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28/01/2002 - 08h55

Sociólogo defende resistência coletiva em Fórum Social Mundial

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo

O Fórum Social Mundial, que começa nesta semana em Porto Alegre, terá de ser mais conclusivo do que sua primeira edição. Essa é a opinião do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos.

Entre as tarefas mais urgentes do evento, ele menciona a necessidade de incrementar as articulações inter-regionais. "É urgente que os países de desenvolvimento intermediário tomem consciência da necessidade de resistir coletivamente à globalização neoliberal."

Sousa Santos, 61, professor da Universidade de Coimbra, vem ao Brasil para participar do evento. Também lançará aqui "A Globalização e as Ciências Sociais", coletânea de ensaios organizada por ele, que sai pela editora Cortez. Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Sousa Santos concedeu à Folha.


Folha - O sr. diz que o neoliberalismo vai de encontro aos princípios do liberalismo clássico do século 19 e que esta seria a razão da atual crise do capitalismo. Acredita que a alternativa para uma globalização justa seria retomar fundamentos daquele liberalismo?
Boaventura de Sousa Santos
- O neoliberalismo atual está contra o liberalismo clássico do século 19 porque este era a favor de concessões às classes trabalhadoras, e foi a partir delas que surgiram as políticas sociais do século 20. O que distinguia os liberais clássicos dos "demo-socialistas" era a quantidade e a qualidade das concessões.

Na Europa, as concessões "demo-socialistas" prevaleceram, e o resultado foi a criação de um "Estado do Bem-Estar". O neoliberalismo atual é hostil às concessões e por isso é herdeiro direto do conservadorismo do século 19.

Temos de avançar para novas soluções com novas articulações entre Estado, comunidade e mercado. O que se se manterá enquanto houver capitalismo é a clivagem entre esquerda e direita.

Folha - Acredita que neste segundo Fórum Social o debate será mais conclusivo?
Sousa Santos
- O objetivo do primeiro foi mostrar que há alternativas à globalização neoliberal, e que é urgente que essas alternativas sejam incluídas nas agendas dos Estados e organizações internacionais. Isso foi atingido. Até o 11 de setembro eram visíveis mudanças no discurso político internacional hegemônico: a admissão de que a globalização neoliberal é muito excludente e que isso tem de ser controlado, o reconhecimento de erros passados por parte das agências financeiras internacionais e o propósito de formular políticas mais realistas aos custos sociais que produzem.

Essas mudanças ocorreram por pressão do povo de Porto Alegre e prenunciavam que se seguissem mudanças da agenda política e mudanças políticas concretas.
As tarefas do fórum são agora mais urgentes. Ele terá de tentar obter articulação inter-setorial e inter-regional. Por isso os debates estão sendo desenhados para serem mais conclusivos.

Folha - Como seria possível diminuir a discrepância entre a economia globalizada e a política não-globalizada? Acha que os nacionalismos devem se acirrar como autodefesa dos Estados Nacionais?
Sousa Santos
- Essa discrepância existe, e o Fórum Social Mundial é um movimento que busca desenvolver a dimensão global da política. É preciso distinguir o nacionalismo dominante do nacionalismo subalterno. O primeiro predomina nos países mais desenvolvidos e consiste em impor a globalização em tudo o que os favorece. Os Estados Unidos são exemplo paradigmático de nacionalismo dominante.

Por outro lado, o nacionalismo subalterno consiste na resistência a uma imposição hegemônica de globalização. Esse nacionalismo subalterno não tem qualquer viabilidade a menos que se desnacionalize. Ou seja, a menos que se converta numa articulação entre países do Terceiro Mundo, com o objetivo de dar força à globalização alternativa que o povo de Porto Alegre tem proposto.

É urgente que países de desenvolvimento intermediário e com grandes populações tomem consciência da necessidade de resistir coletivamente à globalização neoliberal. Penso em países como Brasil, Argentina, México, Venezuela, África do Sul, Índia. China e Rússia também podem desempenhar um papel. É preciso que os Estados desses países sejam sujeitos à pressão de movimentos sociais progressistas.

Folha - O sr. é um crítico da descolonização realizada por Portugal, tendo estudado mais especificamente o caso de Macau. Em sua opinião, qual é a principal consequência negativa da colonização portuguesa no Brasil de hoje?
Sousa Santos
- Portugal, por ser ele próprio um país semi-periférico, foi um colonizador inconsequente. Isso teve um efeito contraditório. Por um lado, tornou possível a independência mais oligárquica e conservadora da América Latina, o Brasil. Por outro, favoreceu relações caóticas entre colonizador e colonizado, fez com que a independência não fosse onerada por neocolonialismos. Reside aqui o grão de verdade do luso-tropicalismo.

Folha - O que pode ser feito sobre a relação entre Portugal e Brasil?
Sousa Santos
- Portugal está hoje integrado na União Européia e o modo como decidiu sua integração não lhe permite reivindicar uma política própria apoiada em laços históricos em relação à África ou ao Brasil. A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tem sido uma oportunidade fracassada. A oportunidade reside em que, não havendo nenhum país hegemônico nessa comunidade, será possível uma articulação solidária com algum peso na comunidade internacional. Em vez disso, temos tido um Brasil ausente e uma luta estúpida pela hegemonia entre dois países não hegemônicos na cena mundial, Brasil e Portugal.

Folha - Por que o sr. não concorda com o termo antiglobalização?
Sousa Santos
- Realmente a designação antiglobalização não faz sentido quando aplicada ao movimento que tem no Fórum Social Mundial a sua mais forte expressão, pois ele próprio é global. A maioria dos movimentos que lutam contra a globalização neoliberal não é contra a globalização. É contra esta globalização e luta por uma globalização alternativa.

Folha - O sr. acredita que as alternativas à globalização têm de ser formuladas de forma diferente no Primeiro e no Terceiro Mundo?
Sousa Santos
- Penso que a maior hipocrisia da globalização neoliberal é estar dominada por critérios duplos, impondo aos países periféricos o contrário do que países centrais fazem quando seus interesses estão em jogo. Veja, por exemplo, o protecionismo dos produtos agrícolas na Europa ou da indústria do aço e agora os da indústria têxtil, nos Estados Unidos. As articulações Sul-Sul, sobretudo entre países com populações que pelo seu tamanho são um fator de pressão global, são urgentes para dar fim a essa hipocrisia.
 

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