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04/02/2002 - 09h43

"Fórum Social é fraco ao propor idéias", diz professor

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SYLVIA COLOMBO
da Folha de S.Paulo, em Porto Alegre

"É como morder a mão que me alimenta, mas preciso dizer que seria melhor que o Fórum Social Mundial não servisse tanto aos objetivos eleitorais do PT", afirma Michael Hardt, 41, professor de literatura e romance da Universidade Duke (EUA) e co-autor de "Império" (2000, com o filósofo italiano Toni Negri).

Hardt veio a Porto Alegre para tomar parte no fórum social e participa hoje da conferência que discute "Soberania, Nação, Estado". Leia abaixo trechos da entrevista que o pensador dos EUA concedeu à Folha, ontem, na capital gaúcha.


Folha - O fórum tem levantado os pontos negativos da chamada globalização neoliberal. O que há para ser feito pelos que se opõem a ela?
Michael Hardt
- Numa perspectiva do norte (EUA e Europa), acho que os protestos, de Seattle a Gênova, foram as melhores coisas que aconteceram desde 1968. É a primeira politização séria de uma geração completamente nova. Uma maneira de pensar e uma militância totalmente originais.

Folha - O que está faltando, então?
Hardt
- Vejo duas dificuldades principais. A grande limitação do movimento hoje é geográfica. Ainda que se reconheça em várias partes do mundo, ele é geograficamente limitado. O que Porto Alegre faz é oferecer uma oportunidade de conexões. Outra dificuldade do movimento é o fato de ter sido até aqui apenas de protesto. Ele ainda é fraco ao propor alternativas. Mas também não acho que seja necessário simplesmente listar as dez coisas que o Banco Mundial deveria fazer. Há dois tipos de discurso que confrontam a globalização, um diz que a resposta é reforçar a soberania nacional, como na França. Isso não é bom, pois a soberania nacional traz em si uma forma de hierarquia que não é positiva. O outro discurso é o que defende uma rede globalizante alternativa. Parece mais apropriado.

Folha - Você acha que a discussão tende a ser mais conclusiva?
Hardt
- Eu não quero declarações ou um programa de ação, acho que o que seria mais necessário agora é que surgisse um confronto, que se realçassem divisões, e isso ainda não está acontecendo, eu espero que possa suceder. No caso de Porto Alegre, acho que não acontece por causa do caráter dispersivo do evento. Mas acho o fórum essencial. Para quem vem dos EUA, em que tudo está tão pesado desde os atentados, é refrescante encontrar tanta gente e discutir abertamente os problemas do mundo.

Folha - O que você acha da relação do PT com o fórum?
Hardt
- A natureza dupla da razão pela qual Porto Alegre sedia o fórum, oferecendo um espaço oficial para o PT conduzir uma operação eleitoral, obviamente estabelece uma relação ambígua entre este e os movimentos sociais que vêm até aqui. Não quero falar mal do partido, mas por mais bonito e positivo que seu programa possa ser no contexto para o Brasil, creio que o fórum deveria ser uma coisa separada de sua imagem.

Folha - "Império" foi lançado pouco antes da Guerra do Kosovo, em 1999. O que aconteceu no mundo depois disso confirma suas "previsões"?
Hardt
- Sim, no que diz respeito às duas idéias centrais do livro. A primeira delas dizia que uma nova forma de poder tomava força e que ela não seria liderada por nenhum país -daí o "império" não ter nada que ver com "imperialismo". Isso se confirma mesmo que os EUA estejam num processo de militarização depois de 11 de setembro. Se por um lado isso acontece, os mesmos EUA também tentam compreender o mundo de maneira abrangente. Daí as organizações e órgãos transnacionais que alimentam (FMI, Banco Mundial e outros). A outra idéia é a de que a luta, a resistência também tinham a tendência de se globalizar. E isso também está acontecendo.

Folha - A crise argentina pode ser vista mais como exemplo das falhas do neoliberalismo como sistema ou como resultado das falhas de seus governantes?
Hardt
- Acho mais eficiente pensar em termos sistemáticos. Vejo a crise argentina como a crise no sudeste asiático há alguns anos. No caso da Argentina, o problema econômico resultou numa crise política e, -que bom para eles-, o governo foi derrubado. Concordo que sejam casos diferentes, mas pode-se ver como uma mesma causa teve diferentes efeitos em diferentes locações. Pode-se dizer que a causa veio do sistema, mas o modelo que tomou forma lá foi o modelo argentino. Os erros do governo contribuem para a crise, mas apenas na maneira como a modelam.

Folha - Crises como essas ameaçam o "império"?
Hardt
- Não. Não me parece que as crises sociais e econômicas por si mesmas sejam uma ameaça ao poder global. Em geral as políticas do poder global funcionam através dessas crises e não irá entrar em colapso por causa delas.

Folha - Como as crises, as guerras do mundo contemporâneo reforçam o poder global?
Hardt
- Sem dúvida. A história das formas de poder que funcionam apoiadas no capitalismo vêm tradicionalmente usando crises e conflitos para se legitimar economicamente. É também um mecanismo de controle social.

Folha - Portanto, você considera mais eficiente analisar crises pontuais a partir de uma visão mais ampla e não do contexto específico de cada uma?
Hardt
- Provavelmente seria mais eficiente neste momento ver o caso Enron no mesmo contexto da Argentina. Muitas coisas são diferentes, mas em ambos há uma crise econômica gerada pela forma contemporânea de controle do capitalismo que não necessariamente ameaça sua estrutura. É preciso atentar para a natureza sistemática desses acontecimentos, porque isso indica que não basta encontrar uma solução nacional. É preciso haver um movimento muito mais amplo para resolver problemas amplos. O que podemos fazer por meio de políticas nacionais é ganhar posição na hierarquia dos subordinados no mundo. O Brasil pode agora estar numa situação menos ruim do que a Argentina, mas isso não é uma vitória, pois não aponta para o que está errado no sistema a que ambos fazem parte.

Folha - Qual sua opinião sobre as guerras contemporâneas?
Hardt
- Minha visão mais ampla sobre a guerra confirma que no mundo de hoje as guerras são de uma outra natureza. Não veremos mais grandes potências em combate. Tampouco teremos guerras que ameacem o sistema como um todo. No passado, as guerras civis eram transformadoras, revolucionárias, como a chinesa ou a francesa. A guerra dos EUA contra a Al Qaeda, a de Israel contra a Palestina ou mesmo a do Paquistão contra a Índia não representam ameaças ao novo poder global, pelo contrário, reforçam o sistema como um todo. Temos hoje uma forma de poder mundial que é reforçada pelas guerras e pelas crises das nações.

Leia mais:fóruns de Porto Alegre e NY
 

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