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15/06/2001 - 09h00

Não se vêem mais novidades como antigamente

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RACHEL MENEGUELLO
Especial para a Folha de S.Paulo

Há pouco mais de 20 anos, ainda sob o regime militar, o surgimento do Partido dos Trabalhadores iluminou as perspectivas de reorganização da sociedade civil, trouxe para dentro da política institucional brasileira uma representação ampliada de setores antes marginalizados, inspirou estudiosos de partidos com as possibilidades de um novo modelo de organização e mostrou que, no Brasil, é possível sim haver partidos com forte enraizamento social. Só esse currículo introdutório já justificaria a elaboração do livro "O PT", da coleção Folha Explica (Publifolha), elaborado por André Singer.

Divulgação
André Singer assina livro da série "Folha Explica" sobre a formação do PT
André Singer narra a formação do PT em livro da série "Folha Explica"

O PT ocupa inegavelmente na nossa herança trazida do século 20 o lugar de experimento mais inovador no âmbito do sistema partidário brasileiro.

Mas esse trabalho não pára aí, vai além dos marcantes momentos iniciais de construção do partido, "de arrepiar", como diz o autor, acompanhou o partido até as últimas eleições municipais de 2000 e mostra que o PT é um partido de carne e osso, sofre os dilemas das dissensões internas, amarga derrotas eleitorais, enfrenta as transformações ideológicas da esquerda revolucionária, cede às imposições da negociação política, celebra vitórias e confirma sua singularidade com projetos alternativos de governo que redefinem o patamar do debate teórico sobre as possibilidades da democracia participativa e transformação do Estado democrático.

Com uma linguagem clara e dinâmica, ilustrado com dados e informações, André Singer resgata as principais etapas da trajetória de construção e desenvolvimento do PT que marcaram sua ação na cena pública nacional.

Do relato de sua concepção e articulações iniciais, o livro é enfático ao mostrar como a ampliação do campo da ação sindical forjada na moderna região industrial do ABCD paulista, traduzido no movimento do "novo sindicalismo", marcava um novo nexo com a política e trilhava o caminho do sindicato ao partido. Aqui reside ponto importante da inovação petista, pelo qual passa rápido o resgate apresentado: o modelo de organização partidária proposto, em que o apego às formas de democracia valorizadas pelo "novo sindicalismo" fora transportado para os processos decisórios internos do partido, introduziu instâncias de maior participação dos núcleos de base, marcando a diferença básica com a tradição dos partidos brasileiros, em que predominam os estilos caciquistas.

Vale também comentar o menor espaço nesse relato concedido aos movimentos populares urbanos, aos vários grupos que ressurgiam no palco das mobilizações, dando novo significado aos movimentos sociais, e aos setores progressistas da Igreja Católica nesse processo. Esses foram atores fundamentais para garantir a amplitude da proposta política que se estabelecia no cenário partidário da reforma de 1979.

Há um certo privilegiamento exacerbado do autor quanto ao papel dos grupos de esquerda na formação e viabilização do PT, provavelmente estimulado pela visão de algumas fontes utilizadas, como a coletânea de depoimentos de Marta Harnecker, que, embora inegavelmente valiosa, catalisa na presença e nas ações de grupos e tendências da esquerda o processo de concepção petista do "sonho possível" de transformação. Mas seria aqui, nesse âmbito, entretanto, que residiria grande parte dos dilemas de funcionamento partidário e definição programática que perseguiriam o partido em toda sua trajetória desde a origem.

O autor indica por meio de documentos e análises como a presença e ação de grupos e tendências de variados matizes de esquerda no interior do partido culminam em certa ambiguidade no tratamento e definição da conquista do poder, a participação no legislativo, a participação eleitoral e o modo de governar.

O livro mostra, no entanto, como o sucessivo enfrentamento dos testes eleitorais desde 1982 levou o partido a mudar, transformando seu perfil originalmente sectário e sua estratégia política restritiva, em favor da ampliação de suas bases, da inclusão no jogo político e da sua viabilização como força governante. Com um crescimento lento, mas constante, o partido conseguiu em 12 anos a partir de 1986 estabelecer-se entre as cinco maiores bancadas do Congresso Nacional.

As derrotas marcantes nas eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998 dariam evidência dos limites da força política petista na competição nacional, mas seria no desempenho eleitoral local que o partido definiria seu perfil urbano, preferencialmente embasado nos grandes centros, um "partido de metrópoles" que conseguiria capitalizar-se lentamente durante a década de 90, culminando nas eleições municipais de 2000 na obtenção de 26.5% dos votos dos municípios com mais de 200 mil eleitores.

A rigor, isso é pouco. Como mostra o próprio autor, "dos 5.528 municípios brasileiros em que houve eleições em 2000, ao PT ganhou em 187", muito pouco se comparado à estrutura dos maiores partidos PFL, PSDB e PMDB, que obtiveram vitórias em mais de mil municípios em média, cada um.

Mas é na esfera governamental que o PT passa a ocupar um espaço de inovação reconhecido na sua trajetória recente. As experiências dos governos locais indicam alterações importantes nas feições da administração pública, promovendo gestões marcadamente partidárias e introduzindo ações inovadoras na gestão de serviços públicos. Com o cuidado de ponderar até que ponto o modelo do orçamento participativo contribui ou invade o desenho das relações institucionais representativas, o autor ilustra com dados o sucesso das ações implementadas, como a construção de escolas em Belém, os índices de saneamento básico em Porto Alegre e o programa de saúde em Brasília, e conclui que "a julgar por alguns índices, a fórmula pode funcionar". De fato, se o que se deve buscar nas fórmulas de governo é a democracia de prestação de contas, na qual tem centralidade a gestão da sociedade e a relação que dela extraem o Estado e a sociedade civil, as experiências petistas parecem ser um caminho profícuo. Como diz o próprio André Singer, "impossível compreender o Brasil do século 21 sem entender o PT".

Rachel Meneguello é professora do Departamento de Ciência Política e coordenadora do Centro de Estudos de Opinião Pública da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). É autora de "PT: a Formação de um Partido" (Paz e Terra) e "Partidos e Governos no Brasil Contemporâneo (1985-1997)" (Paz e Terra).

"Folha Explica O PT"
Autor: André Singer
Editora: Publifolha
Páginas: 104
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

 

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