imagina o não-pagamento do 13º e cortes adicionais de salários do funcionalismo. O agravamento da recessão e as dúvidas políticas ressuscitaram previsões, no mercado, de que a Argentina possa ser forçada ao calote até o final do ano. O tamanho do risco Argentina reflete esse temor.

E, se isso ocorrer, o Brasil pode se safar melhor? Arturo é pessimista. Ele acha que a melhora nas contas externas pode minimizar o pessimismo que fez com que todo mundo passasse a apostar no dólar contra o real. Algo que, diz ele, a política de "negligência benigna" do BC, no início do ano, fez com que fugisse do controle.

Mas um colapso argentino, a seu ver, teria um impacto muito negativo junto aos investidores, que não poupariam o Brasil. Até porque as incertezas da eleição presidencial continuarão. A dúvida dos investidores é se a dívida pública sairá de controle e se o próximo presidente estará disposto a continuar gerando superávits primários para mantê-la sob controle.

Nesse sentido, um ajuste mais forte nas contas externas ajuda. Tira pressão sobre o câmbio, cuja desvalorização afeta muito o estoque da dívida. Abre algum espaço para crescimento sem crise externa. E, se resultar em apreciação do real, mais à frente, permitirá uma queda mais agressiva do juro real. Mesmo assim, as dúvidas só desaparecerão se ficar claro que o próximo presidente não quer um calote e que fará um esforço fiscal para evitá-lo.

A polêmica dos derivativos
O coro a favor do BC operar também nos derivativos de dólar (opções e futuros) engrossou com adesões de peso, como a do economista José Roberto Mendonça de Barros. Mas não mudou a opinião do BC.

Ilan Goldfajn, diretor do BC, diz que não é contra, em princípio, mas não vê vantagens em relação à estratégia atual de venda de títulos indexados ao câmbio. São três os argumentos pelos derivativos, diz:

1) Seria mais fácil de operar. Ele discorda. A partir de maio de 2002, quando o BC for proibido de emitir NTNs cambiais, talvez a operacionalidade complique. Hoje, é facílimo. 2) Afetaria menos o endividamento. Mentira, diz ele. O custo final é igual, mesmo que se opere por artifícios, como antes da desvalorização de 99. 3) Seria mais barato. Falso: o valor do dólar futuro embute o juro do período. Se houvesse diferença de custos, alguém ganharia na arbitragem.

Há um forte argumento a favor dos títulos cambiais, sustenta Ilan. Eles ajudam também a enxugar a liquidez, coisa que os derivativos não fazem.
 

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