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26/09/2002 - 09h22

Justiça não consegue inibir financiamento irregular de candidatos

FREDERICO VASCONCELOS
da Folha de S.Paulo

Parte dos R$ 400 milhões a serem pagos pelo governo federal a usineiros nordestinos, a título de "equalizar" os custos de produção da cana-de-açúcar em relação aos do Centro-Sul, poderá ser usada para "irrigar" campanhas eleitorais na região.

Essa é uma das muitas formas possíveis de contornar os limites da legislação eleitoral. Mais desenvolvidos, os usineiros paulistas há muito tempo financiam candidaturas confiáveis, driblando prestações de contas. Eles constroem creches e doam máquinas e ambulâncias para prefeituras cujos titulares são afinados com a defesa do Proálcool, não importando a sigla partidária. Nas campanhas, muitas vezes o palanque é montado na usina.

Como a Justiça eleitoral não tem poder de auditoria, e os mecanismos de fiscalização são inócuos, apenas um lado perverso da questão aflora no período eleitoral: o risco de desequilíbrio na disputa, com a eventual concentração de financiamentos submersos em determinadas candidaturas.

Não menos nocivas são as formações antecipadas de caixas de campanha e as práticas viciadas que se estendem após o pleito.

Os acordos firmados durante as campanhas estão na origem da maioria dos escândalos com o uso de dinheiro público: as contratações dirigidas, as licitações fraudadas e as obras superfaturadas.

A "reciprocidade" nessa área surpreende. Eis o raciocínio de um empreiteiro: com a maior fiscalização, a possibilidade de uma construtora ganhar uma obra após as eleições seria maior se não contribuísse na campanha. Estaria acima de suspeitas para vencer, depois, uma licitação dirigida, preterindo as que contribuíram. Por outro lado, ficaria alvo mais fácil de "pedágios" e comissões.

Só raramente vem a público a contabilidade clandestina com recursos de caixa-dois das empresas. Foi o caso de um ex-dirigente de empreiteira paulista que questionou na Comissão de Valores Mobiliários a doação de R$ 164 mil para o candidato a prefeito Celso Pitta, não autorizada pelo Conselho de Administração.

Os apoios disfarçados em material ajudam os arrecadadores a fazer a conta de chegar. Em 1994, um dos coordenadores da campanha de Fernando Henrique admitiu, ao comentar as doações em móveis, imóveis e veículos: "Foi por aí, apesar dos bônus, que os valores foram sub ou superfaturados, conforme a conveniência do momento ou a geração de sobras de campanha".

A indústria automobilística costuma ajudar os candidatos de sua preferência com um esquema que preserva o nome das montadoras. As concessionárias emprestam, a pedido das montadoras, carros seminovos aos candidatos e aos comitês. E recebem das montadoras veículos zero quilômetro, em número igual aos emprestados, faturados em condições especiais.

Esse lobby nacional obedece ao mapeamento da rede de concessionárias, muitas delas de propriedade de políticos, e atende a interesses locais. O rastreamento levaria, no máximo, a locadoras.

Em 1998, o governador Mario Covas fez campanha numa moderna van emprestada pelo presidente da Toyota. A empresa alegou que era uma "manifestação de amizade e reconhecimento", porque Covas instalara uma fábrica da montadora no Estado.

Em 1998, grandes empresas privadas enxertaram em seus anúncios mensagens subliminares de apoio às ações do governo Fernando Henrique, então candidato à reeleição. Era a "Campanha do Bom Astral", montada pelo movimento "Ação Empresarial".

As prestações de contas da arrecadação e dos gastos de campanha são sabidamente um artifício. Terminada a eleição, doadores não sabem quanto foi coletado, e candidatos mais espertos podem continuar passando o chapéu.

O reexame da prestação do candidato tucano nas eleições presidenciais de 1998, feito por uma firma de auditoria, apenas confirmou que as prestações de contas obedecem à formalidade da lei.

Foram selecionados, por exemplo, cheques de valores iguais, de um mesmo contribuinte, até com repetição de centavos quebrados. Desconfiava-se de eventual direcionamento de cheques pré-datados, emitidos por pessoas físicas, e usados em contribuições eleitorais por pessoas jurídicas.

Foram dados cerca de 50 telefonemas para esses contribuintes, em vários Estados, checando-se os valores daquelas doações. Todos os consultados confirmaram a regularidade dos registros.

Em novembro de 2000, a Folha revelou planilhas eletrônicas sigilosas do comitê eleitoral do presidente Fernando Henrique, sugerindo que a campanha pela reeleição fora abastecida por um caixa-dois: pelo menos R$ 10 milhões não haviam sido declarados.

Da mesma forma, o reexame da prestação do candidato do Partido dos Trabalhadores em 1998 revelou que eram corretas as doações listadas, com o cuidadoso registro de contribuições ínfimas.

Esse aspecto também ficou evidente nas prestações de contas dos candidatos a prefeito e a vereador em Santo André, em 2000. Aparentemente, os valores maiores eram compatíveis com o porte das empresas do município. Contudo, eram fortes os rumores de que tinha havido fartura de recursos movimentando as eleições.

Já eram conhecidas as denúncias de contratos com suspeitas de irregularidades naquela administração tida, até então, como modelo de gestão do PT. Alertado há dois anos, o PT aparentemente não se preocupou em esclarecer suficientemente as suspeitas.

Outro exemplo: em 2000, descobriu-se que a contabilidade da campanha do PFL para a prefeitura de Curitiba girava em torno de um livro-caixa secreto com pagamentos não informados ao TRE.

No início do governo Fernando Collor de Mello, a Folha revelou as contratações, sem licitação, beneficiando agências de publicidade que haviam trabalhado na campanha presidencial.

O episódio motivou uma ação criminal do presidente contra quatro jornalistas, entre os quais o diretor de redação, Otavio Frias Filho, acusados de crime de calúnia. Essa tentativa de intimidação não prosperou, e Collor não recorreu da decisão que absolveu os jornalistas. Collor sentira-se ofendido com duas notas numa coluna de bastidores informando as suspeitas, dentro do próprio governo, de que as contratações compensariam dívidas de campanha com a agência Setembro Propaganda, de Minas Gerais.

Essa informação, reproduzida também nos jornais da família do presidente, contrastava com a sobra de recursos da campanha (PC Farias chegou a afirmar que os bancos tinham dado tanto dinheiro que ficara "assombrado").

Um levantamento posterior, em Belo Horizonte, constataria que a agência Setembro passara a operar com duas grifes: uma empresa, sem dívidas nem cadastro desabonador, assinava os contratos com o governo; a outra, dos mesmos sócios, acumulava títulos protestados em cartório. Ou seja, saíra da campanha endividada.

De lá para cá, pouco se fez para transformar a Justiça Eleitoral num poder capaz de punir distorções no financiamento eleitoral.

Veja também o especial Eleições 2002
 

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