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27/10/2002 - 02h24

"2003 será ano de crise", afirma presidente do PT

da Folha de S.Paulo

Se há uma onda vermelha nestas eleições, o país sairá dela em cenário nada róseo. "2003 será um ano de crise e com margem de manobra pequena para o novo governo", afirma o presidente nacional do PT, José Dirceu de Oliveira e Silva, 56, o mais influente cardeal da virtual administração de Luiz Inácio Lula da Silva.

"O [José] Serra nos prestou um grande serviço: mostrou a gravidade da crise, a pretexto de fazer terrorismo eleitoral", diz o deputado federal, reeleito com 556.563 votos, o segundo mais votado do país, em parte graças ao uso quase exclusivo do tempo destinado pelo PT aos parlamentares no horário gratuito em São Paulo.

Como resposta à crise, Dirceu pretende articular com o governo Fernando Henrique Cardoso, a aprovação até dezembro de maior autonomia administrativa para o Banco Central _com a regulamentação do artigo 192 da Constituição_ e uma minirreforma tributária que permita a desoneração das exportações para que o país aumente o superávit na balança comercial.

Ministro provável, Dirceu afirma que não pretende conter a "demanda" dos movimentos sociais e que espera manifestações e greves contra o governo petista. Mas prega a ortodoxia: "Não é papel do governo apoiar greve. É buscar saída para o conflito".

Casado, pai de três filhos e advogado por formação, Dirceu iniciou o curso de direito na PUC-SP, em 1965, e só o concluiu em 1983. No intervalo de 18 anos, foi líder estudantil, preso e banido pelo regime militar, viveu exilado em Cuba e como clandestino no Paraná antes da anistia em 1979.

Não concluiu o curso de pós-graduação em economia, à qual se dedicou dois anos, por causa da carreira política _que agora vai levá-lo a ser o principal operador de um governo que enfrentará a desconfiança do mercado financeiro internacional.

Folha - A equipe de transição será mais ampla do que o PT?
Dirceu
- É natural que ela não seja exclusivamente do PT. Existe uma estrutura que o governo colocou à disposição com 51 cargos técnicos, mas isso não tem nada a ver com a equipe de transição. Não acredito que seja uma equipe grande. Tem de ser pequena, porque tem de cuidar dos assuntos políticos, econômicos e administrativos do país na transição.

Folha - Essa equipe de transição não seria nenhuma sinalização ao mercado, como se especula?
Dirceu
- O mais importante nesse sentido já fizemos: a "Carta ao Povo Brasileiro", nosso programa de governo, o pronunciamento que o Lula fez na TV na última semana de campanha, a nossa determinação de votar a regulamentação do artigo 192, que já abriu a discussão sobre a questão da autonomia operacional do BC, e o Orçamento que vamos fazer para 2003.

Folha - A discussão do artigo 192 envolve a regulamentação polêmica dos juros reais de 12% ao ano.
Dirceu
- Isso vamos discutir depois, até porque o país está com uma inflação de 14%.

Folha - O modelo de autonomia do Banco Central será o inglês?
Dirceu
- Isso vamos discutir. O importante é mudar o artigo 192 e discutir a autonomia administrativa do Banco Central. Quando ela ocorrerá e qual o seu caráter, vamos pactuar na sociedade.

Dirceu - Temos compromisso com o controle da inflação. Já assumimos compromisso com o superávit fiscal. Mas queremos mudar a política econômica do país e vamos mudar. Há uma transição para isso. Vamos trabalhar na perspectiva de que 2003 será um ano de crise. A sociedade tomou consciência no processo eleitoral de que a margem de manobra é pequena, de que a situação internacional é grave. 2003 será um ano de crise. Vamos arrumar a casa para criar condições de o Brasil voltar a crescer.

Folha - Já em novembro, a equipe do presidente eleito terá de discutir as metas do acordo com o FMI em 2003, com possível aumento das metas do superávit primário.
Dirceu
- Já falamos que vamos fazer o superávit que for necessário. Está lá na carta compromisso com o povo brasileiro. Queremos retomar o crescimento econômico. Sem isso, o Brasil não vai resolver nenhum de seus problemas. Não haverá superávit, não haverá acordo com o FMI que resolverá os problemas do Brasil. Basta olhar a inflação hoje, o desemprego hoje, a dívida interna. É um problema político, não é técnico. Não é um problema de economistas. É de pactuar novamente o país. Essa é a nova visão. O resto é decorrência disso.

Folha - Mas, num primeiro momento, o PT precisa sinalizar ao mercado sobre o que fará para conter, por exemplo, a alta do dólar. Tem de gerir essas expectativas.
Dirceu
- O dólar vai cair. Vamos nomear uma equipe econômica que tem competência. E temos como resolver isso politicamente. No início da transição, de forma tranquila e institucionalizada. O envio de medidas ao Congresso Nacional será um sinal importante para o país e para aqueles que investem e são credores do Brasil.
Fizemos uma disputa eleitoral, mas não a misturamos com as dificuldades econômicas do país. Fomos solidários com o Brasil, não com o governo. O presidente Fernando Henrique tem consciência de que a situação é grave. O Lula não faltou ao dever de ir conversar com o presidente. Quem não quer pretexto, não tem razão em duvidar de que o PT fará uma transição com o atual governo, se houver a boa vontade e a disposição que acredito que há do presidente Fernando Henrique Cardoso, que nós vamos ajudar ao país chegar a 1º de janeiro.

Folha - O Lula tem dito que quem governará o país até 31 de dezembro é FHC. Mas o PT terá de assumir responsabilidades conjuntas, não?
Dirceu
- Quando o Lula nomear a equipe de transição, depois de conversar com FHC, vamos estabelecer, com quem for coordenador do governo e com o nosso coordenador, as regras e a metodologia. Nós não podemos passar a governar o Brasil.

Folha - O PT pode ocupar uma diretoria do BC como já foi oferecido pelo ministro Pedro Malan?
Dirceu
- Vamos discutir. É uma questão em aberto. Podemos ou não podemos. Vamos discutir.

Folha - Os tucanos estão dizendo que podem reapresentar a proposta de salário mínimo de R$ 240 que o PT defendeu no Congresso e que o presidente vetou.
Dirceu
- Isso é retórica. O governo não quer isso de jeito nenhum. O Malan e o Armínio Fraga não vão defender isso nunca. O Serra também está defendendo a renegociação com os Estados, por exemplo. Pergunta se o governo concorda? É lógico que isso é retórica eleitoral. Vamos, sim, trabalhar com um aumento do salário mínimo para 2003. Dentro do Orçamento, vamos ver o que é possível fazer. O país sabe disso. É abusar da inteligência do país alguém achar que você pode aumentar o salário mínimo imediatamente. Todo ano temos de ir recuperando o poder de compra do salário mínimo. Isso nos próximos quatro anos. É um compromisso que assumimos. O PT não assumiu durante a campanha compromissos irrealizáveis.

Folha - O sr. calcula que haverá 196 dos 513 deputados apoiando Lula. É uma base muito pequena para realizar reformas constitucionais que exigem o voto de pelo menos 308 parlamentares.
Dirceu
- Quando é que nós sonhávamos que teríamos 196 deputados na nossa base? Isso é uma maravilha. Vamos formar uma maioria de 258 deputados e 41 senadores pelos apoios que o Lula teve no segundo turno. Vastos setores do PMDB, do PFL e do PPB. Vamos pactuar com a sociedade as reformas, não só com o Congresso. O Lula vai visitar os presidentes de todos os partidos, sejam oposição a nós ou não. Estamos propondo uma coisa diferente para o país. Alguém acha que o Brasil vai sair da crise porque o PT quer, porque o presidente da República quer? Não vai, porque a crise é muito grave.
No final da campanha, o Serra nos prestou um grande serviço. O Serra, a pretexto de fazer terrorismo eleitoral, acabou mostrando para a sociedade a gravidade da crise. Não tirou um voto do Lula, pelo contrário, mas deu consciência para o país que a situação realmente é grave. O país quer crescer, mas sabe que não há muita margem de manobra.

Folha - O funcionalismo público quer aumento e os sem-terra dizem precisar de medidas emergenciais, só para citar dois exemplos. Como o PT lidará com as tensões sociais?
Dirceu
- Como sempre lidamos. O PT é um partido que sabe lidar com conflitos, com tensão. Vamos negociar. Não controlaremos a demanda de ninguém. Os movimentos sociais e os sindicatos têm direito de reivindicar. Dentro das possibilidades do país, vamos fazer uma política com relação a esses problemas. Vai ter greve, manifestação, como teve no governo Fernando Henrique, no governo Itamar. O Lula tem compromisso de negociar, de abrir um diálogo nacional.

Folha - Um caso simbólico ocorreu no segundo semestre de 1989, quando a então prefeita petista de São Paulo, Luiza Erundina, apoiou greve feita pelos servidores da cidade que comandava. Isso pode se repetir no governo Lula?
Dirceu
- O PT de 2002 não é o PT de 1989. Todo mundo sabe disso. Não é papel do governo apoiar greve. Papel do governo é negociar, buscar saída para o conflito. Quem apóia greve é partido político, quando apóia. Ou o sindicato, a sociedade. Governo não tem de apoiar greve, tem de dar solução para os conflitos.

Folha - Alguns economistas e analistas internacionais avaliam que o PT deve começar o governo com medidas mais conservadoras, tentando ganhar a confiança do mercado. Este poderia continuar desconfiando das intenções do PT, estimulando a fuga de capitais e desestabilizando a economia. Esse cenário, na especulação, levaria o partido a tomar medidas radicais. O que o sr. acha desse prognóstico?
Dirceu
- Chutômetro e pessimismo. Primeiro, não vamos começar o governo com medidas conservadoras ou moderadas. Vamos começar com as medidas que são necessárias para o país.

Folha - O PT é o partido que mais apresentou, no Congresso, propostas de CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito), sempre consideradas desestabilizadoras pela situação. No governo, resiste a elas como ocorreu em São Paulo e em Santo André.
Dirceu
- Não somos favoráveis a toda CPI. Vamos analisar caso a caso. Podemos votar contra. Não sou obrigado a aceitar toda CPI, mas nossos parlamentares têm assinado CPIs contra nossos próprios governos.

Folha - A de Santo André [instalada para apurar a existência ou não de suposta máfia da propina para arrecadar dinheiro para o PT], com maioria petista, prossegue há 131 dias, sem ter sido conclusiva.
Dirceu
- Isso na sua avaliação e na da Folha. A minha não é essa. Na CPI de Santo André, somos maioria absoluta e está funcionando.

Folha - Há 131 dias sem chegar a nenhuma conclusão.
Dirceu
- Isso é um outro problema. O inquérito já terminou e a família [do prefeito Celso Daniel, morto em janeiro] não aceitou e quer outro. Isso não quer dizer nada. Podia nem ter existido. Mas não votamos contra.

Folha - Em seu programa, o Lula propõe a criação de uma agência de combate à corrupção. O sr. acha que uma agência daria uma solução mais rápida na apuração de suspeitas como as que surgiram em Santo André e no Rio Grande do Sul [suposto recebimento de dinheiro do jogo do bicho por membros do partido].
Dirceu
- No Rio Grande do Sul, os envolvidos foram absolvidos e houve CPI. Tudo o que tiver de ser feito para combater a corrupção, vamos fazer. Esse é um compromisso claro do Lula. Não temos rabo preso com a corrupção, que é muito grande ainda.

Folha - O ex-secretário Klinger Luiz de Oliveira Souza [um dos principais acusados de irregularidades em Santo André] participou de um ato político com o Lula há 20 dias.
Dirceu
- Ele já foi condenado pela Justiça? Não. Quem está conduzindo a investigação em Santo André são os nossos adversários. Toda a investigação é da polícia do governo do Estado. E não encontraram nada contra nós. Absolutamente nada. Esse exemplo não serve para nada.

Veja também o especial Eleições 2002
 

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