Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
24/12/2001 - 08h43

Recusa ao sexo pode gerar indenização, diz advogada

Publicidade

ROBERTO COSSO
da Folha de S.Paulo

A advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, 44, afirma que o cônjuge ou companheiro que se recusa a ter relações sexuais pode ser condenado judicialmente a indenizar o outro.

Ela é coordenadora de uma comissão de especialistas criada para aperfeiçoar o novo Código Civil, que entrará em vigor no início de 2003. O presidente Fernando Henrique Cardoso deverá sancionar o texto aprovado pelo Congresso Nacional em 8 de janeiro.

A comissão, composta por nove especialistas que também trabalharam na elaboração do código, confecciona projetos de lei para permitir uma melhor interpretação da nova lei. Eles vão ser reunidos em um livro, que será lançado até abril, e serão apresentados ao Congresso Nacional pelo deputado Ricardo Fiúza (PPB-PE), que foi o relator do Código Civil.

Um dos aperfeiçoamentos propostos pelos projetos de lei é a previsão específica da aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de família. Esse entendimento já é consagrado pela jurisprudência, mas não está expresso em nenhuma lei.

Especialista em responsabilidade civil, Regina Beatriz falou à Folha sobre as possibilidades de indenização nas relações de família. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.


Folha - A sra. propõe que haja previsão específica em lei sobre a aplicação dos princípios da responsabilidade civil nas relações de família. O que é isso?
Regina Beatriz Tavares da Silva
- Hoje, independentemente dessas modificações, tanto no Código Civil de 1916 quanto no novo código, aquele que, numa relação de família, descumpre um dever e causa dano a outro membro da família é obrigado a reparar esse dano. Isso decorre da regra geral da responsabilidade civil, que diz que aquele que pratica um ato ilícito e acarreta dano [moral ou material" é obrigado a repará-lo. O princípio se aplica às relações de casamento, de união e entre pais e filhos.

Folha - Hoje, esse entendimento decorre de uma interpretação sistemática do código.
Regina
- Exatamente. Com esses projetos de lei, haverá uma previsão específica, assim como há na França, em Portugal e nos Estados Unidos. Esse entendimento já está reconhecido em vários casos julgados no Brasil.

Folha - Uma das obrigações matrimoniais é a de os cônjuges manterem contato sexual. O fato de um dos cônjuges se negar a fazê-lo é motivo para um pedido de separação. Também é motivo para um pedido de indenização?
Regina
- Sem dúvida. O descumprimento de todos os deveres conjugais, uma vez que exista dano, gera ao ofendido o direito de pleitear indenização.

Folha - O cônjuge que trai também pode ser condenado a indenizar o cônjuge traído?
Regina
- O cônjuge e o convivente que traem são obrigados a indenizar. Na união estável também há obrigação de lealdade.

Folha - E em uma união estável em que os conviventes estabeleçam liberdade, em que as pessoas possam ter vários parceiros?
Regina
- Isso não é união estável. É preciso haver exclusividade na relação para que possa haver relação estável.

Folha - Então, ainda assim, tem que indenizar?
Regina
- Desde que a traição cause dano.

Folha - Que tipo de dano?
Regina
- Especialmente o dano moral: sofrimento, angústia, humilhação.

Folha - Mas a indenização só faz sentido se o ato der causa à dissolução do casamento ou da relação estável, não é?
Regina
- A indenização só tem cabimento se houver uma ação de separação litigiosa, com pedido indenizatório cumulado. Ou depois de uma sentença que condene o cônjuge pelo descumprimento de um dever conjugal, fazendo-se o pedido de indenização posteriormente.

Folha - Quais são os deveres dos cônjuges no casamento?
Regina
- Fidelidade, que já falamos. Coabitação, que é o dever de manter contato físico e de coabitar sob o mesmo teto. Assistência, que, no aspecto material, é o auxílio econômico e, no aspecto imaterial, é o respeito e a proteção que um cônjuge deve ao outro: respeito pela vida, pela integridade física, pela honra, pela liberdade do outro. Também há os deveres de cunho patrimonial, em relação à administração dos bens comuns em benefício da família.

Folha - Então a má administração dos bens também...
Regina
- Também gera a aplicação do mesmo princípio.

Folha - Como a jurisprudência tem se comportado?
Regina
- Um julgamento do STJ [Superior Tribunal de Justiça] condenou o marido a pagar uma indenização para a mulher porque ele a agrediu fisicamente, moralmente, e ainda cerceou a liberdade profissional e social dela, que fugiu de casa em virtude dos riscos físicos que sofria. Além disso, ela foi abandonada materialmente pelo marido e teve de sobreviver pela caridade de amigos.

Folha - Esse caso é extremo. Há casos mais corriqueiros?
Regina
- O abandono da companheira grávida e desempregada na relação estável também gera indenização. A mulher que simulou gravidez e desrespeitou, portanto, a honra do marido, colocando-o fora de casa por ordem judicial, sendo que se passaram 11, 12 meses e ela não deu à luz. E os dois eram médicos.

Folha - Por que ele foi expulso de casa?
Regina
- Porque ela simulou gravidez, apresentou laudo falso. O juiz o colocou para fora de casa para proteger a criança que iria nascer. Se há uma discussão entre o casal, pode não ser muito grave, mas há uma criança que está sendo gerada, o juiz concede prontamente a liminar de separação de corpos. Nesse caso, ela descumpriu o dever de respeitar a honra do marido.

Folha - E se a traição não se consumar fisicamente, mas der causa à separação?
Regina
- O dever de fidelidade proíbe a manutenção de relações que tenham em vista a satisfação do instinto sexual fora do casamento ou fora da união estável. O dever de fidelidade não é descumprido somente pela relação sexual do cônjuge com terceira pessoa.

Folha - Então o sexo virtual, praticado pela internet...
Regina
- Quando não havia a internet, a comunicação por carta de uma pessoa casada com outra já era tida como infidelidade.

Folha - E a compra de revistas pornográficas?
Regina
- Aí, não necessariamente. O padrão moral não dever ser levado ao extremo. E se os dois gostam de ver a revista? Não há uma traição propriamente dita.

Folha - A sra. conhece casos ajuizados de pedidos de separação por traição na internet?
Regina
- Existem várias ações em andamento.

Folha - E por recusa à conjunção carnal?
Regina
- Também existem várias ações ajuizadas. Essa é uma causa comum de separação judicial.

Folha - Se uma das pessoas casadas se recusa a manter relação sexual, a outra pode trair?
Regina
- Não, porque não há compensação de culpas no direito de família. Se existe essa situação, o ofendido que se separe.

Folha - Mas caberia reconvenção na ação de separação.
Regina
- Claro. Se um se recusa à prestação sexual e o outro trai, haverá uma ação e uma reconvenção [ação do réu contra o autor, no mesmo processo]. E os dois serão considerados culpados. O que pode haver é uma compensação de indenizações, mas não há uma compensação de culpas.

Folha - E como ficam as relações entre pais e filhos?
Regina
- O pai que se recusa a reconhecer o filho, por espírito emulatório, deve indenizá-lo.

Folha - E se o pai agride excessivamente o filho?
Regina
- Também cabe pedido de indenização.

Folha - Há jurisprudência?
Regina
- No Brasil, não. O que geralmente ocorre é a perda do pátrio poder. Mas há nos Estados Unidos.

Folha - Qual o prazo de prescrição dessas ações?
Regina
- Vinte anos.

Folha - E a visitação aos filhos de pais separados?
Regina
- A mãe que, como guardiã dos filhos, impede a visitação do pai pode ser condenada a pagar uma indenização aos filhos, pelos prejuízos causados a eles, e ao pai das crianças. Da mesma forma, o pai que tem o dever de visitar o filho e reiteradamente não o faz.

Folha - Mas o pai não tem o direito de visita?
Regina
- A rigor é um dever, segundo o Código Civil de 1916 e segundo o novo código.

Folha - E no caso de o pai não morar na mesma cidade?
Regina
- Isso muda a situação. Os casos específicos devem ser analisados individualmente.

Folha - Que outras inovações a comissão irá propor no direito de família?
Regina
- A presunção da paternidade pela recusa da realização do exame de DNA.

Folha - A jurisprudência também consagra isso, não?
Regina
- Os juízes têm dificuldades porque não há uma presunção legal. Alguns juízes consideram a recusa como grave indício [da paternidade], mas com a presunção expressa na lei, a sentença seria automática.

Folha - E se o suposto pai tiver um impedimento religioso?
Regina
- Isso deverá ser considerado pela jurisprudência.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página