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18/03/2002 - 06h40

Brasil vive guerra social, diz relator da ONU

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ELVIRA LOBATO
da Folha de S.Paulo, no Rio

O relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, concluiu sua visita de 18 dias ao Brasil com a constatação de que o país não cumpre os compromissos firmados nos pactos internacionais sobre a questão e que poderá sofrer punições da ONU por causa disso.

"Há uma guerra de classes no Brasil. São 40 mil assassinatos por ano, de acordo com as estatísticas do Ministério da Justiça. Há uma guerra social aqui. Para a ONU, 15 mil mortos por ano são indicador de guerra", afirmou Ziegler, que passou o sábado na Baixada Fluminense e volta hoje para a Suíça.

Suíço, 68 anos, professor de sociologia em Genebra e na Sorbonne, ex-deputado pelo Partido Socialista, Ziegler é autor do livro "La Faim dans le Monde Expliquée à mon Fils" (Paris, Seuil, 1999), que trata do problema da fome e da carência alimentar.

Seu relatório sobre o direito à alimentação no Brasil deve ser apresentado na Assembléia Geral da ONU, em setembro. Questionado sobre as sanções que poderão ser aplicadas ao país, respondeu: ""Penso que o governo vai ter algumas dificuldades, mas não posso saber que punições serão aplicadas. O relatório fará recomendações, mas a decisão será dos países-membros".

MST
Apesar de concluir que há desrespeito aos direitos de alimentação e saúde no Brasil, Jean Ziegler elogiou as ações do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e das comissões pastorais da terra e da criança, ligadas à Igreja Católica. "A grande esperança do Brasil está nos movimentos sociais das igrejas e da sociedade civil. A revolução, a mudança qualitativa, virá da base e isso é importante para a comunidade internacional. Não estamos aqui apenas para fazer recomendações, mas também para transmitir as soluções brasileiras para outros povos", afirmou.

Na última etapa de sua viagem, no Rio, passou a tarde de sábado em visita aos mutirões populares contra a fome e a desnutrição no município de São João do Meriti. Este trabalho é coordenado pelo bispo católico D. Mauro Morelli (diocese de Duque de Caxias) e por pastores da Igreja Batista de São João de Meriti.

Empapado de suor, sob o calor sufocante da Baixada Fluminense, o alto comissário da ONU fez um resumo de suas impressões em relação aos direitos humanos no Brasil. Ziegler disse ter sido informado pelo governo federal de que existem 23 milhões de desnutridos no país, enquanto o PT e a Igreja Católica falam em 44 milhões e 55 milhões de famintos, respectivamente.

Níger
No discurso que fez aos 54 voluntários católicos e batistas que participam do mutirão contra a desnutrição infantil, Ziegler foi contundente. "Os dados indicam que um terço da população brasileira é afetada pela subalimentação. Isto é totalmente intolerável. No Níger [país localizado no centro-oeste da África e que tem o um dos mais baixos índices de desenvolvimento humano (IDH) do mundo] há fome porque não há nada, só areia e rocha. Mas no Brasil, onde há terra fértil, riqueza e um clima tropical, a fome é um genocídio, não uma fatalidade. A responsabilidade é a ordem social, não a natureza. A responsabilidade é um produto de uma ordem totalmente injusta. Quem morre de fome no Brasil é assassinado", afirmou.

Os voluntários pesaram 5.930 crianças (de zero a cinco anos de idade) de São João do Meriti, nos últimos meses. Foram encontradas 391 crianças ( 6,6% do total) desnutridas e 1.162 (19,9% do total) com risco de desnutrição.

Governo
O comissário listou as mazelas do país que mais o chocaram, mas procurou preservar a imagem do governo federal. "A impressão evidente até agora é a de que estamos em um país com grandes contradições. O Brasil tem um governo muito competente e é uma potência econômica, mas um terço da população vive em situação horrível. É como se a França, a Alemanha e a Somália estivessem no mesmo país", comparou.

Ele disse que uma das coisas que mais o chocaram na viagem foi a superlotação das delegacias policiais. Afirmou ter encontrado mais de 200 jovens delinquentes em uma delegacia, em São Paulo, que tinha capacidade para 20 presos e que muitos deles esperavam até três anos por julgamento. "A Justiça não funciona", concluiu.

Jean Ziegler disse que a polícia é importante para a segurança, mas não é solução para os problemas da fome, da falta de saúde, da falta de escolas e da falta de cidadania. "É compreensível a tentação de roubar quando não se tem absolutamente nada", afirmou.

Para ele, são três as causas da injustiça social no Brasil: falta de uma reforma agrária eficiente, falta de renda e falta de uma política social integrada. Ziegler disse que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica) fazem "um trabalho formidável" e sugeriu que o governo acelere a reforma agrária. "Só 2% dos proprietários rurais concentram 48% das terras férteis. O latifúndio mata, é inimigo do povo", afirmou.
 

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