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24/04/2002 - 08h38

Nota de rodapé explica total de assentados, diz Jungmann

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EDUARDO SCOLESE
da Agência Folha

RUBENS VALENTE
do Painel

Ministro do Desenvolvimento Agrário de 1996 até o início deste mês, Raul Jungmann, 50, declarou ontem que contabilizou como assentadas em 2001 famílias que somente entrariam neste ano no processo de efetivação.

Conforme a Folha vem revelando em reportagens publicadas desde o último domingo, o governo federal inflou balanços sobre a reforma agrária, e os utilizou para efeitos de publicidade. Os balanços do governo federal incluem assentamentos que não saíram do papel, terrenos vazios e áreas sem casa ou infra-estrutura.

No texto oficial do Ministério do Desenvolvimento Agrário sobre o balanço de 2001, divulgado no dia 1º de fevereiro, não há nenhuma menção às famílias que não estariam instaladas no campo em 2001, mas que foram contabilizadas como "assentadas".

A citação dessas famílias, 18.972 ao total, ocorreu apenas em uma nota de rodapé em um dos gráficos do ministério, no qual o cabeçalho afirma que 102.449 famílias foram "assentadas" em 2001. Não esclarece se elas estão ou não nas áreas e em quais condições.

Jungmann sustenta que a imprensa não soube ler a nota de rodapé e diz que o ministério considerou assentadas famílias que só seriam assentadas efetivamente no ano seguinte -contrariando norma de manual do Incra. "É bobagem", disse o ex-ministro, confrontado com o fato.

Após falar à Folha por 40 minutos, o ex-ministro, que na semana passada não atendeu a reportagem, alegou compromissos e desligou o telefone abruptamente.

Folha - O ministro José Abrão disse que agora vai discriminar em que fase está cada família atendida. Por que o sr. não fazia isso?
Raul Jungmann -
Excelente providência. Inclusive nós acertamos isso por telefone. Eu acho que é um processo de avanço para a construção da reforma agrária.

Folha - Por que antes o sr. não discriminava em quais fases estavam as famílias?
Jungmann -
Isso é claramente discriminado. No balanço de 2001, listamos no rodapé da nota que 18.972 famílias estavam entre a fase de decreto e fases subsequentes. Não foram infladas.

Folha - Vamos refazer os números. O sr. então não assentou no ano passado 102.449 famílias?
Jungmann -
A pergunta é capciosa. Eu diria até que a pergunta é safada. Eu não disse isso, são vocês que estão dizendo isso. O que estou dizendo é que eu dei uma informação ao público que eu tinha 18.972 famílias que estavam entre a fase de decreto.

Eu discriminei e coloquei isso ao público. Se vocês não tinham a competência e não tiveram a probidade de verificar isso, é problema de vocês.

Mas lá está dito com toda a clareza que 18.972 famílias eu efetivarei os seus atos em 2002 [sic], mas assumo como meta de 2001. E tenho a lisura ética de dizer: Aqui estão elas. Fraude haveria se eu fizesse dupla contagem, ou seja, se essas famílias fossem computadas novamente em 2002.

Folha - Mas o anúncio de 1º de fevereiro foi claro. O sr. dizia 102.449 famílias assentadas em 2001.
Jungmann -
Havia uma nota de rodapé. Se vocês não sabem ler é um problema de vocês. Essas famílias eu estou assumindo para 2002. Se a Folha não sabe disso e não tem um setorista competente para isso, não é problema meu.

Folha - Por que o ministério esconde a relação de assentados, município por município? Nós estamos cobrando isso há quatro meses.
Jungmann -
Esconder efetivamente corresponde a uma acusação.

Folha - São quatro meses.
Jungmann -
Isso não significa esconder. Eu não entreguei. Eu não sou obrigado a fazer isso. Não há lei que me obrigue a divulgar esses dados.

Folha - O sr. diz que a imprensa não sabe ler o balanço de 2001. Vamos tentar. Dessas 600 mil (1995-2001), quantas estão no rodapé?
Jungmann -
É simples. Você pegue e some isso se você tiver tempo e paciência para isso. Eu não sei isso de cabeça. Estou em casa.

Folha - Das 102.449 que o sr. diz ter assentado em 2001, retirando-se as 18.972 sob decreto, teremos cerca de 83 mil famílias. Elas estão assentadas?
Jungmann -
Lá vêm vocês de novo com as perguntas enviesadas. Como eu, vocês sabem que não. Pois grande parte dessas famílias é assentada no último trimestre do ano. É uma pergunta capciosa. Que essas famílias antes da metade do ano seguinte ou mais para frente recebem a infra-estrutura.

Folha - Mas foi o sr. que divulgou que assentou 102.449 famílias.
Jungmann -
Escute. Eu contabilizei assentadas 102.449. Há 38 anos se faz isso. Não há fraude.

Folha - Vamos discutir o conceito. O "Manual dos Assentados" do Incra é bem claro a respeito.
Jungmann -
Bobagem. Deixa de bobagem.

Folha - O que o sr. entende sobre o manual?
Jungmann -
O manual simplesmente vai falar da efetivação e do processo. Eu estou fazendo um procedimento contábil. Não existe possibilidade de se encontrar discrepância naquilo que foi feito nos anos anteriores.

Folha - Se o manual do Incra não serve para ser aplicado e o sr. o chama de bobagem, por que então ele foi criado?
Jungmann -
Não chamei de bobagem. O que existe aí é a contabilidade. Que o governo contabilize com registro de beneficiário o projeto criado há 38 anos é absolutamente legítimo. Que um manual técnico considere diversas fases de um projeto a partir da sua continuidade, da sua infra-estrutura, não há contradição.

Folha - Quando o sr. menciona que assentou 600 mil famílias, está usando um conceito de assentamento. E esse conceito está discriminado no manual.
Jungmann -
Escute. Quando eu disse, é a minha contabilidade. Vamos para outro exemplo. Se eu atendo 10 mil casos de dengue, não quer dizer que eu tenha curado 10 mil pessoas. Eu estou dizendo simplesmente que atendi. Eu estou apenas seguindo uma regra que vem de anos.

Folha - Então quer dizer que o sr. não assentou 600 mil famílias, e sim as atendeu?
Jungmann -
Não, não. Eu assentei 600 mil.

Folha - O sr. acabou de dizer que atender não é curar.
Jungmann -
Aí de novo vocês vêm com a questão capciosa. Se vocês querem fazer um editorial, façam logo isso.

Folha - O sr. tinha conhecimento de que terrenos vazios, pessoas que apenas haviam feito o cadastro pelo correio e outras sem créditos e infra-estrutura estavam sendo contabilizadas como efetivamente assentados?
Jungmann -
Ao meu controle e ao meu conhecimento, jamais isso. Não sabia. E qualquer coisa como essa deve ser punida.

Folha - O sr. visitava órgãos de comunicação e mostrava números. O sr. não se sente constrangido por não ter explicado a nota de rodapé [que estava só em um gráfico]?
Jungmann -
Mas escuta. Eu estive aí na Folha. Participei de um almoço e fiz essa exposição para todos os jornalistas que aí estavam. Agora vocês estão querendo me culpar se efetivamente ninguém me perguntou o que era aquilo [notas de rodapé". Vocês só podem estar brincando.

Folha - Questionamos o Muniz [Orlando, secretário-executivo do ministério" sobre como era composto esse número de 600 mil famílias que o governo FHC diz ter assentado. Ele nos explicou que, desse total, 40 mil são do Banco do Terra e outras 50 mil funcionam como um banco paralelo para atender aos movimentos sociais.
Jungmann -
Essa realmente vocês me pegaram.

Folha - Pois bem. Os números da coordenação geral do Incra não batem com os números divulgados pelo ministério. Do que é composto o número que o senhor divulga, de 600 mil famílias?
Jungmann -
Não existe outra fonte de informação que não seja o próprio Incra.

Folha - O sr. disse que não existem números corretos que não saíam do Incra. Mas a coordenação-geral do Incra aponta um número de 280 mil famílias assentadas. Como explicar essa discrepância entre esse número e as 600 mil que alega o governo federal?
Jungmann -
Seguramente esses números da coordenação estão desatualizados.

Folha - Estamos falando de uma diferença de 50%. Como o sr. pode tratar de uma política de reforma agrária com os dados do Incra, nos quais o sr. confia, defasados pela metade?
Jungmann -
O dado que eu trabalho na mesa é o último dado apresentado pelo Incra.
 

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