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08/12/2001 - 08h36

Coleção do PT discute socialismo

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OSCAR PILAGALLO
da Folha de S.Paulo

A julgar pelo atual estágio do debate interno, o Partido dos Trabalhadores não vai chegar tão cedo a uma clara definição sobre o socialismo que deseja. Essa, ao menos, é a impressão deixada pelos primeiros volumes da série "Socialismo em Discussão". Mas, pensando bem, quem está com pressa?

Não a cúpula petista, certamente. Dominada pela ala moderada, a direção do partido parece preferir empurrar a questão ideológica para o futuro. Se o debate se revela inconclusivo, tanto melhor: é uma razão a mais para manter discretamente enrolada a bandeira socialista durante a campanha eleitoral que se avizinha.

Que o PT vem adequando o seu discurso ao ideário social-democrata não é novidade. A facção majoritária do PT não prega o fim do capitalismo, apenas defende mecanismos que promovam a justiça social. O revolucionário abre espaço para o reformista.

Mais palatável à classe média e aos empresários, a candidatura petista já está no segundo turno em 2002, segundo as projeções. Não é o momento, portanto, de falar em socialismo, o que poderia afugentar uma parcela desse novo eleitorado. Mas, sendo o PT um partido de esquerda, também não há como não falar em socialismo.

Criado o impasse, a série "Socialismo em Discussão" parece vir a calhar. Se os debates são teóricos o suficiente para não influenciar o programa do partido a curto prazo, também não deixam o assunto morrer. Os livros reproduzem o ciclo de seminários no ano passado, um evento fechado para dirigentes do PT, da CUT, de ONGs e de movimentos populares. Agora, os trabalhos apresentados vêm a público em formato popular.

Embora a concepção de socialismo fique em aberto, o debate é norteado pela premissa democrática, como lembra o líder petista Luiz Inácio Lula da Silva. Num texto com vocação didática, o filósofo Leandro Konder coloca o desafio: "Combinar as liberdades individuais com as novas bases da organização das relações sociais". Trata-se de um "processo de socialização personalizante", termo emprestado do padre e filósofo Manfredo Araújo de Oliveira, para quem a questão não foi suficientemente pensada por Karl Marx (1818-1883). Como vencer o desafio? Konder não tem uma resposta pronta. "Vamos aprender fazendo", diz.

Talvez o ponto mais polêmico da coleção seja a definição do papel do mercado numa economia socialista. O mercado está para o capitalismo como o planejamento central está para o socialismo. O primeiro não favorece a justiça social; o último passa por cima da democracia. O que fazer?
O tema é enfrentado pelo economista Paul Singer, um dos organizadores dos seminários. "Mercados são essenciais para possibilitar ao indivíduo o direito de escolha, como trabalhador e como consumidor", afirma Singer. Quanto à persistência ou não da desigualdade econômica, sugere ele, esse é um assunto que ficaria a cargo de um "parlamento econômico", algo como um contrapeso social à ação do mercado, uma tentativa de compatibilizar os planos das empresas com os interesses dos trabalhadores. Esse organismo, cujos membros seriam eleitos por partidos ou corporações setoriais, teria a missão de elaborar políticas que arbitrassem a demanda por crédito.

Ao desenvolver o argumento, Singer chega a uma concepção híbrida -a de mercado socialista. "A função do mercado socialista é viabilizar a liberdade de iniciativa de pessoas ou grupos com novas idéias", defende. "Caberia aos bancos -que provavelmente seriam públicos- financiar projetos novos, segundo diretrizes aprovadas pelo parlamento econômico. [..." A função do sistema financeiro seria apoiar os projetos que representantes dos consumidores considerassem de grande potencial ou significação social."

A proposta é recebida com ceticismo. "Acho que o professor Singer termina atribuindo ao mercado um papel que ele certamente não pode cumprir", diz adiante o economista João Machado, ex-membro da Comissão Executiva Nacional do PT. Lula vai na mesma linha: "Acho que o Paul Singer exagerou na questão da valorização do mercado, porque o mercado só funciona se houver um Estado muito forte regulando esse mercado e o obrigando a cumprir algumas cláusulas sociais".

Consciência social, não socialismo -aí está a chave para entender o PT de hoje. "Talvez seja por isso que o PT consegue afirmar-se e crescer como partido de esquerda neste ambiente pós-queda do muro de Berlim e talvez seja isso também o que impede o PT de centrar sua atividade política cotidiana em torno do socialismo", afirma o deputado José Genoino, um dos líderes da ala moderada.

Se é assim, para que discutir socialismo? A resposta não se encontra nos textos. Lançada num momento em que os petistas se aproximam dos evangélicos do Partido Liberal, a coleção pode ser lida como uma satisfação à militância mais radical. É como se uma legenda invisível afirmasse: "O PT ainda é socialista".

Col. Socialismo em Discussão
Editora Perseu Abramo. Preço: R$ 8,00 cada livro. Economia socialista (Paul Singer e João Machado); O indivíduo no socialismo (Leandro Konder e Frei Betto); Classes sociais em mudança e a luta pelo socialismo (João Pedro Stedile, José Genoino e Francisco de Oliveira); Orçamento participativo e socialismo (Olívio Dutra e Maria Victoria Benevides); Instituições políticas no socialismo (Tarso Genro, Edmilson Rodrigues e José Dirceu); Globalização e socialismo (Maria da Conceição Tavares, Emir Sader e Eduardo Jorge).



 

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