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08/02/2002 - 07h33

Lula e Serra fariam o debate "moderno" do país, diz Tarso

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LÉO GERCHMANN
da Agência Folha, em Porto Alegre

O tucano José Serra é um adversário "moderno" e que vai "elevar o nível do debate político" em sua provável disputa com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de uma forma que não ocorreria com a presidenciável Roseana Sarney (PFL).

A opinião é de um dos principais teóricos do PT, o prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, para quem Serra é a "centro-direita moderna" e Roseana, "o último suspiro da velha direita".

Segundo ele, a esquerda brasileira precisa estender seu discurso aos excluídos da sociedade, sob risco de vê-los serem absorvidos pela retórica do que chama de direita "fascista" -algo que poderia ocorrer na Argentina.

Aos 54 anos, Tarso trava uma disputa encarniçada com o governador Olívio Dutra pela indicação do PT à disputa estadual deste ano. A cúpula petista acompanha com preocupação o desenrolar da briga, temendo eventuais respingos na candidatura Lula. O mesmo confronto já ocorreu em 1998, e Olívio saiu vencedor. Dois anos depois, Tarso deu o troco e conseguiu a indicação para disputar a prefeitura, vencendo Raul Pont, apoiado pelo governador.

Nesta entrevista exclusiva, Tarso sobe o tom em suas críticas a Olívio, a quem chamou no Fórum Social Mundial de "stalinista" por supostamente editar imagens suas no evento. Agora, afirma que o governador é autoritário, "na pior tradição da esquerda".

Socialista, Tarso fala também sobre a crise ideológica das esquerdas. Não vê possibilidade da implantação prática do modelo socialista "no horizonte próximo". Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Agência Folha - No Fórum Social Mundial, o sociólogo Francisco de Oliveira disse que "a moçada quer o socialismo". O sr., no mesmo painel, afirmou que caminhamos não para o socialismo, mas sim para a barbárie. Quais, afinal, são as perspectivas da esquerda?
Tarso Genro -
Estamos em uma situação de defensiva histórica. Na sociedade da segunda Revolução Industrial, os valores que baseiam o projeto socialista e a afirmação de uma cultura de igualdade permitiam pensar que o projeto socialista estava em um momento de afirmação. Com a emergência do neoliberalismo, a exclusão, o egoísmo como virtude e a eleição do consumismo como novo Deus, os valores que fundamentam um projeto de igualdade social estão cada vez mais dissolvidos. A luta dos socialistas hoje é de resistência contra a barbárie pela afirmação da democracia. Um novo modo de produção não está na pauta histórica próxima.

Agência Folha - Isso significa abandonar o socialismo?
Tarso -
Não. Significa que a luta pelo socialismo está na inclusão social, na luta por políticas públicas socializantes e no respeito às diferenças.

Agência Folha - O prefeito de Buenos Aires, Anibal Ibarra, da Frepaso (centro-esquerda), defende a obtenção de empréstimos junto ao FMI como solução para o país. Isso vale também para o Brasil?
Tarso -
Depende das políticas a serem desenvolvidas pelo próximo governo brasileiro. Se tivermos uma política clara de indução de um mercado interno de massas, capacidade de inverter a balança comercial, criarmos um sistema de alianças internacional em torno de um modelo de desenvolvimento alternativo que se caracterize por inclusão e distribuição de renda, poderemos estar libertos dessa necessidade.

Agência Folha - O que seria esse sistema de alianças?
Tarso -
O Brasil deve ter um forte laço político e econômico com União Européia, China, Índia e Rússia, países que também precisam se libertar da órbita absoluta das políticas americanas, para que possamos ajudar a criar um novo contrato político internacional.

Agência Folha - O sr. concorda com o escritor português José Saramago quando ele diz que a esquerda está alheia à realidade?
Tarso -
Não digo que a esquerda esteja alheia à realidade. Concordo que a esquerda e seus partidos devem se renovar para compreender que a fragmentação social do mundo atual exige outra dimensão política. Vou colocar uma questão concreta para ilustrar meu ponto de vista: todos os partidos de esquerda do mundo reunidos não fariam o Fórum Social Mundial. Não teriam força política para fazê-lo. Por que o fórum foi feito por essas organizações [não-governamentais", que representam fragmentos da sociedade, que representam lutas por direitos, a defesa da natureza, das mulheres, de minorias nacionais, dos sem-terra e sem-teto? Porque têm formas de relacionamento com a sociedade e propostas diferentes dos partidos, com conexão mais concreta, mais direta, com os movimentos sociais reais. Os partidos de esquerda têm de compreender isso. A luta social hoje é mais complexa.

Agência Folha - Os excluídos não são contemplados?
Tarso -
Os excluídos não têm classes. Tradicionalmente, não contam em um projeto estratégico. Tanto é verdade que, durante um largo período da segunda Revolução Industrial, os excluídos sempre foram massa de manobra do fascismo e do nazismo. A esquerda sempre lhes deu muito pouca atenção. As esquerdas se concentram nas estruturas sociais clássicas. As classes sociais, especialmente as trabalhadoras, não podem ser abandonadas.

Sem elas, não se constrói um projeto de nação nem um projeto socialista. O que não se pode é abandonar o cada vez mais vasto mundo da exclusão.

Agência Folha - Na Argentina, país com 22% de desempregados, os excluídos podem ser cooptados pela direita?
Tarso -
A Argentina é um caso típico. Claro que existe um risco. Como é que não tem na Argentina um partido de esquerda ou centro-esquerda? Algo está errado. O povo tem saído à rua sozinho ou puxado por micropartidos. A Argentina é uma exibição clara da falência da visão tradicional dos partidos.

Agência Folha - Voltando ao Brasil: os 30% de intenções de voto são o teto de Lula?
Tarso -
Esse patamar de 30% é nosso patamar no primeiro turno. O que vai apontar o espectro político que conseguiremos no segundo turno é a capacidade de demonstrarmos ao povo brasileiro e à sociedade internacional que temos condições de aplicar nosso programa, de fazer mudanças estruturais no país, econômicas, sociais e políticas, com segurança, com estabilidade. A segurança se transformou na categoria central da política, seja a segurança pública, seja a da moeda, a segurança em relação ao futuro, a das instituições democráticas. Se conseguirmos mostrar que vamos ser fiéis a nosso programa, fazer mudanças com segurança e previsibilidade, venceremos.

Agência Folha - O ministro da Saúde, José Serra (PSDB), e a governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PFL), se equivalem?
Tarso -
Não. São quadros políticos diferentes. Serra se aproxima mais do tipo de contra-reformas que o Fernando Henrique desenvolveu. Eles compõem aquele quadro de políticos ilustrados afinados com a visão de Tony Blair e Bill Clinton e, em parte, inclusive, com a de Margareth Thatcher. Compõem um espectro de centro-direita moderno, entre aspas.
A Roseana constitui um último suspiro das oligarquias do Nordeste, tentando apresentar uma face reformada.

Agência Folha - Se Serra é uma nova força e Roseana é o último suspiro, não é mais interessante tê-la como adversária?
Tarso -
Não. O grande debate entre Lula e Serra seria, aí sem aspas, moderno para o país. Duas perspectivas que se opõem, mas que levariam a política brasileira a um nível superior. Creio que o debate com a Roseana seria um pouco vazio, porque ela carece de uma visão complexa do Brasil que um político paulista tem, a partir da ótica das classes empresariais.

Agência Folha - Qual a diferença da sua pré-candidatura em relação à de Olívio Dutra?
Tarso -
Do ponto de vista programático, nenhuma. Do ponto de vista de representação, temos opiniões diferentes e formas diferentes de nos relacionar com a sociedade.

Agência Folha - A forma dele prejudica o PT no Estado?
Tarso -
Esse é o tipo do assunto que não discuto publicamente. Trata-se de um companheiro que respeito e que está governando com um projeto ao qual dou sustentação política. Não só sou situação, como meu nome está sendo apresentado para dar continuidade e aprofundar o projeto.

Agência Folha - O sr. definiu a supressão da sua imagem na TV Educativa durante o Fórum Social Mundial como uma ação stalinista.
Tarso -
Não quero abordar isso. Fiz aquela denúncia em relação à TVE porque, na minha opinião, aquilo passou dos limites.

Agência Folha - Há erros do governo gaúcho que devem servir de lições para futuros governos ou até para a Presidência do PT?
Tarso -
Sim, inclusive há erros que eu cometo como governante. Devem servir de lição sempre. É um acúmulo do qual não podemos renunciar. Cada governo nosso deve corrigir erros e avançar. O que não aceitamos é a visão defendida por companheiros do Palácio Piratini [sede do governo gaúcho" de que fazer qualquer avaliação crítica significa estar na oposição. Essa postura é inaceitável, autoritária, da pior tradição que existe dentro da esquerda.

Agência Folha - Que erros deveriam ser evitados?
Tarso -
Enumero dois problemas. Temos de ter outra estratégia de relacionamento com a sociedade para se refletir no Legislativo. Segundo, temos de precisar nosso projeto macroeconômico. Políticas sociais solidárias são importantes, mas não formam, por si, o projeto macroeconômico.

Agência Folha - É um dilema do PT se aliar a políticos como Luiz Antônio de Medeiros (PL) e Orestes Quércia (PMDB) para viabilizar uma vitória de Lula?
Tarso -
O Lula deve conversar com todos os setores da sociedade. Isso não quer dizer sistema de alianças. As posições de Medeiros são historicamente divergentes das nossas. E as do Quércia nunca foram as nossas.
 

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