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05/05/2002 - 08h22

Lula não vai renovar com FMI, diz Mantega

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MARCIO AITH
de Washington

Nas duas últimas semanas, o avanço nas pesquisas do pré-candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, provocou receio em parte dos investidores internacionais.

O risco-país do Brasil, índice que mede a chance de um governo dar um calote nos credores, atingiu seu maior ponto desde dezembro passado, superando o da Venezuela, cujo presidente, Hugo Chávez, chegou a ser deposto e depois reassumiu o cargo.

Dois bancos de Wall Street (Morgan Stanley e Merrill Lynch) e dois europeus (ABN Amro Bank e Santander) recomendaram a seus clientes que reduzam investimentos em títulos do país. Para eles, se Lula ficar à frente nas pesquisas, tem chance maior de ganhar as eleições, o que significaria algum tipo de rompimento com a política econômica atual.

Para o economista Guido Mantega, principal assessor econômico do PT, o temor dos investidores se dissipará no dia em que Lula começar a governar.

"O risco-país talvez não caia num ano eleitoral porque sempre há um pouco mais de nervosismo, mas, uma vez definido o novo governo, apresentada a nova estratégia, ele tende a cair."

A Folha colheu em Wall Street e expôs a Mantega as principais dúvidas de analistas financeiros sobre um eventual governo do PT.
Esses analistas defendem seus relatórios pessimistas e rejeitam as acusações feitas a eles na última semana por todos os partidos brasileiros e até pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

Dizem que, apesar do discurso moderado de Lula, há dúvidas sobre como o partido faria para respeitar suas promessas de manter a responsabilidade fiscal e o controle de inflação. Ao responder essas dúvidas, Mantega disse que o PT, caso seja eleito, deseja manter a estabilidade econômica e honrar com as dívidas do governo.

No entanto, contrariando o que defendem esses analistas, o economista e assessor do PT propôs mudanças nos principais pilares que caracterizaram a gestão econômica do governo FHC: metas de inflação, superávit primário das contas públicas e o relacionamento com o FMI.

"Lula não pretende estender o acordo do Brasil com o Fundo. O Brasil já é crescidinho para ter um tutor." Mantega falou à Folha por telefone na sexta-feira. Leia os principais trechos da entrevista:


Folha - Os mercados querem saber se, caso eleito, o PT irá manter, alterar ou abolir a meta de superávit primário das contas públicas.

Guido Mantega - O PT defende a responsabilidade fiscal, mas vai exercê-la de outra forma. Um dos principais problemas fiscais hoje é a despesa com os juros da dívida. A meta de superávit primário serve só para pagar os juros. Tivemos em 2001 uma conta de juros de mais de 8% do PIB e um superávit primário de 3,5%, usado para pagar parte dos juros.
Um dos nossos objetivos é baixar essas taxas de juros e viabilizar um crescimento maior da economia. Ao mesmo tempo, isso permitiria a redução das despesas com o serviço da dívida.

Ao cair essa despesa, você não precisa ter o mesmo superávit primário porque o que interessa é o conjunto das contas, o conceito nominal. O que nos interessa é obter um resultado nominal satisfatório. Não precisa necessariamente haver superávit primário de 3,5% se você baixou a despesa de juros para 4% ou 4,5% do PIB.

Folha - O sr. então propõe trocar o esforço fiscal que o governo faz hoje por um compromisso de não deixar o déficit total subir acima de um certo percentual do PIB?

Mantega - Sim.

Folha - O sr. imagina que o PT possa assumir o poder e imediatamente reduzir os juros?

Mantega - Reconheço que não podemos reduzir a taxa de juros por mera vontade do BC. Não pode ser um processo artificial. Mas o nosso BC muitas vezes exagera.

Folha - Já que o sr. admite a hipótese de os juros não poderem ser reduzidos por vontade própria do BC, como o sr. faria para controlar o déficit nominal se as despesas do governo com juros não forem reduzidas devido a problemas que não dependem da vontade do BC?

Mantega - Mas aí você está sendo muito pessimista.

Folha - Conforme a lógica de sua proposta, essa hipótese exigiria a manutenção de superávits fiscais primários tão ou mais altos que os mantidos por FHC para que o déficit nominal seja controlado.

Mantega - Não precisamos ser tão pessimistas. As contas externas brasileiras podem ser dinamizadas com uma certa rapidez.

Há uma folga nas taxas de juros que é reconhecida pelo próprio mercado. O mercado reconhece que o Brasil tem um risco país muito elevado. Não há justificativa para que o México, país que tem déficit comercial, ter um risco muito inferior ao nosso.

Folha - Por que então o próprio mercado não reduziu o risco-país do Brasil? Por que ele está subindo se o sr. diz que ele deveria cair?

Mantega - Talvez esse risco não caia em ano eleitoral, quando sempre há um pouco mais de nervosismo. Mas, uma vez definido um novo governo, apresentada uma nova estratégia, dando-se início às novas medidas, o risco país começa a cair.

Folha - Hoje, os juros são essenciais para que o governo consiga captar os recursos para cobrir o déficit em conta corrente.

Mantega - O segredo é reduzir o déficit em conta corrente. É preciso diminuir a vulnerabilidade brasileira, o risco-país. Só aí você vai poder reduzir também os juros. Há que se fazer uma política de metas de inflação mais realista, mais eficiente. As metas deveriam ser mudadas dos atuais 3,5% e 3,25% (em 2002 e 2003) para algo como 5%. As atuais metas são inadequadas para o Brasil.

Podem ser boas para países avançados, mas não para o Brasil. O BC está mirando errado. Se você propõe uma meta muito baixa, tem de usar uma taxa de juros muito alta para atingi-la.

Folha - Há uma aparente contradição no que o sr. está dizendo. O PT reconhece que a queda do risco-país é fundamental para o processo de redução dos juros.

Mas os investidores - os "donos" da percepção do risco- dizem que um controle de inflação menos rígido e o abandono das metas de superávit primário aumentam o risco-país. Como o sr. pretende reduzir o risco-país com medidas contrárias ao que defendem os investidores?

Mantega - Essa é uma discussão complexa. Outro dia, o Claudio Loser [chefe do departamento de Hemisfério Ocidental do FMI" soube que eu defendia a substituição da meta de superávit primário por uma meta de déficit nominal e concordou [na realidade, Loser declarou que concordava com a idéia desde que ficasse esclarecido como ela seria concretizada". Essa história de meta de superávit primário é uma invenção feita aqui para o Brasil. A maioria dos países usa o conceito de déficit nominal.
Nem se discute.

Inventaram essa novidade porque, como o déficit nominal estava estourando por causa dos juros da dívida, o governo decidiu focar somente no superávit primário.
Os investidores vão aceitar a meta de déficit nominal porque a aceitam no mundo inteiro.

Folha - Risco é algo percebido pelos investidores, não pelo governo. Como fazer para eles acreditarem que esse programa vai funcionar?

Mantega - Eles têm de perceber que o país fará um esforço para melhorar as contas externas -o que não ocorre na atualidade-, vai melhorar sua situação externa e o risco-país tem de cair.

Folha - O acordo do Brasil com o FMI acaba em dezembro. O próximo governo assume no primeiro dia de janeiro. Os mercados acham que seria interessante manter esse acordo como uma espécie de guarda-chuva de credibilidade para o próximo governo. Qual será a relação de uma eventual administração do PT com o FMI?

Mantega - Não há razão para prorrogar o acordo. O Brasil não deve nada ao Fundo é já é crescidinho para ter um tutor. Não precisamos do Fundo.

Folha - Mas e se o Fundo oferecer um acordo com base no programa que o sr. está expondo, com metas de déficit nominal?

Mantega - A conduta do FMI não tem sido muito eficiente. O governo do Lula não se submeteria a esse tipo de regra. Mas, se anunciarmos nossa estratégia, e o Fundo concordar, tudo bem. O Fundo pode até ser menos rígido com um governo petista.

Folha - Qual é a proposta tributária do PT além da reformulação das alíquotas do Imposto de Renda?

Mantega - O eixo da reforma tributária é substituir um sistema arcaico, que tributa muito a produção e o assalariado de baixa renda. É preciso reduzir os impostos que incidem em cascata, substituindo-os por impostos sobre o valor agregado. É o primeiro ponto. O segundo é diminuir as alíquotas iniciais do IR, desonerando faixas salariais mais baixas.

Folha - Como essa proposta traria trabalho informal à formalidade?

Mantega - É um processo. Se você aumentar o investimento, reduzir taxas de juros, vai ter um aumento no nível de emprego e, portanto, da formalização.

Folha - O PT acha que a Receita Federal arrecada muito impostos porque tem uma espécie de "volúpia arrecadatória" ou porque há demandas por gastos difíceis de atender? Malan diz que é preciso reduzir a vinculação de receitas públicas às despesas com pessoal, saúde, previdência e transferências constitucionais para Estados e Municípios. Elas hoje absorvem 70% da receita. E o PT?

Mantega - A melhor reforma é aumentar o crescimento do PIB. Gastos sociais são limitados porque existem gastos com juros. É preciso melhorar os gastos, reduzindo a corrupção, o clientelismo.

Folha - O sr. defende a manutenção da cobrança da CPMF no início do governo de Lula?

Mantega - Até 2004 essa prorrogação tem o apoio do PT porque não se pode suprimir de uma só vez as receitas da CPMF. Essa contribuição tem de perder o caráter arrecadatório, mas não esse tributo precisa ser substituído por outro, numa reforma tributária.

Folha - O sr. acha que uma reforma tributária exigiria uma reengenharia política no país? O PT defende ou não a alteração de distribuição de receitas entre Estados, União e Municípios?

Mantega - Há dois anos, a comissão de reforma tributária da Câmara conseguiu elaborar um projeto alterando a distribuição de receitas que era aceitável pela maioria dos partidos.

Mas houve dificuldades para a aprovação da fusão entre o ICMS e o IPI num só imposto. Os governadores têm medo de perder controle sobre a sua arrecadação. Agora, teremos um novo quadro de governadores, teremos de retomar a discussão e ver se ela é viável.

Folha - Que importância que o PT dá à substituição de importações?

Mantega - O mercado brasileiro é nosso. Com boas políticas fiscal, de crédito e de subsídios, conseguiremos desenvolver uma substituição de importações positiva.

Folha - O ministro Malan argumentou que, se fôssemos exigir que as peças da Embraer fossem produzidas no Brasil, os aviões não seriam vendidos em nenhum lugar.

Mantega - Concordo com ele. Não iríamos deixar de implantar uma fábrica de aviões só porque é preciso importar uma parte dos equipamentos. A Embraer exporta US$ 3 bilhões e importa US$ 1,9 bilhão. Obtém um saldo comercial e é isso o que se quer.

Folha - O México tem um saldo?

Mantega - O México multiplicou as exportações em dez vezes na década passada, mas não resolveu seu problema. Ele importa quase tudo dos EUA, monta o produto e exporta. A Embraer tem um valor agregado importante.




 

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