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23/10/2002 - 09h55

Economia causará derrota tucana, diz Bresser

GUILHERME BARROS
da Folha de S.Paulo

O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, 68, afirma que a política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso será a maior responsável pela provável derrota do candidato tucano à Presidência, José Serra.

"Se ele [Serra] perder, como é o mais provável, sua derrota não se deve aos seus erros nem à sua personalidade, mas ao desempenho econômico do governo, que foi muito ruim, só isso", afirma.

Apesar de ter ocupado dois ministérios no governo FHC, Bresser diz que nunca deixou de alertar o presidente Fernando Henrique Cardoso dos erros cometidos pela equipe econômica. Ele foi ministro da Administração no primeiro mandato e da Ciência e Tecnologia no segundo. Foi ainda chefe da Fazenda em 87, no governo Sarney.

Bresser não concorda com a tese de que a reeleição tenha sido o grande erro deste governo. Para ele, os erros foram técnicos mesmo. "Foi incompetência", afirma. Sem citar o nome de Pedro Malan, diz que um dos erros do presidente foi ter mantido no governo o ministro da Fazenda quando demitiu o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, em 99.

Há poucos dias, Bresser Pereira apresentou, em seminário no BNDES, um trabalho de 35 páginas no qual afirma que o Brasil pode ser levado a ter que suspender o pagamento da dívida (moratória). O trabalho está disponível no site www.bresserperei ra.org.br. Leia a seguir trechos da entrevista que cocedeu.

Folha - Como o sr. define o governo FHC?
Luiz Carlos Bresser Pereira
- Os resultados da economia brasileira nos anos 90 foram decepcionantes. O Brasil continuou semi-estagnado, a dívida externa e a dívida interna hoje são muito maiores do que em 1995, o desemprego é mais alto do que nunca e, agora, em 2002, vivemos uma nova crise do balanço de pagamentos. Já tivemos uma crise em 98 e agora temos outra. Tudo isso apesar da enorme esperança que nasceu com o Plano Real.

O Plano Real foi anunciado em dezembro de 1993, a reforma monetária aconteceu em 1º de julho de 1994, e o plano de estabilização dos preços terminou no dia 31 de dezembro do mesmo ano, quando começou o novo governo. Se o governo FHC foi admirável no plano social, político e ético, no plano econômico foi muito ruim.

Folha - Quais foram os erros?
Bresser Pereira
- O erro fundamental foi de agenda. A partir de 95, a equipe econômica elegeu como o grande problema do país o combate à alta da inflação, quando não era. O fundamental naquele momento era estabilizar as contas externas.

Esse erro decorreu de havermos aceitado a estratégia de crescimento com poupança externa que constitui o cerne do que chamo o Segundo Consenso de Washington [a expressão Consenso de Washington surgiu em 89 para designar o receituário neoliberal que os países ricos consideravam necessário para o desenvolvimento das nações mais pobres]. Aceitamos sem crítica essa estratégia porque nossas elites vêm se revelando particularmente alienadas nos últimos 20 anos.

Foram erros que se encadearam. O Brasil preferiu utilizar uma âncora cambial para controlar a inflação e assim apenas agravou a instabilidade macroeconômica existente. Não foi, porém, só o Brasil que adotou essa política. Quase todos os países da América Latina fizeram o mesmo. A base desse modelo de subdesenvolvimento é o uso da poupança externa para fazer o país crescer. Essa estratégia nos foi proposta por Washington, constituindo o Segundo Consenso de Washington.

Não foram bastantes o ajuste fiscal, a abertura comercial e as privatizações, que caracterizaram o primeiro consenso. Também era preciso a abertura financeira, que não fazia parte do primeiro consenso, conforme seu próprio definidor, o economista John Williamson, deixou claro na época.

Folha - O que caracteriza essa abertura financeira?
Bresser Pereira
- A abertura financeira significa deixar os fluxos de capitais livres. Não ter nenhum controle sobre a entrada de capitais e supor que o desenvolvimento do país se faça com poupança externa. O erro, porém, foi nosso. Nem os EUA, nem o Banco Mundial, nem o FMI nos forçaram a adotar essa política. Apenas a sugeriram e apoiaram. Foram nossas elites e o governo que aceitaram esse modelo de financiamento para o subdesenvolvimento.

Folha - E por que o governo aceitou?
Bresser Pereira
- Por dois motivos. Em primeiro lugar, porque o populismo é atrativo e havia um componente populista importante nele. Em segundo, porque nossas elites perderam a capacidade crítica de definir e defender o interesse nacional.

Folha - O que o sr. define como alienação das nossas elites?
Bresser Pereira
- As nossas elites têm se revelado extremamente incompetentes diante da crise que se abateu sobre o país desde o início dos anos 80. Há 22 anos estamos cometendo erros de política econômica insistentemente. Erros que geralmente derivam de nossa prática do "confidence building". Ou seja, fazer acriticamente tudo o que Washington e Nova York nos sugerem para construirmos confiança no exterior e obtermos crédito, mesmo que as sugestões se revelem contrárias ao interesse nacional e aos fundamentos macroeconômicos.

Ora, não é assim que se obtém crédito, mas fazendo o que nós mesmos entendemos ser necessário fazer para estabilizar a economia, e obtendo resultados. Por outro lado, uma economia como a brasileira, com uma distribuição de renda muito desigual, favorece a adoção de políticas econômicas populistas, como a que adotamos para o câmbio.

Folha - Em que consiste essa política populista?
Bresser Pereira
- Essa política consistiu em aumentar salários reais através de um câmbio valorizado. Em outras palavras, decorreu da política equivocada de se contar com a poupança externa para se desenvolver. Ora, poupança externa é, tecnicamente, sinônimo de déficit em conta corrente.

Em conseqüência, valorizou-se o câmbio, aumentaram os salários reais da classe média e seu consumo, na medida em que este tem um componente de importados, e diminuiu a poupança interna. Essa política revelou-se um grande equívoco para o país.

De acordo com o Segundo Consenso de Washington, os países emergentes que abrissem financeiramente suas economias receberiam "ajuda" na forma de poupança externa. Essa ajuda foi, na verdade, um financiamento para o subdesenvolvimento e a crise.

Folha - O sr. acha que o país não deveria ter aceito dinheiro de fora?
Bresser Pereira
- O problema é que poupança externa significa déficit em conta corrente e portanto aumento da dívida externa. A poupança externa pode vir também na forma de investimento direto, que é melhor porque menos líquido, mas constitui também uma dívida, uma dívida patrimonial. E a própria dívida financeira externa nem sempre é negativa para um país.

No caso do Brasil, porém, como, de um lado, se trata de um país com alto endividamento, e, de outro, como nos anos 90 não havia grandes projetos de investimento _o que significa que a taxa de lucro esperada era baixa, enquanto as taxas de juros são altíssimas_, endividar-se externamente constituiu um grave erro. Em uma condição como essa as pessoas usam os recursos do financiamento para aumentar o consumo em vez de investir. Com uma taxa de câmbio mantida num nível muito baixo, o dólar fica muito barato e as pessoas aumentam seu consumo, principalmente de produtos importados. Com isso, a contrapartida da poupança externa que recebemos é a despoupança interna.

Essa estratégia só interessa aos países ricos, já que se traduz em grandes déficits comerciais dos países emergentes e permite que o sistema financeiro internacional financie esses déficits com elevadas taxas de juros. Não há nada de estranho, portanto, que o FMI tenha aprovado essa política, que afinal é populista, no México, na Argentina e no Brasil.

Se, em 95, o governo tivesse entendido que o nosso problema fundamental era o de recuperar o equilíbrio externo da economia, e não houvesse aceito a idéia de financiar seu desenvolvimento com poupança externa, não teria ocorrido o desastre de 98.

Folha - Mas o governo mudou a política em 99.
Bresser Pereira
- O presidente FHC teve a coragem de ir contra o seu ministro da Fazenda e demitir o seu presidente do Banco Central, Gustavo Franco, para adotar o câmbio flutuante. Se não tivesse feito isso, hoje estaria estaríamos na mesma situação da Argentina.

Quando FHC demitiu o presidente do BC, pensava-se que a política de sobrevalorização cambial tivesse acabado. O problema é que o ministro da Fazenda continuou no cargo e o BC decidiu adotar a política de metas de inflação, que significaria, sem dúvida, um grande avanço para o país.

Entretanto, o Brasil não tinha condições de adotar uma política tão rígida quando suas contas externas permaneciam desequilibradas e sua taxa de câmbio valorizada artificialmente por uma taxa de juros muito alta.

Assim, em 2001, quando o mercado sinalizou que era hora de um novo ajuste cambial, o governo de novo violentou o mercado através da elevação da taxa de juros -que vinha num processo de queda-, vendeu US$ 8 bilhões em títulos no mercado e ainda indexou em dólar US$ 20 bilhões da dívida interna. Com toda essa violência, o governo conseguiu baixar o câmbio por um ano, mas apenas atrasou o ajuste externo por esse período. O mais grave, porém, foi ter aberto espaço para esta nova crise de balanço de pagamentos que estamos vivendo agora. A equipe econômica agiu de novo de forma equivocada. Os resultados estão aí.

Folha - Esses equívocos podem ser responsáveis pelo desempenho da candidatura Serra?
Bresser Pereira
- Não há dúvida de que os resultados dessa política econômica equivocada dificultam o candidato do governo. Qual foi o argumento fundamental dos candidatos de oposição? A crítica à política econômica do governo. Todos eles fizeram críticas ao baixo crescimento e ao aumento do desemprego. O Serra ainda tentou mostrar os bons resultados do governo nas áreas sociais, mas não conseguiu passar ao eleitor.

Folha - Mas o sr. foi do governo.
Bresser Pereira
- Durante os quatro anos e meio que estive lá, só fiquei quieto nos últimos seis meses. De janeiro de 95 até o fim do primeiro mandato, eu disse insistentemente ao presidente que a política econômica estava equivocada e precisava mudar. Serra e Paulo Renato [de Souza, ministro da Educação" diziam a mesma coisa. Cheguei a escrever notas, e falava com ele a cada 30 dias, o que era bem aborrecido para ele. Mas ele se deixou convencer pela equipe econômica.
De qualquer forma, FHC fez a mudança em 99. Não é fácil tomar uma decisão de desvalorização do câmbio. O Brasil deve isso a ele.

Folha - A que o sr. atribui tantos erros da equipe econômica? O sr. não acha que a reeleição pode ter favorecido essa política de populismo cambial?
Bresser Pereira
- Eu acho que foram decisões técnicas. A reeleição não teve nada a ver com isso. A equipe econômica ficou fascinada com o canto que vinha de Washington, no qual não havia má-fé: no Norte eles não conhecem nossos problemas, mas sabem quais são seus interesses. A equipe econômica do governo foi incapaz de fazer as críticas necessárias.
Os empresários também aceitaram a idéia de que o desenvolvimento da economia poderia ser financiado principalmente com poupança externa. Ora, o Brasil não pode ser dependente da poupança externa. Existem estudos que mostram que, a partir de um determinado ponto, o endividamento excessivo de um país começa a prejudicar o crescimento.

Folha - De qualquer forma, agora, o problema é exatamente o contrário. O grande problema é o descontrole cambial?
Bresser Pereira
- É verdade, agora estamos com o real subavaliado. O mercado demonstrou que é mais forte e, apesar do esforço contrário do BC, a taxa de câmbio foi para o equilíbrio. Aliás, para além do equilíbrio, chegando a quase R$ 4, e abrindo espaço para o acerto das contas externas, de forma que no plano real estamos começando a sair da crise. Hoje, já estamos com um superávit comercial de US$ 9 bilhões ao ano.

No ano que vem, o déficit em conta corrente estará bem próximo de zero. Se os credores externos nos derem um tempo, e se conseguirmos manter um superávit primário de 3,75% do PIB, nós sairemos da crise.

Folha - Quando o sr. acha que poderemos sair da crise?
Bresser Pereira
- Não sei. Diante dela o governo, corretamente, pediu socorro ao FMI e, como a função do Fundo é de emprestador de última instância, apoiou o Brasil. Mas não foi suficiente. Os bancos credores ainda não estão renovando seus créditos.

O presidente chamou os candidatos para conversar, e as respostas foram satisfatórias. Agora, o BC está tomando medidas corretas para frear a especulação, mas tudo depende do que o novo presidente anunciar após a eleição.

Se as medidas anunciadas e a escolha da nova equipe forem tranquilizadoras, o crédito externo pode começar a voltar e o país sai da crise. Se, porém, mesmo assim os credores mantiverem a suspensão da rolagem da nossa dívida externa, o Brasil poderá ser forçado a suspender o pagamento da dívida. Isto é, ser forçado à moratória, se as reservas baixarem muito ou o câmbio subir demais, que é a mesma coisa. Acho pouco provável que isso ocorra, mas, se ocorrer, é necessário que o Brasil tenha um plano B.

Folha - Como seria esse plano B?
Bresser Pereira
- Temos que defender nossas empresas e nossos bancos, temos de defender o trabalho e o capital nacionais. Por isso, ele envolveria a centralização do câmbio. A partir daí, o BC só autorizaria os pagamentos externos realmente prioritários. Não podemos fazer o que fez a Argentina. Não podemos deixar a economia à mercê de um mercado que parou de funcionar. Espero que isso não ocorra, mas essa não é uma decisão nossa, e sim deles.

Folha - O sr. acha que as turbulências eleitorais foram responsáveis por essa situação?
Bresser Pereira
- Houve incompetência da equipe econômica.

Folha - O sr. tem medo de Lula?
Bresser Pereira
- Não. O Serra reúne melhores condições, mas não creio que o Lula venha a representar um desastre para o país. Como ele soube que para ser eleito é preciso ser moderado, sabe que para governar é necessária a mesma virtude. E deixou isso claro em sua campanha.

Folha - O sr. tem esperanças de uma virada do Serra?
Bresser Pereira
- O meu desejo é que o Serra seja eleito, mas, se ele perder, como é o mais provável, sua derrota não se deve aos seus erros nem à sua personalidade, mas ao desempenho econômico do governo, que foi muito ruim.

Veja também o especial Eleições 2002
 

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