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08/10/2001 - 07h15

Para senador mineiro, empresariado é "omisso"

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PAULO PEIXOTO
da Agência Folha, em Belo Horizonte

Empresário do setor têxtil com ativos de R$ 1,4 bilhão, o senador mineiro José Alencar Gomes da Silva, 69, que se filiou na quinta-feira passada ao PL, faz duras críticas ao empresariado, que, para ele, "do ponto de vista político, é muito distante, muito omisso".

Até agora o principal nome para compor a chapa presidencial do petista Luiz Inácio Lula da Silva, Alencar, que já presidiu a Fiemg (Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais) e foi vice-presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), tem sido criticado por outros empresários. "O preconceito [dos empresários] contra os partidos de esquerda é também por ignorância", diz.

Alencar seria uma espécie de escudo na chapa, ajudando a quebrar resistências a Lula e ao partido, que procura ser cada vez mais light. Embora diga não ser candidato a nada em 2002, defende Lula, as esquerdas e o PT. Mas diz que o seu perfil é de centro.

Na entrevista que concedeu à Agência Folha, no escritório do Grupo Coteminas em Belo Horizonte, do qual é dono, Alencar disse que o presidente Fernando Henrique Cardoso é uma "decepção" como administrador. Na política, entrou em 93, no PMDB, que acaba de deixar. Disputou o governo de Minas em 94 e foi eleito senador em 98. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Agência Folha - O sr. disse certa vez que é de centro, mas não é conservador. Se fosse conservador, não teria saído da roça. Qual o sentido disso?
José Alencar - Você pode caracterizar as esquerdas como um movimento que contraria aquela posição conservadora. As esquerdas são revolucionárias. A revolução bolchevique de 1917 foi feita pelas esquerdas. Muito antes, a Revolução Francesa poderia ser caracterizada como de esquerda. Da mesma forma, a revolução comunista na China, em 1948, e a Revolução Cultural. Então, há um preconceito contra as esquerdas, tendo em vista que o regime socialista foi implantado e mantido pela força na ex-União Soviética e na China. Houve uma mudança radical na vida das pessoas. Então há o medo. Mas aquele socialismo fracassou por razões políticas e econômicas.

Agência Folha - E as esquerdas...
Alencar - As esquerdas estão aí. O PT é um partido de esquerda, o PSB é um partido de esquerda, o PPS é o antigo PCB. Por que o PCB mudou de nome? Porque reconheceu o fim daquela experiência socialista de Estado. Há ainda o PC do B, mas consciente de que todo esse quadro não existe mais.

Agência Folha - E por que apoiar e admirar essas esquerdas?
Alencar - Essa esquerdas hoje representam uma coisa absolutamente indispensável, que é a sensibilidade social, o compromisso social. Só Estado forte pode prover educação com igualdade e oportunidade para todos, saúde pública e também transporte, porque ninguém vai fazer. Você pode privatizar uma estrada que já está pronta, como fizeram aí no Rio e em São Paulo, mas ninguém vai fazer em um território de 8,5 milhões de km² na iniciativa privada. Então, o Estado tem que prover. Tem que prover também o saneamento básico, porque isso é saúde pública. Tudo isso exige uma participação do Estado, que não é indiferente do ponto de vista social. O mercado é. Então, é preciso haver convivência do livre mercado com a participação do Estado. O que está acontecendo hoje com o Brasil é que ele abandonou a idéia de Estado forte, Estado para prover, por exemplo, os serviços de infra-estrutura, comunicação, transporte, água.

Agência Folha - Mas essa preocupação não é só da esquerda, é também da direita e do centro. O sr. não acredita na centro-direita?
Alencar - A partir do governo Collor, experimentamos o período da modernidade. Essa modernidade significava o afastamento do Estado e isso virou moda. No Brasil, tudo vira moda. Virou moda o apreço ao mercado e o desapreço ao Estado. O Brasil parou de investir em infra-estrutura e agora veio o problema energético. Parou de investir em estradas e elas estão abandonadas. Nunca estiveram em situação tão precária. Algumas foram privatizadas e cobram pedágios de custo altíssimo, absolutamente incompatível com a atividade de transporte no Brasil, onerando ainda mais o chamado "custo Brasil". Agora é com a energia, como se uma privatização de hidrelétrica acrescentasse a produção de 1 kWh. Não acrescenta nada. Apenas transfere, às vezes ao capital estrangeiro - o que vai fazer crescer o nosso passivo externo e a nossa demanda por moeda forte.

Agência Folha - Tem culpa o empresariado, no sentido de permitir que essas mudanças não ocorram?
Alencar - O empresariado nacional, e não sei se é só o brasileiro, do ponto de vista político, é muito distante, muito omisso. É despolitizado. É claro que há exceções, mas por regra o empresariado é absolutamente alienado em relação à vida política do país.

Agência Folha - Essas opiniões e sua proximidade com as esquerdas, especialmente com o PT, têm gerado críticas de empresários.
Alencar - Justamente. Essa alienação acaba construindo uma dificuldade para que o empresário enxergue a realidade. O preconceito contra os partidos de esquerda é também por ignorância. Por uma razão muito simples: as esquerdas hoje representam, em primeiro lugar, sentimento nacional; em segundo, sensibilidade social e, em terceiro, probidade no trato da coisa pública. É isso o que as esquerdas representam, e nós não queremos isso?

Agência Folha - E qual é a ótica do empresariado?
Alencar -Vamos avaliar na ótica do empresário que sou há 50 anos. Sentimento nacional ou nacionalismo não interessa ao empresariado? É claro que interessa. O sentimento nacional oferece resistência à entrega de determinados valores, como o mercado nacional. Entregamos nosso mercado de forma absolutamente inconsequente e até irresponsável, sem trocar por nada. Simplesmente abrimos nossa fronteira, até para o contrabando.

Agência Folha - Então o sr. defende que o empresariado do setor produtivo se rebele contra o sistema financeiro, por moldar toda uma política econômica...
Alencar - Sim, veja bem: sensibilidade social significa também importância para o mercado interno crescer no Brasil, preparar o povo brasileiro. Preocupação com a dívida social significa lutar para que o país se desenvolva, para oferecer oportunidade de trabalho para as pessoas. Precisamos disso. O que tem acontecido com o Brasil? O endividamento relativo tem crescido porque o PIB [Produto Interno Bruto, a soma das riquezas produzidas pelo país] não tem crescido. Então, com essas taxas de juros e a dívida alta, a tendência é a dívida crescer cada vez mais em relação ao PIB. Já estamos com a nossa dívida próxima de 55% do PIB. Nosso passivo externo líquido é coisa de 80% do PIB. Então, a demanda por moeda forte é muito grande para alimentar essa passivo externo. É preciso que isso seja posto para que as pessoas acordem. Vendemos todo o sistema siderúrgico, todo o sistema petroquímico, todo o sistema de telefonia, inclusive a Telebrás, vendemos parte do sistema hidrelétrico, vendemos a Vale do Rio Doce, que é um país.

Agência Folha - O sr. então é contra essas privatizações? Acha que o Estado tem que gerir siderúrgicas, por exemplo?
Alencar - Quando se falava nas privatizações, falava-se como solução para o pagamento da dívida. No mínimo, isso foi pessimamente negociado. Mas nesses sete anos não houve investimento em infra-estrutura, houve privatizações de grande parte das coisas feitas pelo Estado, a carga tributária cresceu 40% e a dívida triplicou. Acho que os setores siderúrgico e petroquímico poderiam ser privatizados, como foram, mas não doados. A Usiminas foi doada. Agora, acho que usina hidrelétrica jamais poderia ser privatizada. É questão até de segurança.

Agência Folha - Pelo que o sr. diz, o presidente FHC, que o sr. apoiou, é uma grande frustração.
Alencar - É uma grande decepção. Não como cidadão. Considero ele um verdadeiro herói de guerra. Ganhou a guerra contra um monstro, que é a inflação. Manteve um câmbio absolutamente equivocado, que foi aquele de R$ 0,83, abriu as fronteiras do país sem negociar e quebrou o país, que está em uma situação de vulnerabilidade, de fragilidade.

Agência Folha - Só a esquerda é capaz de mudar isso?
Alencar - A esquerda entra naquele tripé de sentimento nacional, sensibilidade social e probidade no trato da coisa pública. Por exemplo, a alternância do poder. Se não começarmos a praticá-la, não vamos combater a corrupção.

Agência Folha - Mas a esquerda no poder assusta os investidores.
Alencar - O líder de esquerda [brasileiro] que é mais conhecido no mundo todo é o Lula. Se o Lula ganhar as eleições, muita gente, muitos colegas meus, empresários, acham que seria a ingovernabilidade. Mas veja: hoje estamos praticando a maior transferência de renda oriunda da produção em benefício do sistema financeiro internacional, como nunca houve nem em forma tributária nem em forma de pagamento de juros. E a única forma de mudar isso é por meio de uma mudança política.

Agência Folha - O sr. acha que Lula está preparado para dirigir o país?
Alencar - Tive um professor da Universidade de Columbia (EUA), que deu um curso para 50 empresários em Araxá, que disse o seguinte: na administração pública, a decisão é uma atribuição do político, não do técnico. O político, dizia ele, é um oceano de conhecimento com um palmo de profundidade. E o técnico é um poço de conhecimento profundo, porém específico. Mas ele sentia nos dizer que o Brasil estava repleto de poços rasos tomando decisões. É uma metáfora que serve para nós até hoje. Isso foi em 71. O Lula é um torneiro mecânico e o Fernando Henrique é um intelectual, um professor. Mas ambos têm o conhecimento de alguma coisa, não de tudo. Aquele que for mais político tem o conhecimento mais amplo.

Agência Folha - E o sr. está preparado para ser o vice dele?
Alencar - Eu não sou candidato. O meu mandato termina em 2007. Portanto, o que eu desejo é cumprir o meu mandato.

Agência Folha - O próprio Lula já disse que vocês estarão juntos em 2002, independentemente do partido em que estiverem. E um empresário como o sr. entraria para a chapa também com o sentido de agregar e quebrar resistências...
Alencar - Mas tem muitos outros. Eu me filiei ao PL e o Célio de Castro, meu amigo e prefeito de Belo Horizonte, filiou-se ao PT. Eu terei imenso prazer de participar como soldado, respeitando as decisões do partido. Vou participar de uma aliança que possa representar a unidade dos partidos de oposição, para dar início à alternância do poder.

Agência Folha - Não será impossível, dentro do PL, o sr. defender uma aliança com Lula?
Alencar - Dentro do PL, vou defender uma aliança de apoio aos partidos de oposição para que possamos ganhar as eleições no primeiro turno. O ideal seria uma união dos partidos de oposição.

Agência Folha - Mas essa união é difícil.
Alencar - É difícil, mas, se não pudermos fazer isso, faremos no segundo turno.

Agência Folha - Como combatente da política econômica atual, não foi incoerente o sr. apoiar, na convenção nacional do PMDB, o grupo aliado ao governo FHC, em vez de se juntar aos que condenam o que o governo faz? O PT mineiro usou esse argumento para criticá-lo.
Alencar - Não tenho que me preocupar com esse tipo de coerência, porque fui um dos primeiros a assinar o requerimento da CPI da corrupção. O presidente mandou me oferecer o Ministério da Integração Nacional, antes de Ramez Tebet assumi-lo. Não aceitei porque não podia participar de um governo com o qual eu não estivesse de acordo. Isso sim é coerência. Agora, preferir votar em Michel Temer [eleito presidente do PMDB] é outra razão. Ele foi presidente da Câmara e realizou um trabalho que o credenciou perante todas as lideranças do partido. Então, a escolha do nome dele era porque eu acreditava que ele pudesse unir o partido. O PMDB tem um problema sério de heterogeneidade. Não pedi para entrar na chapa, ele colocou meu nome porque quis.

Agência Folha - Então o sr. não vê incoerência?
Alencar - Não tem absolutamente nenhuma incoerência, pelo contrário. Se houvesse, eu teria, no dia da eleição para presidente do Senado, feito a tal barganha que eles queriam que eu fizesse, assumindo o ministério [Integração Nacional], que é muito mais importante, para a eleição do Tebet. Não tenho nada contra ele, que é meu amigo, mas sua eleição não deixou de ser uma intervenção. O Tebet disputou sua eleição em uma reunião da bancada que foi adiada três vezes à minha revelia. No último adiamento, eles [a cúpula do PMDB] plantaram o boato que eu iria para o ministério e o Tebet para o Senado. Foi por isso que não retirei minha candidatura [a presidente do Senado]. Fiquei indignado com aquilo e abri mão da primeira-vice-presidência do partido e me desfiliei para entrar no PL.

Agência Folha - Mas o PL não tem esse sentimento das esquerdas, até por sua origem.
Alencar - Ingressei no PL porque ele tem um perfil muito parecido com o meu. Ainda que eu seja muito simpático aos partidos de esquerda, não tenho como deixar de reconhecer que meu perfil é de centro. Entrei para o partido sem nenhum compromisso do partido para comigo. Mas me foi dito por todos que o partido marcha com as oposições para iniciarmos um trabalho de redirecionar a política econômica brasileira.

Agência Folha - O sr. teme que o PT não aprove a aliança com o PL?
Alencar - Na política, sempre há dificuldades, pois todos os partidos são heterogêneos. Temos que compreender isso. O que importa é que haja diálogo, que a decisão seja democrática e que a vontade da maioria seja respeitada.

Agência Folha - O sr. vai se reaproximar do governador Itamar Franco em nome dessa aliança de centro-esquerda?
Alencar - Nunca me afastei dele. Não tenho ido ao Palácio da Liberdade mais por falta de tempo. Se for designado pelo meu partido, não farei restrição a conversar com quem quer que seja.
 

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