Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
29/04/2002 - 09h33

Social-democracia não cumpriu papel, afirma economista

Publicidade

CLAUDIA ANTUNES
da Folha de S.Paulo

Os partidos social-democratas europeus não estiveram à altura do papel histórico que lhes foi conferido nos anos 80 e 90, após a queda do socialismo de cunho stalinista. Ao aderirem quase incondicionalmente ao neoliberalismo, eles se afastaram de suas bases e, por isso, estão sofrendo o atual ciclo de derrotas eleitorais no continente.

Essa é a opinião do economista francês François Chesnais, 68, integrante da comissão científica da Attac (Associação pela Taxação das Transações Financeiras para Ajuda aos Cidadãos), uma das ONGs mais ativas na organização do Fórum Social Mundial.

"Os social-democratas acreditaram na possibilidade de crescimento econômico sob a nova forma do capitalismo, decidiram que não havia futuro fora desse sistema e assumiram que grande parte de sua base social aceitaria isso, o que não aconteceu", disse Chesnais, em entrevista por telefone à Folha.

Professor honorário da Universidade de Paris-Norte, Chesnais foi militante trotskista. Ex-pesquisador do Departamento de Ciência, Tecnologia e Indústria da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países mais industrializados do mundo, ele é autor de "A Mundialização do Capital" (editora Xamã) e de "Tobin or Not Tobin", que tenta demonstrar a viabilidade da taxação internacional do capital financeiro. Abaixo, os principais trechos da entrevista.


Folha - Qual o significado do resultado do primeiro turno da eleição na França?
François Chesnais
- Para entender o voto francês, temos de levar em conta o que acontece na Europa e no mundo. Acredito que um período histórico que começou no fim dos anos 80 -com a Guerra do Golfo, o colapso da União Soviética e o fim do comunismo- acabou.

Três coisas fizeram com que esse período terminasse. Primeiro, as contradições do neoliberalismo e do sistema dominado pela acumulação financeira, que não eram imediatamente óbvias para todos, começaram a se agravar. Ninguém esperava, por exemplo, que o neoliberalismo pudesse fazer um país como a Argentina entrar em colapso.

Em segundo lugar, a herança do stalinismo, que era muito forte na Europa, começou a se esvair. Essas duas coisas, combinadas, explicam por que o movimento antiglobalização tornou-se forte em muitos países e em alguns deles começou a se unir ao que restou do movimento de trabalhadores.

O terceiro fator, mais recente, é o fato de os EUA terem passado de uma posição de liderança, associada a algum grau de confrontação com seus parceiros, para uma posição de hegemonia total, confundindo os interesses do capitalismo como um todo com seus próprios interesses.

Folha - Como essas mudanças se refletiram na política?
Chesnais
- Na Europa, os partidos social-democratas ganharam maior importância histórica após o fim do chamado "socialismo real". Mas, acreditando na possibilidade de crescimento econômico sob a nova forma do capitalismo, eles decidiram que não havia futuro fora desse sistema e assumiram que grande parte de sua base social também aceitaria isso, o que não aconteceu. Outro fato que contribuiu para o desgaste social-democrata foi o alinhamento desses partidos à política externa dos EUA.

Alguns dos fatores que levaram à derrota do premiê Lionel Jospin nas eleições presidenciais já estavam presentes nas eleições italianas do ano passado, quando a coalizão do primeiro-ministro Silvio Berlusconi só ganhou por causa da abstenção no eleitorado da coalizão [de esquerda] Massimo D'Alema-Romano Prodi.

Isso foi incorretamente interpretado como um colapso da esquerda italiana. Mas esse não foi o caso, como mostraram as manifestações antiglobalização em Gênova e a greve geral deste mês. O termo "autoconvocação", antes de ser consagrado pelos protestos argentinos, foi usado pela primeira vez na Itália.

Na França, a impressão é que o governo de centro-esquerda, que imaginei que estaria atento às ruas, desenvolveu uma política cada vez mais neoliberal. Jospin fez, no contexto daqui, algo similar ao que Fernando Henrique Cardoso fez no Brasil.

Folha - Mas ele tentou se associar à esquerda, mandando uma delegação ao Fórum Social e convidando Luiz Inácio Lula da Silva para sua campanha.
Chesnais
- O governo francês mandou uma comitiva a Porto Alegre ao mesmo tempo que mandava outra para o Fórum Econômico Mundial em Nova York. Foi uma manobra que não deu resultado. Essa demonstração de identificação entre o PT e o PS, na minha opinião, mostra o deslocamento do PT para a direita, por causa das eleições.

Folha - A alta taxa de abstenção na França indica que os cidadãos não se sentem representados pelos partidos?
Chesnais
- A abstenção esteve conjugada ao aumento da votação nas organizações de extrema esquerda. Elas tiveram 10,4% dos votos, fato inédito desde a Segunda Guerra Mundial. Isso indica que uma fração do movimento contra o neoliberalismo está procurando uma forma de representação política nesses partidos.

Folha - E o voto em Jean-Marie Le Pen?
Chesnais
- Foi, na média, um voto dos pobres, da classe média baixa, dos desempregados, dos trabalhadores empobrecidos. Essas pessoas sentem-se abandonadas pelos partidos em que votaram durante anos, o PS e o PC.

Folha - Há muitos insatisfeitos que não são representados nem por Le Pen nem pela extrema esquerda. Na Argentina, por exemplo, os partidos tradicionais estão desacreditados, mas não há um programa para mudar a situação. Há uma crise da democracia?
Chesnais
- A crise da democracia é real e vai piorar durante um tempo. No momento, as pessoas que estão votando contra o sistema ou se abstendo o fazem de pontos-de-vista muito diferentes.

Folha - O crescimento do movimento antiglobalização criou a expectativa de que haveria algum tipo de reforma ou concessão que "humanizasse" o sistema. Mas isso não aconteceu. Qual deve ser a estratégia do movimento a partir de agora?
Chesnais
- A maioria dos militantes pensa em termos de reformas. Muito pouca gente quer ou pensa em revolução. O verdadeiro choque será quando se derem conta de que, se querem reformas, vão ter que fazê-las. É uma questão que provoca discussões e tensão dentro da Attac.

Os principais dirigentes da associação esperam que as classes dirigentes, ao verem a situação do mundo, entendam a necessidade de mudanças. Nas bases, o clima tem sido dominado pela percepção de que os poderosos não querem ouvir, de que é preciso saber que outra forma de sociedade se deseja e como chegar lá.

Folha - O senhor, que votou nos trotskistas, sente-se desconfortável no segundo turno?
Chesnais
- Sim, mas eu não teria votado em Jospin contra o presidente Jacques Chirac e não votarei em Chirac contra Le Pen. Há muita pressão para isso, vinda das mesmas pessoas que criaram as condições para o voto em Le Pen. Um voto em Chirac significaria a aceitação da agenda neoliberal.

Folha - O senhor não vê diferença entre Chirac e Jospin?
Chesnais
- Nas questões econômicas, a política de ambos foi quase idêntica e mesmo o resultado da implantação da semana de trabalho 35 horas não é favorável a Jospin, uma vez que permitiu a flexibilização de salários e contratos. Além disso, no plano político, Jospin fez mais do que qualquer outro político para tornar o PS distante dos movimentos populares, tecnocrático.

Folha - Quem são os jovens que estão protestando contra Le Pen?
Chesnais
- Muitos são jovens demais para ter direito ao voto ou pessoas com mais de 18 anos que poderiam ter votado pela primeira vez e não se sentiram estimuladas a fazê-lo. No momento, seu grau de politização não é muito alto, eles apenas odeiam Le Pen por suas propostas racistas. Há muitos filhos de trabalhadores imigrantes que temem que mesmo Chirac, quando eleito, aplique políticas semelhantes às propostas por Le Pen.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página