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25/10/2001 - 22h19

Base de Alcântara gera futuro incerto para população local

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da Reuters

A Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados adiou mais uma vez nesta quinta-feira a votação de um parecer contrário à utilização comercial do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA). Enquanto isso, centenas de famílias a serem desalojadas do local esperam para saber qual será seu destino.

O relator do parecer, Waldir Pires (PT-BA), é contrário à proposta que prevê um acordo de salvaguardas entre o Brasil e os Estados Unidos para a utilização da base militar. O acordo precisa ser aprovado pelo Congresso para entrar em vigor.

A questão já gerou um amplo debate a respeito de questões da soberania nacional.

As restrições de inspeção por autoridades brasileiras, implicando a delimitação de uma área sob controle norte-americano e a impossibilidade de transferência tecnológica para o Brasil são alguns dos pontos que geraram preocupação.

A discussão, focada largamente em tecnologia e cifras, deixa de lado o fato de que a região não é desabitada.

Desocupação
A ampliação do CLA irá retirar 502 famílias de suas terras -- comunidades centenárias, em sua maioria remanescentes de quilombos e descendentes de índios tapuias.

Os moradores prometem resistir à desocupação, pois não concordam com as compensações prometidas pelo governo federal.

``Podemos até mudar, desde que o Estado mande fazer outro Oceano. Ou o governo reconhece que Alcântara tem brasileiros que merecem respeito ou o projeto não vai para frente'', afirma Domingos Dutra, advogado dos moradores.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) abriu um processo formal para apurar as violações contra as comunidades de Alcântara. O órgão deve pedir explicações ao governo brasileiro e analisar a atuação do governo norte-americano no processo.

O centro de Alcântara está localizado 22 quilômetros a oeste da ilha onde fica São Luís. De barco alcança-se o seu centro urbano em pouco mais de uma hora. Porém, por terra, são mais de 400 quilômetros através da rodovia MA-106, com trechos que ainda não estão asfaltados em uma viagem penosa e demorada.

O município, que data de 1648, foi tombado 300 anos depois como patrimônio cultural nacional, em razão do rico conjunto arquitetônico.

Passado se repete
Dos 114 mil hectares de Alcântara, 52 mil foram tomados para a instalação do centro em 1980. O governo, então sob ditadura militar, assinou um acordo, registrado em cartório, em que se comprometeu a atender as reivindicações da população que seria realocada: terra boa e suficiente, áreas de pesca, indenização justa, entre outras.

Porém, segundo os moradores, o governo não cumpriu a sua parte. José Sarney, então presidente e ex-governador do Maranhão, assinou decreto reduzindo o tamanho dos lotes rurais de 35 para 15 hectares -- insuficiente, uma vez que a população tende a crescer e o lote original dividir-se entre os filhos, afirmam os moradores.

Os protestos não chegaram a ser ouvidos e entre 1986 e 1987, 312 famílias foram transferidas para agrovilas, núcleos habitacionais compostos de um lote urbano e outro rural.

Em 1991, Fernando Collor aumentou para 62 mil hectares a área destinada ao CLA, representando mais da metade do município.

Sete agrovilas receberam famílias de 32 comunidades, desorganizando assim o seu cotidiano e modo de produção. Os benefícios vieram na forma de energia elétrica, saneamento básico e uma estrada de acesso ao centro do município, embora a maioria da população sonhe em voltar.

Os lotes urbanos ficam distantes dos rurais, fazendo com que as famílias caminhem muito tempo até chegar a suas plantações. Além disso, todos são unânimes em reclamar que a qualidade do solo é bem inferior ao de seus locais de origem. Pescadores vez ou outra ainda lançam redes no antigo povoado, depois de uma caminhada de mais de três horas.

Utilização comercial
Para viabilizar a utilização comercial do CLA, o governo quer dar continuidade às desocupações. Atualmente, há apenas 20 mil hectares em uso pelo centro. As fases 2 e 3 da ampliação vão retirar mais 502 famílias de suas terras, colocando-as em agrovilas como aquelas construídas há 20 anos.

Canelatíua, uma das comunidades mais antigas, fica a 46 quilômetros da zona urbana de Alcântara. Domingos Ramos, 78, nasceu nesse pequeno vilarejo, assim como seus antepassados. O povoado tem poucas famílias: 48 ao todo.

No centro, um cajueiro com mais de 200 anos e outras árvores frutíferas centenárias mostram que o lugar é habitado há muito tempo.

``Não moraria na agrovila por que eles não têm lá o que nós temos aqui. Hoje, meu filho pescou cinco tainhas grandes e trouxe para eu almoçar.'' O mar, assim como em muitas comunidades, fica ao lado de Canelatíua.

Domingos acha que não estará vivo no ano que vem. Mas diz que só sai carregado de lá.

O Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), através de sua assessoria, informou que foi iniciado em agosto o processo para o pagamento das indenizações aos ``posseiros'' da área desapropriada para a instalação do CLA.

Segundo o MCT, foram disponibilizados 2,44 milhões de reais que seriam depositados, no mês de outubro, em contas individuais na Caixa Econômica Federal. De acordo com o ministério, será implantado um programa de recuperação e desenvolvimento de Alcântara, tendo como objetivo recuperar as agrovilas, melhorar a qualidade de vida da população e garantir um desenvolvimento econômico sustentável.
 

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