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15/04/2002 - 08h17

Serra ainda não se consolidou, diz analista

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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo

A candidatura do tucano José Serra à Presidência da República ainda não é um fato certo, na opinião do cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, 66, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).

Wanderley Guilherme acredita que o cenário da sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) está "muito nebuloso" e as únicas candidaturas certas são as de Ciro Gomes (PPS) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Graduado em filosofia e doutor em ciência política pela Universidade de Stanford (EUA), Wanderley Guilherme é professor do Iuperj e editor da revista "Inteligência".

Para ele, a candidatura de Serra ainda não está garantida. Mais que as pesquisas de intenção de voto, o que vai definir a viabilidade e manutenção do tucano na corrida presidencial será sua capacidade de aglutinar forças políticas.

Por ora, ele diz, Serra "está perdendo apoios". "Ainda não vi os que ganhou", completa. O cientista político também desqualifica a atribuição de riscos para a governabilidade às candidaturas de oposição.

A Folha falou duas vezes com o cientista político na semana passada. Na quinta-feira à tarde, ele falou sobre o cenário "nebuloso".

A reportagem voltou a falar com Wanderley Guilherme, na sexta-feira, para tratar da desistência de Roseana, noticiada pelo jornal naquele dia.

Leia a seguir os principais trechos das entrevistas, concedidas do Iuperj, no Rio, por telefone.


Folha - Desde as eleições para as Presidências da Câmara e do Senado que o PSDB parece procurar deslocar o PFL do centro do poder, se aliando ao PMDB. Por quê?
Wanderley Guilherme dos Santos
-Alguns desses fatos -a eleição do Senado, da Câmara, essa discussão em torno de vices [para a chapa do pré-candidato tucano José Serra] e, antes, a posição do PSDB em relação à pré-candidatura do PFL- parecem indicar que o PSDB não considera indispensável um apoio formal da liderança do PFL ao seu eventual candidato. Porém, há nuances de declarações [que indicam" que o PSDB poderia dispensar a liderança do PFL porque contaria que, não obstante a eventual oposição da liderança, as bases continuariam apoiando o eventual candidato do PSDB. Parece que, na avaliação estratégica do PSDB, há uma distinção entre os capitães de voto do PFL e suas bases. Seria possível obter das bases os votos, sem aqueles que hoje falam pelo partido. Mas não acredito que dispensar os votos do PFL esteja nos cálculos do PSDB.

Folha - Mas o PFL não foi deslocado do centro do poder?
Wanderley Guilherme
- Foi. Dos postos, das consultas. Foi em parte deslocado, e em parte retirou-se. Considerou que algumas medidas que o deslocavam eram suficientes para que se retirasse completamente. Não se sabe até onde as bases do PFL acompanhariam ou acompanharão as decisões da cúpula. Temos experiências eleitorais, mesmo antes da redemocratização, no período 45-62, em que as bases dos partidos não acompanharam as decisões das cúpulas. Então não é uma expectativa irrealista, delirante [a do PSDB].

Folha - A que o sr. atribui a crise na aliança governista?
Wanderley Guilherme
- O esgotamento do programa que sustentou a aliança contribuiu muito para isso. Já ao final do primeiro mandato, FHC havia aprovado entre 18 e 20 emendas constitucionais. Praticamente já havia coberto, do ponto de vista constitucional, o que ele precisava. Daí para a frente, no segundo mandato, muito pouca coisa, em termos de reforma constitucional, foi aprovada, e algumas coisas que da parte do PSDB, do Executivo, se desejava, já não conseguiu. Na medida em que quis ou deixou de querer, a reforma tributária, por exemplo. Outras propostas, ou foram retiradas, ou não houve concordância suficiente na coalizão. Já se anunciava, então, que o programa que havia justificado a coalizão havia sido esvaziado. Por ter sido cumprido. E não foi só o PFL portanto, mas também o PTB -que já saiu da coalizão- e o PMDB, que foi no primeiro mandato e continua sendo no segundo um partido dividido nas votações.

Folha - Se o projeto do governo se esgotou, tendo sido cumprido, o que uma candidatura governista pode prometer?
Wanderley Guilherme
- É o grande problema. A expressão que vem sendo utilizada pelo pré-candidato José Serra -continuidade sem continuísmo- diz pouco. As declarações públicas mais abstratas são muito pouco diferentes umas das outras: precisamos resolver o problema da vulnerabilidade externa, recuperar o crescimento econômico, reduzir o desemprego, manter as contas públicas saudáveis. Não vejo ninguém falar contra isso, mas até aí "morreu Neves". Fora isso não conheço nenhum ponto programático transcendente, a não ser coisas pontuais. Ainda não apareceu um conjunto de propostas que signifique um novo lance de dados na política brasileira. O Brasil está diante de questões muito sérias. Inclusive esse descenso na escala internacional.

Folha - O sr. se refere à posição do PIB...
Wanderley Guilherme
- ...Em relação ao México. Isso é muito sério. Desde 1940 que o México está para trás. Quer dizer: 60 anos de liderança econômica do Brasil na América Latina. Isso não é algo que se retoma com facilidade. Não atribuo a responsabilidade específica disso a ninguém. O fato é que aconteceu. E suponho que ninguém pode estar satisfeito com isso, achando que é uma inevitabilidade e que devemos nos conformar com isso. Portanto, há que se falar sobre isso, e eu não vejo ninguém falar.

Folha - A que o sr. atribui essa homogeneização dos discursos?
Wanderley Guilherme
- Talvez pela etapa ainda embrionária do debate e até das candidaturas. Eu tenho quase certeza da candidatura de Lula -porque, como dizem os ingleses, absolutamente certos, só os impostos e a morte-, um pouquinho menos certo, mas quase tão certo, Ciro Gomes [PPS], e, se não falarmos no Enéas [Prona], quanto às outras, não sei.

Folha - O sr. não considera definitiva ainda a candidatura Serra?
Wanderley Guilherme
- Não sinto ainda, até porque é pré-candidato. O Lula ser pré-candidato, para mim, quer dizer que é candidato. O Ciro também, porque não tem alternativa. Agora, o Serra ser pré-candidato, para mim, é pré-candidato mesmo.

Folha - A manutenção da candidatura Serra dependeria do quê? De índices de pesquisa?
Wanderley Guilherme
- Entre outras coisas. Não basta isso. Índices variam muito, oscilam. Muito depois da decisão dos partidos de adotarem uma candidatura é que as pesquisas começam a ficar consistentes. Não tanto pelas pesquisas. Muitas coisas devem acontecer antes. Há a capacidade de aglutinar, recompor frentes, conseguir apoios fora do sistema partidário. Agora, não é pesquisa [que importa", é essa capacidade de aglutinar forças que persuadam outras forças de que são candidaturas viáveis com possibilidade de sucesso.

Folha - Serra tem sido hábil nessa composição?
Wanderley Guilherme
- Por enquanto, ainda estamos no período de acomodação de pequenos terremotos. O PSDB está lambendo ainda algumas feridas. O PMDB continua o que sempre foi. O fato de decidir não ter candidato próprio ainda não significou uma união do partido em torno do candidato do PSDB, no momento o pré-candidato Serra. De modo que, até agora, o que tenho visto é mais uma bagunça, uma desorganização, do que uma arrumação. Por ora, acredito que Serra esteja perdendo apoios. Ainda não vi os que ganhou.

Folha - Dentro inclusive do PSDB?
Wanderley Guilherme
- Dentro do PSDB eu não me atrevo a falar. Pelos jornais, parece que não. Em relação aos outros partidos, PMDB e PFL, isso é claro.

Folha - Uma candidatura do deputado Aécio Neves ainda poderia ser uma opção para o PSDB?
Wanderley Guilherme
- Creio que sim. Esse tipo de pergunta eu respondo, mas que não apareça como uma tentativa de fazer intriga. É possível. Não acredito que o [ex-]governador [do Ceará] Tasso Jereissati esteja descartado. Está tudo muito nebuloso. Não creio que, do lado do PSDB e do lado do PFL, o jogo já esteja feito.

Folha - Ciro, Garotinho (PSB) e Lula são por vezes apresentados como riscos à democracia -porque seriam, respectivamente, personalista, populista e esquerdista. Algum candidato pode verdadeiramente pôr em xeque a democracia?
Wanderley Guilherme
- Essa discussão é de um primarismo... Não há nenhuma pessoa no país capaz de ameaçar a democracia. Nenhuma. Isso é primário e um desrespeito aos candidatos. Todos eles têm seus defeitos, suas qualidades, mas um pouquinho mais de civilidade na crítica seria melhor para todo mundo. Rotular o Ciro como personalista é quase convidá-lo a se transformar em um. Se você trata uma criança de rua como um marginal o tempo todo, ele vira um marginal. Não lhe é dado chance de ser diferente. Eu não sei o que quer dizer personalista. O que quer dizer populista? Quando FHC estabelece o Auxílio-Gás é uma política social, quando o Garotinho faz um restaurante, é populismo. Como é que a gente sabe o que é uma coisa e o que é outra? Não estou acusando nem defendendo ninguém: estou dizendo apenas que há dois pesos e duas medidas.

Folha - O sr. já disse que, se a esquerda quiser ganhar eleição no Brasil, terá que fazê-lo apesar da imprensa. Seria desnecessário então o esforço que o Lula faz...
Wanderley Guilherme
- Não, em absoluto. Apenas que, na estratégia, pensar que se deve conquistar a maioria da imprensa que forma opinião, como um dos ingredientes indispensáveis, para ter sucesso na candidatura, acho uma esperança vã. Tentar contar que vai ter uma imprensa favorável, assim como contar que vai ter um apoio maciço financeiro de todas as corporações, nacionais e internacionais, é uma expectativa infantil. Se alguém quiser colaborar com a campanha, é óbvio, "venha". Não é que deva desprezar. Apenas acho que, dentro de uma estratégia de campanha, a imprensa vai pesar favoravelmente a outros candidatos. Comparativamente. Desprezar, de maneira nenhuma; a imprensa é fundamental para discutir.

Folha - Mas o PT tem se esforçado para tornar-se mais palatável aos conservadores.
Wanderley Guilherme
- O PT, como qualquer outro partido, isoladamente dificilmente ganha eleição no Brasil. Tem que ter, do ponto de vista do eleitorado, uma coligação com não apenas setores tidos como de esquerda, de oposição, mas também com setores que normalmente estão no centro do espectro e até mesmo um pouco para a direita, que, por razões estas ou aquelas, vão para o outro lado. Não se esqueça que FHC perdeu a eleição para prefeito [de São Paulo, em 1985] porque não acreditava em Deus. Isso é indispensável para um partido que é considerado à esquerda, e é um partido à esquerda [o PT], por uma definição clássica, no Brasil. Ou para um partido à direita.

A direita sozinha também não ganha eleição. Tem que se apresentar com programas progressistas, dizendo que tem programa social, para os despossuídos... Esse discurso é o discurso "populista", diria o outro. Um partido isolado não ganha eleição. Os mais à direita devem caminhar para a esquerda, e os mais à esquerda, para a direita. Por isso que alguns estão dizendo que os discursos estão ficando muito parecidos. Estão mesmo, vão ficar. Algumas pequenas pedras de toque é que vão dar as nuances.

É razoável que um partido que já tem o seu eleitorado tradicional, mais ou menos garantido -tanto o conservador, quanto o da esquerda-, se quiser ganhar eleição, não fale só para esse eleitorado. Vai caminhar para onde? Para a direita. Assim como a direita caminha um pouquinho para a esquerda, caminha mesmo. É isso que o partido dos trabalhadores aprendeu. PT que, nas suas primeiras campanhas, era um partido meio desabrido, meio puro-sangue, que achava que levaria tudo de roldão, que convenceria toda a população brasileira, já que nela há 50 milhões de miseráveis, teria cinquenta milhões de votos. Não é bem assim. Aprendeu.

Folha - Que efeitos a retirada da candidatura de Roseana pode ter no PFL e na sucessão?
Wanderley Guilherme
- Vai depender do que aconteça com a candidatura de José Serra. Se disparar, pode ser que o caminho fique mais favorável para a recomposição de grande parte do PFL com o PSDB. Em qualquer caso, não me parece altamente provável que se refaça nesta eleição a frente sólida que foi feita nas duas eleições de FHC. Essa identidade de estratégia e de fidelidade de todas as bases, acho difícil. Difícil a recomposição total daquela coalizão. O destino do PFL está um pouco associado ao destino da candidatura Serra. Parte dele, pelo menos. Repito que o PFL dificilmente vai se recompor totalmente.

Folha - Caso a candidatura Serra não decole, quais seriam as alternativas para o PFL?
Wanderley Guilherme
- Talvez uma outra candidatura do PSDB. Se o Serra não decolar, todos vão rediscutir a questão. Se decolar soberbamente, muito bem, é um cenário. Se não, também o PSDB vai reconsiderar. Eu reconsideraria. Afirmar agora o que o PFL vai fazer, de qualquer maneira, é presumir muito.
 

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