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10/11/2001 - 07h25

Obras reavaliam a ascensão e a queda de João Goulart

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MAURICIO PULS
da Folha de S.Paulo

A historiografia brasileira não deixou uma imagem muito positiva do presidente João Goulart (1961-1964). Habitualmente descrito como fraco e inepto, é apontado como o responsável pelo êxito do Movimento de 1964, por ter se negado a ordenar a resistência militar contra os golpistas.

Tende-se assim a reduzir um fato histórico crucial a uma hesitação pessoal, explicável pela personalidade afável do presidente. Esse psicologismo simplório, porém, não explica por que os aliados de Jango também hesitaram. Convém, pois, buscar as razões que conduziram não só um indivíduo, mas um conjunto deles, a um estado de inércia e indecisão.

Redigido numa perspectiva abertamente favorável ao presidente deposto, "O Governo João Goulart - As lutas sociais no Brasil - 1961-1964", de Luiz Alberto Moniz Bandeira, traz algumas contribuições nesse sentido, embora algumas de suas teses sejam de difícil sustentação.
Lançado em 1977, com 188 páginas, o livro ressurge agora com 320 páginas, beneficiado pela divulgação de novos documentos pelos Estados Unidos, que revelam a forte ingerência do país na política interna brasileira.

Toda a obra está estruturada em torno do confronto entre um governo nacionalista, às voltas com as dificuldades econômicas legadas pela era JK, com o governo dos EUA, que bloqueou todas as tentativas para atenuar os problemas nas contas externas, contribuindo para o desgaste de Jango.

Quais eram os fundamentos desse nacionalismo? Tanto Goulart como seu padrinho político, Getúlio Vargas, eram dois estancieiros, cuja prioridade não era o mercado externo, mas o interno. O problema é que "seu produto, o gado, ia diretamente para os frigoríficos, na maioria estrangeiros, que ditavam o preço da carne".

Produzindo para o mercado interno, os estancieiros perceberam que seriam beneficiados pela elevação da renda dos assalariados urbanos; ao mesmo tempo, buscavam apoio para sua disputa com o capital estrangeiro. Dessa conjunção de fatores nasceu um projeto partidário centrado num ideário desenvolvimentista, mediante o qual o latifúndio gaúcho passou a representar politicamente os setores industriais que substituíam importações. Vargas tinha plena consciência de que era preciso atender parcialmente as reivindicações dos operários para obter deles o apoio à industrialização e sobretudo para evitar que aderissem ao comunismo: "Estou tentando salvar esses burgueses burros e eles não entendem".

No início dos anos 60, essa política de compromisso entra em colapso. Em uma conjuntura recessiva, os industriais já não toleram as pressões por aumentos salariais, e os fazendeiros rejeitam até as propostas mais moderadas de reforma agrária. A direita exige que o presidente reprima duramente os sindicatos, enquanto a esquerda reclama a implantação imediata das reformas de base.

Como aponta Décio Saes, o drama pessoal de Goulart reflete o drama do populismo: quando o presidente declara "sua intenção de começar a expropriação rural por suas próprias terras, sua contradição individual torna-se a imagem mais fiel do populismo em vias de devorar-se a si próprio". Sua hesitação não expressa apenas um traço psicológico, mas o esgotamento de seu projeto político. O que faz um conciliador quando a conciliação acaba?

Goulart era um reformista, que acreditava numa transformação gradual da sociedade. Não pretendia ser um revolucionário, mas tampouco queria liquidar a estrutura sindical que havia ajudado a construir. Quando os trabalhadores lhe pediram armas, recusou-se a fornecê-las. Ao mesmo tempo, rejeitou as propostas de generais, como a de Amaury Kruel, para romper com os sindicatos e formar um ministério conservador: "General, eu não abandono os meus amigos. Se essas são as suas condições, eu não as examino. Prefiro ficar com as minhas origens. O sr. que fique com as suas convicções. Ponha as tropas na rua e traia abertamente".

Toda indecisão é uma decisão: diante das opções de liderar uma revolução contra sua própria classe ou de liquidar o partido político que havia construído, João Goulart ficou com suas origens: aceitou a deposição e foi para o exílio.

Já o livro "1961 - Que as Armas Não Falem", de Paulo Markun e Duda Hamilton, tem um alcance mais restrito: a obra narra os acontecimentos entre a renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto, e posse de João Goulart na Presidência, no dia 7 de setembro.

Os autores descrevem detalhadamente a resistência militar à posse de Jango, a montagem da "Cadeia da Legalidade" pelo governador gaúcho, Leonel Brizola, e a aprovação da emenda parlamentarista. O relato é entremeado por biografias dos protagonistas.


O GOVERNO JOÃO GOULART - AS LUTAS SOCIAIS NO BRASIL 1961-1964
De:
Luiz Alberto Moniz Bandeira
Editora: Revan; 320 págs
Preço: :R$ 29,00

1961 - QUE AS ARMAS NÃO FALEM
De:
Paulo Markun e Duda Hamilton
Editora: Senac; 416 págs
Preço: R$ 38,00
 

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