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16/08/2002 - 16h17

Sabatina Serra: leia íntegra da 1ª parte das perguntas dos jornalistas

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da Folha Online

Leia a íntegra da primeira rodada de perguntas dos jornalistas da Folha para o presidenciável José Serra (PSDB). Nessa parte, participam Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha, Clóvis Rossi, Gilberto Dimenstein e Luís Nassif, colunistas e membros do Conselho Editorial do jornal.

Serra responde sobre por que evitou falar que era o candidato do governo no debate realizado na TV Bandeirantes. O candidato tucano fala ainda de política cambial, privatização e relação do Brasil com o Mercosul.

Clóvis Rossi: Serra, você começou a sua exposição dizendo que além de resolver dúvidas você eventualmente criaria dúvidas.

José Serra: Para mim.

Clóvis Rossi: Criou para mim no debate da Bandeirantes quando você hesitou muito em se assumir como candidato do governo Fernando Henrique. Por que hesitou?

José Serra: Eu não quis passar essa idéia de hesitar, o sujeito fala: é candidato do governo. Olha, o governo não é um partido político, o governo não entra na campanha como tal. Aliás o Fernando Henrique, pelo seu estilo, pelo seu comportamento, é o último presidente que faria, chamemos assim, uma espécie de estelionato eleitoral, não tem nada disso. Então toda vez que fala em candidato do governo: não, sou apoiado pelo Fernando Henrique e muitos integrantes do governo, isso não significa que o governo seja um partido político. Então se passei outra idéia foi por deficiência minha.

Clóvis Rossi: A idéia de candidato do governo é o candidato que está identificado com as políticas do governo. O governo nunca tem candidato.

José Serra: É o candidato que mais vai manter as coisas certas que o governo fez. E vai cumprir novas tarefas, nós temos, o governo Fernando Henrique teve oito anos, cumpriu várias tarefas, fez várias coisas, outras não fez.

Gilberto Dimenstein: O que foi errado que vai ser abolido?

José Serra: Não é de erro, é do que não foi feito, está certo? ou do que foi feito num primeiro período que foi equivocado, por exemplo a política cambial, depois mudou para uma política correta, na minha opinião. Agora, o que é que nós vamos fazer? A diferença, Gilberto, vai estar no crescimento, na política deliberada de crescimento econômico com mais ativismo governamental e, segundo, com mais ação na segurança, nem que tenha que mudar a Constituição, você sabe que a segurança é, digamos, prerrogativa constitucional dos Estados, eu não quero tirar essa prerrogativa, mas o governo federal vai ter que entrar nem que mude a Constituição. Então o que vai ser o seu governo diferente do Fernando Henrique? Nesses duas áreas. Crescimento do emprego e segurança.

Gilberto Dimenstein: Eu queria perguntar o que foi o grande erro do governo passado de uma forma seria uma herança negativa para o seu governo?

José Serra: Olha, basicamente diria aquilo que foi a política cambial no primeiro período.

Luis Nassif: Deixa eu aproveitar essa pergunta do Gilberto para colocar esse ponto, Serra. Houve a mudança cambial na virada do real, a partir de 95, 96, havia um conjunto de indicadores aí apontando que ia para uma crise externa, inclusive essa questão da entrada de estrangeiro em áreas que não geravam dólares e exportação, você mesmo era um crítico disso. Internamente, dentro do governo, o que que leva um país e um governo, especificamente, a ter esse indicadores na frente, saber que pode, que vai bater no morro na frente e não se desviar durante quatro anos?

José Serra: Às vezes é o risco que envolve uma mudança de política. Toda política que você está fazendo a curto prazo, se ela vai dando certo você tem receio de fazer outra mesmo que alguns digam que mais adiante isso poderá não funcionar. Você tem o elemento de inércia aí muito forte. Eu acho que essa é a explicação fundamental, uma espécie de psicologia do conhecimento. Agora, desculpe, Luis, deixa eu adiantar uma outra coisa, ou me estender mais sobre aquele outro assunto de governo. Eu fui ministro do Fernando Henrique duas vezes, do Planejamento, um ano e meio, mais ou menos, e depois da Saúde, durante quase quatro anos. Sempre tive a cobertura do presidente, inclusive no que se refere às ações na Saúde que foram ações muito conflitivas, inclusive no campo internacional, nós tivemos conflito de grande tamanho, inclusive com os Estados Unidos. Sempre tive a cobertura, agora o momento é de uma outra etapa. É óbvio que nesse sentido eu sou o candidato do Fernando Henrique, evidente. Agora, o que acontece? Toda vez que a gente vai para um debate, nós ficamos no balanço para atrás. Há uma resistência, não estou me referindo aqui, de se debater o futuro, as propostas, o que é que vai fazer, como é que nós vamos enfrentar essa situação, como não vai enfrentar aquela. Sempre se volta para traz e não raro com grandes distorções. Está certo? Então eu resisto um pouco a ficar sempre, vamos fazer balanço, vamos fazer balanço. O Brasil mudou muito, se a gente pegar quando eu era estudante, começo dos anos 60, a gente discutia sempre o futuro, não ficava só se fazendo balanço. Agora, parece que só se faz balanço para trás. A ditadura no Brasil cobrou vários preços para muita gente e para o Brasil como um todo, qual é um preço, por exemplo? É aquele da divisão entre o bem e o mal. Na época da ditadura, oposição era certa, governo era errado, sempre. Esse era o fio condutor de tomada de posições, de análise, etc, eu acho que não estava longe da verdade. Mas na época democrática ainda ficou esse resíduo de que governo é o culpado, oposição está certa, o governo está errado. E os problemas do Brasil não têm causas, têm culpados. E a gente acaba não discutindo os problemas em si e debatendo realmente as soluções para adiante. Então eu resisto muito, em geral nos debates, muitas entrevistas, a ficar sempre remoendo... a questão para trás. Eu desconfio que outros candidatos não têm idéias ou têm idéias lapidadas a respeito do futuro, e a gente não tem muita chance.

Eleonora de Lucena: Vamos perguntar para frente ministro, o senhor fez um balanço político, econômico dos anos 80 para cá e o senhor mesmo acho que já se referiu a essa batalha ideológica que se travou nos anos 90 entre o Estado e o mercado. Ideologicamente, eu acho que está mais do que provado que os anos 90 foram os anos do mercado em detrimento da intervenção do Estado. Toda a América Latina passou por mudanças nesse diapasão e, hoje, passados mais de 10 anos da implantação em vários países de modelos muito semelhantes, eles estão sendo hoje questionados. A região latino-americana está enfrentando crise, hoje mesmo a Folha dá uma pesquisa na Argentina mostrando que os argentinos têm muita desconfiança ou até querem a reestatização de alguns serviços. Eu lhe pergunto, olhando para a frente, o modelo neoliberal implantado no Brasil nos últimos anos, de uns dez anos, e na América Latina, nos principais países, faliu. Em que a sua gestão modificaria esse modelo?

José Serra: Olha não há essa generalização, o que faliu a Argentina foi o câmbio fixo.

Eleonora de Lucena: Não estou perguntando sobre a Argentina. Estou falando da região como um todo.

José Serra: Eu acho que as experiências dos países são diferentes. O Chile privatizou tudo e saiu melhor. A Argentina privatizou tudo e saiu mal por causa do câmbio fixo. Um dólar, o peso que era uma verdade, que eu não acreditava, muita gente não acreditava que o exterior acreditava e fazia a Argentina acreditar. Ficou com a verdade dos outros, se arrebentou e todo mundo põe a culpa na Argentina, só. Como se fosse só ela e não o sistema como um todo. Portanto, não há essa generalização. Eu não acho que os problemas, nem da Argentina, nem do México, que chegou a ter, nem do Brasil, se devem à privatização. Não não há motivo.

Eleonora de Lucena: Eu não resumi a questão a privatização.

José Serra: Essa é uma peça importante. Não há motivo para imaginar que o Estado deva produzir aço e petroquímica, e petroquímicos, isso dava para ser privatizado como foi corretamente. Da mesma maneira que a área de telecomunicações, que foi um sucesso do ponto de vista dos consumidores. Então não há esse modelo geral. Agora, a minha posição é a do ativismo governamental. O Estado produtor do passado ficou para trás. Em todo o mundo. Só que... ele não pode ser substituído pelo estado da pasmaceira. Tem que ser substituído por um Estado. Estado, eu estou dizendo poder público, ativo. Temos que praticar o ativamento governamental. O Estado intervencionista pode ir ficando de lado. Mas nós temos que ter o Estado regulador. Olha, até a China, que tanto se fala hoje. Estão entrando na China empresas estrangeiras para explorar a área de saneamento, que é a privatização mais complicada. Essa é uma tendência mundial. O nosso problema, Eleonora, é ir mais pelo lado da política de comércio, de câmbio, de ação. Posso te dar também um outro exemplo? No governo, nós vamos favorecer explicitamente as governamentais dirigida para empresas domésticas, sejam estrangeiras, sejam brasileiras, mas instaladas no Brasil, que gerem empregos aqui, nós vamos fazer isso. Esta é uma política de desenvolvimento.

Gilberto Dimenstein: O que é isso, exatamente?

José Serra: Se você tem uma estrada, determinados projetos, você vai introduzir elementos que favoreçam a produção doméstica, sem, naturalmente, fazer nenhum acordo lesa-pátria do ponto de vista de preços, tudo o mais. Até levando em consideração o fato que a taxa de juros do capital estrangeiro é uma taxa muitas vezes do banco alemão de %2, 3% ao ano, 1,5%, 3%, no Brasil é dez vezes mais do que isso. Então não dá para você, muitas vezes, achar que não: concorram livremente, o elefante e uma formiguinha, você tem que ter elementos de compensação.

Clóvis Rossi: Esse é um dos itens que consta das pautas de negociação do Brasil na OMC, na Alca e nas compras governamentais, todos parceiros do Brasil reivindicando exatamente o contrário do que você está citando. O Brasil abre o setor de compras governamentais para as empresas... significa dizer que as negociações comerciais do Brasil, no seu governo, não chegar, bater contra a parede nesse ponto, pelo menos?

José Serra: Sabe por que não vão? Eles fazem como aquele padre chileno, como se dizia. Está certo? Eles protegem suas compras e nós vamos demonstrar isso sempre.

Luis Nassif: Vamos um pouquinho essa questão, até que ponto o apresentado no passado tem impacto no futuro? O Brasil teve uma posição muito afirmativa lá de independência, de negociar com a União Européia, deu opções em negociar com os chamados países baleias, até que ponto que esse acordo com o FMI, essa dependência de uma aprovação do governo americano pode interferir nessa estratégia autônoma brasileira?

José Serra: Eu não acredito que interfira tanto. Porque o Brasil já vem tendo acordos com o fundo monetário. Não há uma tradução comercial imediata. Não há esses mesmos vasos comunicantes. Eu vou te dar um exemplo. Regime automotriz. O Brasil assinou, em 94, um acordo de Ouro Preto, do Mercosul, que na minha opinião foi lesivo aos interesses nacionais. Em 94, por quê? Porque a Argentina comparecia, esse acordo com o regime automobilístico fechado, cotas, não podia vender para a Argentina, o Brasil entrou escancarado com o real sobrevalorizado e com diminuição de alíquotas para automóveis, imposto de importação e tudo o mais. Chegou em 95, eu defendi, dentro do governo, fui talvez o principal, que nós fizéssemos um modelo igual da Argentina para ter igualdade, senão as montadoras iam todas para lá. Lógico, de lá podiam vender para cá e daqui podiam vender para lá. Era contra as regras da OMC. Mas nós conseguimos. Por quê? Porque cada montadora aqui, de automóveis, foi mobilizada para, junto a seus governos, defender a necessidade do Brasil fazer isso. Resultado: não houve um processo armado na OMC, na Organização Mundial do Comércio, e nós ganhamos a batalha com uma política de alianças correta. Então nós vamos ter que fazer alianças nesse sentido. A multinacional que está no Brasil, os seus executivos têm interesse de exportar, têm interesse de que o mercado externo cresça. Então nós não podemos ter uma política de avestruz com as empresas estrangeiras. Elas estão aqui, não adianta enfiar o buraco, a cabeça no buraco no chão, nós temos que ter uma aliança em função do emprego e da exportação. O exemplo da automotriz, esse regime funcionou, a automotriz foi um elemento ter lá na política de interferir e deu certo.

Demais íntegras da sabatina de Serra:

  • 2ª Parte - Pergunta Jornalistas

  • 3ª Parte - Pergunta Jornalistas

  • 1ª Parte - Perguntas Platéia

  • 2ª Parte - Perguntas Platéia

  • 3ª e Última Parte - Perguntas Platéia


  • Veja também o especial Eleições 2002
     

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